Espêice Fia

Ilha dos sonhos

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Nos distantes exemplares inaugurais da Revista Fluir, por volta de 84, vi as ondas da Ilha do Mel pela primeira vez. Ainda não havia saído do eixo nordestino e as novidades em revistas especializadas eram devoradas de cabo a rabo. Lembro muito bem de viajar em “sonhos” pelos picos e principalmente as famosas ondas das Paralelas, pois regular em posicionamento que sou, sempre ficava sonhando e vidrado em qualquer point break de direitas. 

 

Foi preciso me mudar pra Florianópolis e só depois de 13 anos vivendo na ilha foi que finalmente conheci o lugar que embalavam meus sonhos de adolescência “surfistica”. Durante os anos de circuito mundial, Peterson Rosa e Jihad Khodr sempre falavam das ondas paranaenses, incluindo os picos de Matinhos e a ilha do Mel. Mas foi em Floripa que mais escutei falar, tanto por Justino, free surfer paranaense, como pelo ex-competidor Leandro Dora, o Grilão, pai de Yago Dora e que nos dias de hoje desenvolve treinamentos para aprimorar atletas no surf, seja pelo livre ou competição. 

E a ideia desta visita ao litoral de seu estado de origem no mês passado partiu justamente dele, pois o bom filho à casa torna e o cara estava cheio de saudades dos amigos e dos maravilhosos picos da região. Com um swell gerado por um ciclone e rodando com direção de leste em cima do litoral paranaense no fim daquela semana, a ondulação mostrava-se virando pra sudeste e encostando ainda mais na região. Na expectativa de que poderíamos pegar boas ondas, saímos em uma quarta-feira rumo a Itapoá, última praia do litoral catarinense, afim de arriscar umas direitas nesse point break que, aliás, nas fotos que havia visto parecia muito sugestivo para um fim de tarde à espera do swell subindo. 

Depois de tempestades na BR-101 norte, chegamos a Itapoá sem a chegada do swell. Não nos preocupamos e seguimos pra Matinhos afim de checar o surf noturno para nos preparar para a manhã seguinte. De fato, a ondulação aos “holofotes” parecia se confirmar. Marolas de dois pezinhos vinham constantes e aparentando uma subida para a manhã seguinte. A lua nos saudava ao horizonte e fomos dormir esperançosos após um rodízio de pizzas. E o raiar do sol foi ainda mais belo, no entanto, as ondas, apesar de um pouco maiores, ainda se mostravam fracas quando decidimos surfar em Caiobá, no pico chamado Mapi. Ali, cerca de meio metro terral, maré cheia secante e bons triângulos entravam com certa constância. 

Em tempo, apresentando os parceiros da trip: o fotógrafo Douglas Cominski, também paranaense, e o videomaker Simão Filippe “Muriçoca”, de Floripa. Além de Grilo, o free surfer Alex Chacon, que depois morar alguns anos na Austrália tem sua base novamente em Floripa enquanto não se muda para a Indonésia. Ainda na beira da praia, recebemos a companhia do surfista local Eduin, que nos recebeu com alegria e se empolgou na session. Grilo, fazendo as honras da casa, deu boas batidas e mandou um belo grab rail de backside. O “zen” Chacon era o mais conectado, e além dos tubos também mandou seus pares de aéreos. Peguei algumas boas, aliás, não as que eu queria, mas foi ótimo tirar o “ranço” da viagem na companhia de uma galera massa naquela manhã maravilhosa. 

Depois de cerca de hora e meia de surfe, partimos para um rápido café da manhã afim de esperar a maré secante e, quem sabe, dar a sorte na guinada do swell para surfarmos as famosas direitas de Matinhos. Esperamos por cerca de hora e meia, e como as séries não aumentavam, decidimos partir para Ilha do Mel, deixando o pico também do renomado  Peterson Crisanto para uma outra oportunidade. 

Chegamos após a travessia de barco por volta do meio do dia e logo seguimos para a pousada Treze Luas afim de deixar nossas coisas e partir pro surf nas Paralelas, já que a maré estava baixa e poderíamos ser agraciados na enchente dela. 

Chegando ao pico, apenas duas cabeças, ambos amigos do Grilo. Eram dois médicos que conseguiram escapar do expediente para aproveitar o swell naquela tarde. Marolas pouco acima do joelho vinham com uma constância que nos deixava alegres. Nada de muito especial, mas com certeza pra cada um tinha um valor. 

Para Grilo, por sua visita para matar as saudades, da mesma forma também para Douglas, que filmava na água intercalando com algumas ondas surfadas quando trocávamos de funções, pois eu, maravilhado com o lugar, também queria filmar os parceiros pra que todos tivesse a mesma vibe. Simão, com seu drone, garantiu imagens aéreas lindas, e Chacon, que também não conhecia a Ilha do Mel, vinha frenético riscando as paredes que volta e meia se mostravam bem manobráveis. 

Partindo para um rápido lanche, escutamos sobre o surfe da manhã na Praia Grande, mais precisamente no Canto da Vó, onde ondas de um metro e meio eram emolduradas em forma de muitos tubos.  Mesmo perdendo esta session quando estávamos querendo surfar Matinhos, estávamos esperançosos pro dia seguinte, até porque ainda pegamos ondas fortes na Praia de Fora ao fim daquela tarde. Peixinho de primeira com uma bela gelada foi nosso jantar. Uma “muriçocaçoca” nos conduziu de volta até a pousada para o merecido descanso, pois o dia seguinte prometia. 

Mais uma vez sol raiando magnifico e o terral batendo. Checamos a Praia Grande, que estava bom, no entanto, fomos até o Canto da Vó para surfarmos um pouco antes do café, afim de tentar também pegar a melhor hora do mar. Ondas lindas, mas menores que no dia anterior. Alguns tubos apertados, e uma hora depois partimos pro café, pois, pelas “esperanças”, tudo indicava que por volta das 10:30 horas seria o melhor horário. Saímos na caminhada de volta para a Treze Luas em passos acelerados. O café da manhã estava delicioso, mas logo estávamos de volta, chegando ao Canto da Vó exatamente às 10:30. Mas, para nossa infelicidade, o melhor horário das ondas havia sido justamente na hora em que saímos. Quando entramos novamente, uma brisa de vento “ladal” começara a bater. Ainda surfamos por um bom tempo, tendo a oportunidade também de vermos os locais Vicente e Gustavo Halush, que mandou um belo aéreo de backside. 

Aliás, os locais da Ilha do Mel foram muito receptivos conosco, como também os surfistas de Curitiba e locais próximos à Ilha do Mel que nos encontram na ocasião. A vibe era muito boa,todo mundo se divertia para aquele repentino swell. Quando nos dirigíamos para o Canto da Vó na segunda queda, vimos o local Victor Valentim quebrando no canto esquerdo da Praia Grande, e já que o vento ficava melhor ali, resolvemos ir até lá. O sol após o meio dia estava escaldante, mesmo assim ficamos pegando ali ondas fortes, com Grilo e Chacon mandando boas bordoadas nos “lips”, que, com o passar do tempo, começavam a ficar desfigurados, pois o vento aumentava na medida em que a tarde se aproximava. 

Partimos pro almoço, e sem descanso, Douglas e Grilo resolveram nos mostrar as trilhas da ilha em um magnifico rolé de bike. E digo que este rolé foi o que faltava pra nos completar, pois, apesar de ficarmos meio desconectados com a ondulação e da expectativa maior do que aquele presente nos mostrou, valeu demais todo o empenho e por ter também surfado Paralelas. Apesar das ondas pequenas, estávamos na água sozinhos. 

Eu, Chacon e Simão, que também nunca tinha ido na Ilha do Mel, conhecemos ondas novas. Grilo e Douglas mataram a saudade do lugar e dos amigos, então foi uma trip muito legal. A satisfação foi enorme e as risadas foram muitas. A lição é de que quem não arrisca, não petisca. Poderíamos ter nos dado melhor, ficamos no meio termo: tamanho do swell não vingou como esperado, mas sempre terá uma próxima vez, afinal lugares mágicos sempre estarão no roteiro para futuras trips.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.