Capital do surf

Imbituba revive bons tempos

Fernando Sefton, Imbituba (SC)

Fernando Sefton e os primeiros desbravadores de Imbituba chegaram no inverno de 1966. Foto: Arquivo Pessoal.
Turma de cariocas e paulistas como Roberto Perdigão, Darcy Guimarães e Toni Catão dominam o pico nos anos 70. Foto: Crespo.

O dono de um pequeno comércio, amigo do poeta Olavo Bilac, abordou-o certa vez na rua: “Sr. Bilac, preciso vender minha propriedade que o senhor bem conhece. Poderia, por gentileza, redigir o anúncio para o jornal?”.

Olavo Bilac apanhou o papel e escreveu: “Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo. Cortada por cristalinas e marejantes águas de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda.”

Meses depois, o poeta reencontrou o amigo e perguntou-lhe se havia conseguido vender a propriedade. “Nem pense mais nisso Sr. Bilac. Quando li o anúncio que o senhor escreveu é que percebi a maravilha que tinha nas mãos.”
 
O início As praias de Imbituba foram desbravadas por famílias gaúchas no fim da década de 60 e início dos anos 1970. Foi na casa de Jorge Johampetter que, por meio de um mapa, descobriu-se que o litoral catarinense era todo recortado por costões, com reais possibilidades de boas ondas.
 
Os Johampetter, os Bins, os Chaves Barcelos, os Pettini e os Sefton chegaram no inverno de 66. A partir de então, todos os feriados, finais de semana e principalmente nas férias, o roteiro Porto Alegre / Imbituba era percorrido em verdadeiros surfáris, reunindo toda moçada em cerca de oito a dez carros.
 
Eram 12 horas de viagem por estradas de chão batido, passando por muitas cidades. A linha do trem cruzava a estrada a toda hora. A princípio, todos ficavam hospedados no Hotel do Moreira, o único da cidade.
 
Com ajuda do Sr. Pudico, corretor de terras da região, foram desbravadas novas praias. Rosa, Vermelha, Ferrugem, Silveira, Ouvidor, Ibiraquera e Itapirubá eram percorridas seguindo-se os caminhos de carros de boi.

O legal disso tudo é que os integrantes destes surfáris iam sempre ao mesmo pico. Ninguém se dividia. E quando atolava algum carro, havia muita solidariedade. “Ninguém ficava pelo caminho”, recorda Paulo Sefton, um dos pioneiros.
 
A praia do Porto foi a primeira base das famílias gaúchas em Santa Catarina. Eram cerca de cinco casas no canto direito, também conhecido como Canto do Paraná. Aquela imensa área verde, com suas árvores centenárias, também era chamada de “Bosque” e dividia as praias do Porto e da Vila.

Aquilo era a Disneylândia para qualquer surfista: vento Nordeste terral na Vila; com o vento Sul, a praia do Porto estava protegida. De acordo com o swell e o vento, bastava cruzar o Bosque pra fazer a cabeça.
 
Entre os locais, Zé Henrique Costa, conhecido como Lilico, Tadeu, Marinho e César, adquiriram, juntos a primeira prancha, mas apenas Lilico conseguia se equilibrar. Renato Picarski, Mezo, Natanael, Cláudio, Baia, Ivinho, Gariba, entre tantos outros da tão falada “Rua de Baixo”.

 

Clever, Neno e Nabor Heleodoro, Carlos Capaverde, Jota, Gil de Bona, Chicão, Machucho, Marisco da Vila Nova e Flavinho Bortolluzzi (primeiro fabricante de parafinas da cidade), entre muitos outros, também colocaram seus nomes na “linha de arrebentação” do surf imbitubense.
 
Por volta de 1971, Bento Xavier da Silveira foi o primeiro surfista do eixo Rio-Sampa a pegar ondas na região e sentir o potencial do lugar. Rapidamente a notícia de boas ondas se espalhou e a invasão não tardou.

 

Renan Pitanguy, Paulo Proença, Toni Catão, Roberto Perdigão, Daniel Friedman, Rico de Souza, Maraca, Penho, Wanderbill, Arnaldo Spyer, Dani Boi, Roberto Sombra, Fedoca e mais um monte de cariocas e paulistas chegaram logo em seguida em busca de ondas e diversão.
 
A família de Toni Catão, surfista carioca, era a responsável pela exploração do porto e possuía várias casas à beira-mar. A mais imponente era conhecida como Chalé 4. Esse, com uma vista única da praia da Vila, hospedou muita gente e tornou-se a base para um novo estilo de vida de jovens descompromissados.
 
As pranchas eram as Raízes, do Fumaça e do Bocão Pegoraro, shapeadas pelo Mudinho. Tinha também as pranchas Pura Vida do shaper gaúcho Johnny B. Good, a Style do shaper local Nabor Heleodoro e a Original Surfboards do shaper Ricardo Ferraz.

Neste período surgia a Vic-Stick, do shaper Victor Vasconcelos, que mais tarde mudaria para Hot Stick em uma parceria com Pedro Bataglin. Também foi ali que iniciou-se a confecção das primeiras bermudas de surf brasileiras, a marca Nazimbi (em referência à cidade – Na Zimbituba = Nazimbi), de propriedade do paulista Dani Boi.

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Crescimento desenfreado muda a paisagem nos anos 80. Foto: Aleko Stergiou.
Investimento em conscientização ambiental traz baleias-francas de volta. Foto: Divulgação.

Imbituba já era surf city muito antes de alguém imaginar que o surf atingiria os patamares atuais de popularidade. Esta época era simplesmente fantástica. Foram anos dourados e Imbituba era o templo do surf, o paraíso.
 
Quando tudo conspirava a favor para a cidade explodir como autêntico pólo do surf, surge a Indústria Carboquímica Catarinense, empresa estatal, poluente, que aproveitava o rejeito piritoso do carvão para produzir ácidos sulfúricos e fosfóricos.
 
Os políticos e empresários enxergaram naquele momento apenas a oportunidade de desenvolvimento a curto prazo e esqueceram de toda a destruição ambiental que o local sofreria ao aceitar uma indústria química.
 
Nesse período, a cidade chegou a ter uma certa estabilidade econômica com muitos empregos gerados principalmente pra quem chegava de outros estados. Nessa mesma época, os molhes do porto foram ampliados e as casas do Canto do Paraná destruídas.

De quebra, sobrava aos moradores apenas o pó vermelho – óxido de ferro jogado pelas chaminés da ICC – que cobria boa parte da cidade como um tapete marrom – árvores, casas, ruas, nada escapava.
 
Com os sinais de poluição a cidade perdeu seu charme e o primeiro grupo de desbravadores gaúchos dividiu-se buscando outras praias na região de Garopaba. A corrente de malucos cariocas também esfriou e a cidade iniciava um período de mudanças radicais e de declínio.
 
Imbituba caiu em um ostracismo tão forte, causado pela destruição da cidade e por uma série de outros fatores econômicos e políticos, até que, em 1992, resolveu-se desativar a ICC. Era o fim da poluição!
 
De volta para o futuro O ressurgimento para o mundo das competições de surf aconteceu com a realização do OP Pro em 94, quando a Vila foi o cenário escolhido para abertura do circuito brasileiro profissional.

Com o sucesso do evento, a história começa a mudar. O turismo redescobriu a cidade e até as baleias-francas voltaram a frequentar o paraíso em número cada vez maior.
 
No surf, a semente do esporte que foi introduzida pela geração dos anos 70 voltou a crescer e continuou dando frutos. Várias gerações se formaram desde aquela época e suas praias continuam sendo destino para muitos surfistas.
 
Em 2000, foi a vez da praia do Rosa sediar uma etapa do WLT, o circuito mundial de longboard. Nos anos seguintes, a Vila apareceu novamente em destaque ao receber a penúltima etapa do Circuito SuperSurf.

Em 2003 uma nova história começou a ser escrita com a chegada dos principais nomes do surf mundial que sedimentam de vez o nome da praia entre as melhores ondas do Brasil e do mundo.
 
Com isso, a cidade ganhou status de capital do surf e se transformou. A prefeitura e o governo do estado se engajaram no novo momento e, revitalizando a orla com calçamento, estacionamento, bancos, racks de prancha, decks de madeira e chuveiro, apoiam a vinda para Imbituba desta que é a principal competição internacional em águas brasileiras.
 
Títulos mundiais passaram a ser decididos nas ondas da Zimba e a população que até então pouco se interessava pelo surf, agora tem na ponta da língua os nomes da maioria dos tops da ASP.

A pequena e pacata Imbituba no período do campeonato torna-se reduto de várias tribos. É gente de tudo quanto é canto. O que até alguns anos atrás, quando a cidade estava esquecida no tempo, era praticamente improvável de se dar, hoje se acontece todos os dias: a divulgação de Imbituba para o Brasil e para resto do mundo, e a vinda de turistas, o que gera renda para uma parte de sua população.
 
Atualmente a cidade trabalha também sua outra vocação ecológica, e se volta para o turismo de observação de baleias que a visitam durante os meses de agosto a novembro para acasalar, procriar e amamentar seus filhotes.
 
Se Olavo Bilac, com um olhar romântico e com pequenas observações fez o amigo repensar a venda da sua propriedade, aqueles jovens cabeludos dos anos 60 transcenderam idade e fronteiras, e a herança deixada por eles, mesmo depois do período negro da ICC, continuou a influenciar novas gerações e a impor definitivamente Imbituba como a Meca do surf brasileiro
 
Máurio Borges é editor do blog Alohapaziada, surf-repórter da rádio Jovem Pan e apresentador do Surfone, serviço de telefone com as condições do tempo e do mar em Santa Catarina. Colaborou Beda Batista.

 

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