Gabriel Medina

Instinto de campeão

Gabriel Medina treina repertório de aéreos no quintal de casa. Foto: Munir El Hage / Ombakimagem.com.br.

Professor da Faculdade de Comunicação e Marketing da FAAP, João Carlos Guedes da Fonseca emocionou-se com a recente vitória de Gabriel Medina no Quiksilver ISA Junior 2010 e resolveu relatar o último grande campeonato do garoto antes da vitória no WQS da Praia Mole (SC).


Desde então, ele acompanha de perto as performances deste garoto prodígio e resolveu prestar esta homenagem ao atleta e sua família. Confira a seguir.


Em janeiro de 2009 fui à praia da Joaquina, Florianópolis (SC) com minha filha, uma surfista promissora e na época com 9 anos, para assistir a etapa do Rip Curl Grom Search 2009

 

Confesso que, a princípio, não estava muito interessado na competição em decorrência da boa ondulação com ondas de 1 metro e da alegria de cair com a pequena Júlia em um paraíso do surf brasileiro. Afinal, essa era nossa primeira viagem cuja finalidade única era pegar boas ondas e cumprir a promessa, feita no Natal de 2008, de que a levaria anualmente para surfar uma onda de qualidade.

 

Ela demonstrava certo interesse em participar de alguns campeonatos e incentivado pelo shape Pierre de Itanhanhém, de quem somos muito amigos e sempre apoiou o desenvolvimento da Júlia, resolvi unir o útil ao agradável: iríamos acompanhar um campeonato para a molecada, na Joaquina. Conseguiríamos no fim das férias de verão pegar ondas de qualidade e vivenciar um campeonato de alto nível.

 

Chegamos com certa antecedência em Florianópolis e pudemos ver toda preparação para a etapa da Joaquina ao passo que, no line-up, via uma nova geração cheia de gás e com um repertório admirável. Os dias foram passando e eu, como todos na praia, começamos a reparar em um menino esguio que simplesmente destruía as ondas no free surf.

 

Os comentários na arrebentação eram, quase sempre, de espanto diante da verticalidade, da altura e da velocidade das manobras. O impressionante é que a timidez do menino fora da água contrastava com a violência com que se expressava na arrebentação. Fosse no free surf, fosse no campeonato, aquele menino, quando em cima da prancha, era um monstro.

 

Por isso, suas baterias, à medida que o campeonato prosseguia, passaram a ser aguardadas por quem se encontrava em frente do palanque oficial com certa ansiedade. Curioso era perceber que, sobre os ombros do menino, nada daquilo importava e o campeonato parecia-lhe mais uma caída de fim de tarde em Maresias (SP).

 

Creio, e somente posso atribuir essa percepção à crença, uma vez que era apenas uma testemunha ocular sem qualquer vínculos afetivos com as personagens em questão, que Charles, com quem conversei rapidamente no estacionamento do hotel depois da vitória de Gabriel (que contarei no final deste texto) concentrava toda tensão que aquele momento provocava.

 

Era comum vê-lo sozinho na praia, olhos de águia, contemplando as baterias de seu filho, em completo recolhimento. Era comovente vê-lo – talvez porque fizesse o mesmo com minha filha – levar as pranchas do Gabriel à área de competição. Muito concentrado e sempre distante do que se passava a sua volta, exceção feita ao surf de seu filho. Charles, esse sim, parecia ter o mundo inteiro sob os ombros.

 

Como pai, sempre achei que nossa cria é uma extensão de nós mesmos que, de modo instintivo, protegemos. E possivelmente proteção para o Gabriel naquele momento era surfar sem qualquer peso.

 

Como eu estava no mesmo hotel que os Medina, pude perceber o cuidado de Charles com seu filho e a firmeza com que organizava as refeições e o horário de dormir. Sempre de longe, pois insisto em dizer que não sou amigo, sequer conhecido, admirava a concentração dele no campeonato.

 

Hoje, distante no tempo e com a carreira de Gabriel decolando, creio que Charles era o único que de fato era ciente da capacidade de seu filho. Sua concentração, neste caso, poderia ser confundida com a ansiedade natural de quem espera a comprovação daquilo que ele, há muito, já sabia: o seu filho era um fenômeno. Não se trata apenas de um talento, mas um competidor obstinado. Bastava que isso fosse reconhecido.

 

É possível justificar essa impressão justamente pelo que ocorreu na final daquele evento, a qual, se não me engano, foi travada entre Medina e Jessá Mendes, para quem por merecimento do menino que surfou demais naqueles dias, todos acreditavam ser o possível vencedor do evento, além de Caio Ibelli, com quem Medina disputou a final na França, e Sidnei Guimarães, um surfista de muita explosão.

 

O que eu vi naquela final foi um dos acontecimentos mais impressionantes da minha vida como amante do surf de competição. Medina grudou em Jessé e efetuou a mais violenta marcação homem-a-homem já presenciada por mim. Sidnei Guimarães e Caio Ibelli pareciam fazer parte de uma outra bateria, porque surfavam livres, sem adversário aparente, enquanto Jessé era lançado impiedosamente ao erro.

 

Com duas ondas perfeitamente surfadas, repletas de rabetadas e batidas verticais, Medina, contra tudo e contra todos, sagrou-se campeão daquela etapa, realizada a poucos quilômentros da praia Mole, palco da admirável vitória conquistada seis meses depois numa etapa do WQS.

 

Lembro-me do abraço de pai e filho na beira da praia e das lágrimas que, de modo incontido, teimavam em escorrer no meu rosto. Acho que por também ser pai aquilo de algum modo calou fundo em mim. Parecia-me a consolidação de um sonho, a certeza de que era possível e constatação de que todo esforço e confiança estavam dando resultados.

 

Imagino, afinal, quantas vezes os dois não foram para a praia juntos no calor e no inverno, discutiram a forma ideal de surfar, exigiram um do outro apoio. E para isso acontecer é preciso muita confiança, uma espécie de pacto sagrado que lhes permitisse apoio mútuo e força para prosseguir.

 

Depois da cerimônia de premiação e do almoço dado pelos organizadores do evento numa churrascaria em frente a praia, o qual não participei por motivos óbvios, encontrei Charles no estacionamento do hotel. Embora não seja afeito a interpelar pessoas que não conheço, algo me levou a dizer: “olha, o surf de seu filho é algo muito superior a tudo que eu já vi. Acho que ele deveria começar a correr etapas profissionais, pois aquilo que eu presenciei nesses quatro dias de competição deixaram-me de queixo caído.

 

Charles, então, respondeu-me em tom cordato: “você deve entender algo de surf, pois eu também acho isso. Ficamos nos olhando por alguns segundos, eu admirado pelo elogio e pela segurança na resposta daquele pai, distencionado pela vitória incontestável de seu filho e ele possivelmente sonhando com o futuro brilhante do Gabriel.

 

Bom, é isso ai! Depois conto como foi o período que se intercalou entre o Rip Curl da Joaquina e o WQS da Mole.