Espêice Fia

Investimento a longo prazo

Tom Curren, Reef Hawaiian Pro 2010, Haleiwa, North Shore de Oahu, Hawaii

Para Fabio Gouveia, Tom Curren é exemplo de como um ídolo agrega na função de embaixador da marca. Foto: © ASP / Kirstin.

O circuito mundial hoje está diferente da época em que iniciei. Primeiro ocorreu a divisão que formou o WQS e o WCT em 1992. Pelo que lembro, o intuito era agregar mais dinheiro ao esporte, reduzir os dias de provas, elitizá-lo e também torná-lo mais competitivo.

 

Passando por todos estes anos, hoje o WT conta com apenas 34 surfistas que podem ser renovados a cada temporada vindos dos circuitos Prime e Star. O crescimento foi tanto que apareceu também o circuito Pro Junior.

 

Sem deixar as mulheres de fora, o Women’s World Tour e o Women’s Star também vão bem. Antigamente os atletas encerravam suas carreiras, ou seja, abandonavam o Tour antes dos 30 anos. A expectativa de vida aumentou nos últimos anos e logicamente a longevidade dos esportistas também.

 

Com o surf não é diferente e apesar da evolução gritante que rolou na última década, atletas do calibre de Taylor Knox ainda estão dando o maior gás. Mark Occhilupo também estava no Tour até pouco tempo com 41 anos (hoje tem 44).

 

E nem quero citar Slater, pois esse é um fenômeno e se quiser chegará facilmente aos 45 vencendo eventos. Em meu lado entendedor, “surfisticamente” falando, vejo que para se sobressair bem no surf profissional competitivo precisa-se chegar ao topo, porém muitas vezes o topo é para poucos.

 

Mas isso não impede que atletas tenham carreiras satisfatórias, deixem de ser ídolos e incentivem outras gerações. Pelo aumento da longevidade no esporte e das dificuldades de chegar a um WT por exemplo, alguns anos podem ser o preço na busca do objetivo. O normal é que pelo menos no geral, salvo algumas excessões, atletas que ingressam nos eventos do Star, gastem pelo menos três anos para atingirem o WT.

 

Existe esse processo de aprendizagem e acumulo de bagagem, pois ao entrar no WT também continua a exigência. Apesar de ótimas atuações anteriores, vimos Adriano Mineirinho colher os frutos em seu terceiro ano de Tour. O resumo disto é para alertar patrocinadores que algumas coisas mudaram, que o investimento a longo prazo vale a pena.

 

Sei que existem empresas às quais apenas atletas de ponta ou aqueles que estão sempre vencendo interessam, porém em alguns casos os atletas podem se dar bem em um prazo maior. Às vezes esta é minha preocupação, quando excelentes atletas em nosso país ficam sem patrocínio e acabam abandonando suas carreiras sem ter tempo para realmente mostrar ou desenvolver o potencial.

 

“Surfisticamente” falando também, acho muitíssimo positivo os atletas permanecerem em empresas que os patrocinaram durante suas carreiras, exercendo outras funções. No mínimo como embaixador da marca. Quantas marcas podem contar uma história de um surfista que teve uma parceria duradoura? Podemos contar nos dedos? Vai dizer que isso não é legal? E um Tom Curren de volta a uma Rip Curl? Significa algo? Claro, “surfisticamente” vendo o fato, achei demais e penso que a marca deu um pulo na época.

 

O australiano Matt Roy trabalhando com a Quiksilver? Show… Potts, Egan, Rob Bain, Andino e vários outros também trampam em algum ramo das marcas. Nem sempre pelas que os patrocinaram no passado, mas na gringa, isso já rola há um bom tempo, a valorização do atleta é bem mais inteligente.

 

O público leigo não observa isso, mas tratando-se de um esporte tão diferente em seu estilo de ser, isso vale muito. Quando passei a venerar meus ídolos, o Picuruta era Quiksilver / Lightining Bolt e ficou por um longo período. A marca passou por épocas difíceis no país, mas quando não via mais o adesivo no bico do “Gato”, era estranho.

 

Alguns ex-atletas já trampam em marcas no Brasil e aqui vai um “salve” para todas elas. Vale ressaltar que tivemos duas perdas de empresários com a alma do esporte na década de 90 e que não chegaram a completar o ciclo de seus atletas em época crucial.

 

Quando Zé Roberto da Town & Country partiu, os Tomboys (Neno,Paulinho e Amaro Matos) se prejudicaram. No caso do Roberto Valério (Cyclone), atletas como Emerson Marinho, Ribas e Peterson Rosa entre outros, não tiveram a oportunidade de verem seus futuros na marca.

 

Eu não tenho do que reclamar, pois as empresas que me patrocinam vêm enxergando esse valor, sou muito agradecido. Mas não é o caso de alguns amigos de profissão, que ao finalizarem suas carreiras, ou por aposentadoria, ou simplesmente por falta de apoio no momento que ainda poderiam “surfar muitas ondas”, tiveram que mudar de ramo depois de terem investido vários anos de suas vidas no esporte.

 

Os ídolos no nosso país precisam ser preservados e as marcas podem a longo prazo ter seus retornos.

 

Viva o surf brasileiro!

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