No Nukes

J-Bay contra ameaça nuclear

Jeffrey's Bay, África do Sul

Palco do Billabong Pro, Jeffrey’s Bay possui uma das direitas mais cobiçadas do mundo. Foto: © ASP / Cestari.
Sob ameaça nuclear, surfistas criam o lema “No Nukes”. Foto: Divulgação / Supertubes Foundation.
Surfista profissional, Kyle Thiermann produz documentário sobre usina em Thyspunt. Foto: Bevan Langley.

Antes mesmo das perfeitas ondas entre Jeffrey’s Bay e Cape St. Francis serem apresentadas ao mundo no clássico filme Endless Summer, de 1966, o shaper Glen D’Arcy já conhecia muito bem o potencial da região.

Inspirados no lendário surfista John Whitmore, falecido em 2001 e considerado o pai do surf sul-africano, D’Arcy e um pequeno grupo de amigos desbravaram, no início da década de 60, uma área mágica do litoral da África do Sul, com 28 quilômetros de direitas intermináveis.

Apaixonado pelo local, o shaper mudou-se definitivamente para “J-Bay” ainda nos anos 70, onde viu o esporte ajudar a desenvolver uma pequena e pacata vila de pescadores. Atualmente, a cidade conta com 40 mil habitantes e ondas que atraem milhares de turistas todos os anos.

Mas, assim como viu o surf crescer a ponto de receber anualmente os melhores surfistas do circuito mundial com o Billabong Pro, D’Arcy pode ver seu esporte favorito sucumbir diante da ameaça de uma usina nuclear em Thyspunt, a 16 quilômetros de J-Bay.

Como outras centenas de estabelecimentos voltados ao turismo do surf e da pesca, D’Arcy e suas duas lojas especializadas em pranchas estão seriamente ameaçadas pela construção de um projeto ousado, conduzido pela empresa estatal Eskom desde 2009.

Um reator de 4000 megawatts transformaria Thyspunt na maior usina nuclear da África do Sul. A um custo estimado em 300 bilhões de Rands (cerca de R$ 750 milhões), sua capacidade ainda poderia ser aumentada para 8000 megawatts em um futuro próximo.

A curto prazo, com o início das obras, cerca de 4 mil caminhões passariam a circular por dia em Jeffrey’s Bay. Protegidas por leis municipais, as famosas dunas que cercam a cidade teriam que ser removidas para a criação de novas estradas.

Em um período mais longo, a usina nuclear acabaria com as duas coisas mais preciosas de J-Bay: o surf e a pesca.

“A Eskom planeja bombear cerca de 6,3 milhões de metros cúbicos de areia no mar. Sensíveis a qualquer mudança ambiental, a pesca da lula vai acabar e deixar muitas pessoas sem emprego. Atualmente ela corresponde a cerca de 30% do pescado da região”, comenta Trudi Malan, coordenadora da ONG Thyspunt Aliance.


Se as obras ainda não saíram do papel, muito se deve a burocracia imposta pela Thyspunt Aliance, organização criada em 2010 para defender os interesses da indústria e do meio ambiente local. Com cerca de 5 mil membros, ela organizou estudos oficiais sobre os impactos ambientais e as consequências devastadoras que a usina traria para o turismo da região.

Além da mudança do fluxo de areia, que também prejudicaria a formação das ondas, os surfistas afirmam que o resfriamento dos condensadores da usina poderia deixar a água com níveis perigosos de radioatividade, já que a água usada é liberada de volta para o oceano a uma temperatura mais quente.

“A comunidade do surf não quer a produção de energia nuclear aqui em Jeffrey’s Bay. Temos outras formas de produzir energia menos nocivas ao meio ambiente ou lugares da África do Sul mais convenientes para a construção de uma usina deste porte”, afirma Tanja Lategan, diretora da ONG Supertubes Foundation, uma das mais atuantes no combate à usina nuclear com o lema “No Nukes”.

A Eskom, que fornece 95% da eletricidade na África do Sul e 45% utilizada em toda a África atualmente, defende-se com estudos que afirmam que a energia nuclear é mais limpa, mais barata, mais acessível e confiável do que o carvão. Além disso, sua construção geraria milhares de empregos e movimentaria o comércio local com a construção das instalações.

Surfista e ativista ambiental, o californiano Kyle Thiermann produziu recentemente um documentário de 8 minutos que aborda os problemas da construção da usina em J-Bay. Parte da série Surfing For Change, o vídeo conta com depoimentos de atletas como Kelly Slater e ambientalistas com experiência em assuntos ligados à energia nuclear.

Enquanto a usina ameaça a paz da cidade, Glen D’Arcy segue sua rotina de surfar, produzir e consertar as dezenas de pranchas que chegam a suas lojas machucadas pelas pedras de J-Bay. Mas, assim como a maioria dos moradores da região, Glen está pessimista em relação ao futuro do lugar que escolheu para viver.

“O dinheiro move o mundo e deixa as pessoas cegas. Mais cedo ou mais tarde, a construção da usina vai acontecer, infelizmente”, diz o shaper, que já que morou por mais de um ano no Rio de Janeiro.

Clique aqui para assinar a petição contra a construção da usina nuclear em Jeffrey’s Bay.

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