Carioca, bom texto e bom surf. Tulio Brandão, 33, é aquele cara que contraria a imagem do surfista largado e nem aí com nada.
Repórter de O Globo desde 2002, Brandão também passou pelo outro grande jornal do Rio de Janeiro, como setorista de esportes no Jornal do Brasil de 1999 a 2002, onde ganhou o prêmio de melhor cobertura do surf pela grande imprensa, oferecido pela ASP Latin America em 2001.
Já como contratado de O Globo, cobriu os esportes de ação em quase todas as editorias (Esportes, Rio Show, Economia, Carro etc).
Apesar da intimidade com o surf, o ponto alto de sua brilhante carreira aconteceu fora do clima de praia e ele levou a maior premiação do jornalismo do Brasil em dose dupla, dois prêmios Esso consecutivos por reportagens sobre meio ambiente.
Em 2004, foi premiado pela série Morte Anunciada, sobre o Rio Paraíba do Sul. A ratificação de seu talento e do faro de grande jornalista veio em 2005, ao lado do repórter Paulo Marqueiro, desta vez com a série Natureza à deriva, sobre a Baía de Guanabara.
Levou ainda o Prêmio Abrelpe (2005), oferecido pela indústria de limpeza urbana, com a série sobre a Baía.
Além disso, assina a coluna “Leitura de Onda” no Waves.Terra desde julho de 2002.
Casado com a jornalista Luciana Brafman e pai da Ana, que completa em junho 2 anos, o surfista é formado em direito e em jornalismo.
Nesta entrevista exclusiva, ele fala de comunicação e de como o surf se encaixa em sua vida: “O surf te ensina a cair, tomar na cabeça e, depois, esperar a próxima onda”.
Como jornalista de grande imprensa, como analisa o trabalho da mídia especializada em surf?
A mídia especializada, claro, é mais técnica e precisa nas abordagens. O advento da internet, com sites, blogs e coberturas de eventos online trouxe quantidade e, em alguns casos, qualidade às informações dadas aos surfistas. Por outro lado, a imprensa especializada tem uma ligação que às vezes pode ser perigosa com a indústria do surf, com os surfistas e com todo o circo que cerca o esporte. Quanto mais perto você está da fonte, mais difícil é adotar uma postura realmente crítica. Muitas vezes os jornalistas nem chegam a ser intimidados, mas temem perder o status ou a fonte. Um exemplo clássico foi quando o Occy foi pego pela polícia fumando maconha pouco antes da final do WCT no Arpoador. A não ser em algumas colunas de opinião, como a do Fred D’Orey, a imprensa especializada tocou muito de leve no assunto. Imagina se o Roger Federer é pego cheirando pó antes da final de Wimbledon? Como na ocasião fiz matéria para o JB, ouvi críticas de tudo o que é canto. “Você vai queimar a imagem do esporte!”, diziam. Afinal, quem foi pego pela PM, diante de seu público, numa situação ilícita e quando era observado por toda a imprensa? Isso faz parte da abordagem paternalista que, algumas vezes, a imprensa especializada e o próprio meio têm do esporte. O surf não precisa disso para se impor.
E como analisa a cobertura do surf feita pela grande imprensa?
Na imprensa escrita, a cobertura tem tido o esforço extra de alguns jornalistas que já estiveram dentro d’água ou são identificados com o tema. No Globo, por exemplo, tem também o Paulo Motta, o Carlos Albuquerque, o William Helal, o Dapieve (em algumas colunas) e, no departamento de arte, o Fernando Alvarus. Acho que o espaço para o esporte como comportamento é generoso na imprensa, mas como competição poderia ser maior. As coisas podem mudar: soube que a editoria de esportes do Globo pretende investir no tema, depois que acabar a Copa do Mundo e o Pan de 2007. Esses dois grandes eventos naturalmente engessam qualquer outro projeto existente dentro da editoria. Fora isso, de um modo geral alguns profissionais tendem a desqualificar o surf como esporte e tratá-lo apenas como lazer. Isso tende a mudar com o mercado de trabalho invadido por surfistas e ex-surfistas amadores que hoje são profissionais de diversas áreas. Só o tempo fará com que essa percepção mude.
Na mídia eletrônica, o esporte tem a seu favor a plástica das imagens. Na tevê aberta, entretanto, o surf parece sofrer com a falta de grandes patrocinadores, já que a cobertura de esportes chamados de amadores (tudo o que não é futebol) depende de um bom acordo comercial – como, por exemplo, o que viabiliza o beachsoccer. Além disso, há a velha imprevisibilidade do esporte. O surf competição ainda não encontrou formato nem tecnologia para garantir à emissora a final de um evento na Cacimba do Padre às 9 horas de um domingo com ondas cristalinas e tubulares. Talvez, em pouco tempo, a oceanografia encontre padrões seguros para prever com antecedência o swell perfeito. Assim, talvez o evento de surf entre sistematicamente na grade das emissoras. Só temo que, previsível, o esporte perca um pouco a graça.
A grande imprensa entende o lifestyle do surfista ou só explora aspectos tidos como folclóricos do esporte?
A grande imprensa tende a repetir os valores da sociedade. Assim como alguns vizinhos ainda acham que você, por ser surfista, é burro, há jornalistas (poucos, é verdade) que pensam da mesma maneira. Mas, sobretudo no Rio, cidade moldada para atividades ao ar livre, fica mais difícil ter preconceito com surfista. Todo mundo conhece pelo menos uma pessoa que pega onda.
O que mudou em sua carreira depois de levar o prêmio Esso nos últimos dois anos?
Na minha rotina, não mudou nada. Mas o olhar das pessoas sobre o meu trabalho mudou bastante.
Já sentiu algum tipo de discriminação nas redações pelo fato de ser surfista?
Já ouvi: “ah, ele é surfista”, em tom pejorativo. Mas, quer saber? O surf me ajudou até na vida profissional. No início, me destaquei no Jornal do Brasil, entre outros motivos, porque conhecia muito os esportes de ação. Hoje, sou setorista de meio ambiente da editoria Rio e, claro, me senti à vontade mais rapidamente com o tema por ter passado parte da vida no mar. Além disso, o surf te ensina a cair, tomar na cabeça e, depois, esperar a próxima onda.
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Como analisa a avalanche de publicidade que pega emprestada a imagem do surf e dos surfistas?
Nem sempre é uma troca justa, mas faz parte do jogo do capitalismo. Enquadraram até o punk no sistema, porque não fariam o mesmo com o surf?
O que espera dos brasileiros no WCT 2006?
“Ele pode até ganhar uma etapa no Japão ou no Brasil”. Ou ainda: “ele é um dos melhores do mundo em onda pequena”. O Plínio Ribas, há uma década, já ouvia isso do Slater. Se os brasileiros deixarem de encarar essas frases como elogios, terão alguma chance de trilhar um caminho rumo a um possível título do WCT. Acho que, de um modo geral, o Brasil demorou a entender que teria que formar um surfista em ondas perfeitas para seguir o modelo de eventos prime do WCT. Basta ver a curva de resultados dos brasileiros: desde que a elite optou pelas ondas perfeitas, a performance média nas competições caiu assustadoramente. Para este ano, espero que o Mineirinho se firme entre os top 10. O Raoni pode avançar em relação ao ano passado. Vitinho talvez seja o mais talentoso do grupo, mas vai precisar se esforçar para acompanhar o surf dos moleques. O Neco volta em 2007, com boas chances de ser mais um brasileiro incomodando entre os 10 primeiros. Mas, de um modo geral, em ondas perfeitas, ainda há uma distância visível entre os melhores do mundo e os brasileiros.
E qual sua expectativa em relação ao circuito mundial feminino?
Acho que a Silvana ainda vai ser campeã mundial. É muito talentosa, inovadora e parece estar bem orientada pelo Robalinho. É engraçado porque escutei falar pela primeira vez dela quando um amigo, há poucos anos, voltou do Ceará falando sobre uma menina, uma nativa baixinha, que dominava o pico dos homens em todas as caídas. Pouco depois, soube que o Udo Bastos trouxe essa menina, a Silvana, para o Rio.
Qual é a sensação de falar para o exigente crowd que freqüenta o Forum enquanto colunista do Waves?
É bom saber qual a perspectiva dos surfistas sobre determinado tema. Dá para traçar um perfil detalhado do leitor a partir das mensagens.
Quais mídias de surf nacionais e estrangeiras você mais aprecia?
Todas cumprem pelo menos parcialmente o seu papel, mas ainda há muitas lacunas a serem preenchidas no mercado editorial. Ou seja, há espaço para novas publicações. Muito espaço, aliás.
E quais surfistas você acha que levam mais jeito para elaborar textos na imprensa especializada do Brasil?
Gosto do texto do Fábio Gouveia, já vi umas histórias legais do Sylvio Mancusi e, na tevê, acho que o Renan vai bem. Sinto falta do Cala a boca Bocão, era um programa bacana. Vamos ver quem vai pintar agora no canal Woohoo.
Você acha importante o jornalista especializado ter uma experiência na grande imprensa?
Jornalismo é igual a surf: quanto mais treino, melhor. E, em jornal, você pratica o exercício diário de identificação da notícia. Com isso, apura o olhar crítico e ganha agilidade. Só tem que tomar cuidado para não se ater à informação rasa. Por outro lado, não acho que a grande imprensa seja indispensável, de forma alguma. Conheço bons profissionais que sempre foram especializados.
Entre uma pauta e outra, como você faz para incluir o surf no seu dia-a-dia?
Além do trabalho, agora tenho uma filha, com quem gosto de passar o tempo livre. Por isso, sobram poucas horas para o surf. Quando tenho um tempinho, corro para o Leblon.
Qual seu grande projeto como jornalista e qual é o seu maior sonho de surfista?
No jornalismo, se eu puder seguir contando histórias interessantes, estarei feliz. Como surfista, gostaria de ter tempo para fazer mais viagens. Quero muito conhecer bem os destinos obrigatórios – Indonésia, Austrália, Hawaii – e avançar sobre os menos cotados, onde é possível surfar sem crowd.
No ano passado você publicou um artigo em que “apostava” no surf de Bruno Santos, como grande especialista em tubos. Sua aposta se concretizou no Pipe Masters. Em quais outros surfistas da nova geração você também acredita?
A nova geração tem bons valores, mas queria falar de dois surfistas de uma geração intermediária, que já devem estar com 26 anos, e que por circunstâncias diversas ainda não chegaram ao WCT: Trekinho e Léo Neves. Os dois têm um surf moderno em ondas pequenas e consistente em ondas pesadas, qualidades essenciais para sobreviver na elite. Os dois sobram aqui no Brasil. Trekinho já ganhou uma etapa do SuperSurf sem ondas e outra com tubos clássicos. Léo Neves, neste ano, ganhou as quatro etapas do circuito estadual do Rio realizadas até agora. Por que eles ainda não estão na elite? Não falta surf. Então, o que falta? Torço por eles.
Além de escrever e surfar, quais seus outros interesses?
Família, cinema, música, bons livros, comida, viagens. O mar, a mata, o vento. A vida me interessa.
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