Leitura de Onda

Kelly, Gabriel e a França

Gabriel Medina , Quiksilver Pro 2015, Hossegor, França.

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Costa francesa recebe a próxima parada da elite. Foto: © WSL / Cestari.

 

Kelly Slater foi dos poucos a assumir defesa pública do resultado da infame bateria entre Tanner Gudauskas e Gabriel Medina, durante a última parada da elite, em Trestles. Muita gente se lembrou da sociedade recente feita entre o surfista e a World Surf League (WSL) no rancho de ondas da Califórnia. Não sei. A posição do maior surfista de todos os tempos me lembrou mais seu velho legítimo “mind game”.

O americano é o surfista mais competitivo da história do esporte. Sua vontade, resistência e fortaleza emocional são inspiradoras para todas as gerações futuras do circo do surfe. Daqui a 100 anos, nossos bisnetos falarão dele.

Ele sabe disso, tem consciência do absurdo peso de suas palavras. Usa esse poder de uma forma magnífica, a la Sun Tsu, sem falso moralismo, para se manter no jogo. Portanto, confesso que não me surpreendi com sua opinião sobre Trestles, diante da possibilidade de ainda brigar pelo título da temporada nas três paradas restantes. Levantar a bola de Gabriel e condenar a WSL no meio da corrida? Nem pensar.

Kelly sabe que Gabriel é um nome real para o título – está na frente no ranking, é mais potente e dono de uma fúria competitiva que lhe é familiar. Por isso, claro, na disputa, vai tirar tantas cerejas quanto puder do bolo do brasileiro. Jogo jogado.

A rivalidade com o garoto de Maresias começou a ganhar corpo na França, palco da etapa que começa nesta terça-feira. Em 2011, quando Gabriel era um menor impúbere e Kelly, então um monstro a caminho de seu 11o caneco, eles se encontraram duas vezes. No round 4, deu o americano. Nas quartas, o brasileiro atropelou inapelavelmente, antes de sua primeira e precoce vitória na elite. O resultado se repetiria na etapa de San Francisco, palco da segunda vitória.

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Kelly Slater sabe que um título em 2016 seria quase um milagre. Foto: WSL / Poullenot.

 
Logo Kelly tentou se aproximar do garoto, talvez com o intuito de colocar em prática seu eficiente jogo psicológico – que já tinha ajudado, ao lado de seu talento sobrenatural, a derrubar muitas gerações. Mas encontrou o padrasto e técnico de Gabriel, Charles, pelo caminho. Barreira física mesmo, com direito a cara feia para o maior surfista da história. Charles simplesmente impedia o contato com seu pupilo.

Kelly sentiu, mandou recado, perguntou por que o padrasto do garoto não gostava dele. Não era nada pessoal. Jogo jogado.

Depois disso, claro, a relação evoluiu para um enorme respeito mútuo, e os dois voltaram a se encontrar muitas vezes. Kelly ganhou umas, perdeu outras, e ainda escreveu um generoso prefácio no livro sobre a trajetória do Gabriel.

Mas o jogo continua, como deve ser. Jogo jogado.

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Na França, Gabriel Medina costuma confirmar as previsões de favoritismo em torno de seu nome. Foto: © WSL / Kirstin.

 
A parada da França começa nesta terça-feira com uma previsão de swell grande, o que coloca o americano numa posição mais confortável do que estaria numa condição de mar pequeno. Ele sabe que um título em 2016 seria quase um milagre. Não seria o primeiro, por isso todos estão de olho nos resultados do americano nas últimas etapas. Gabriel, por sua vez, chega à Europa com a fúria competitiva renovada pelo resultado infame de Trestles, louco para fazer o mundo engoli-lo de novo. Na França, ele costuma confirmar as previsões de favoritismo em torno de seu nome.

O talentoso John John Florence, o líder entronado, é outra aposta óbvia da etapa. Vencedor em 2014, quando o swell também pulsava, ele tem um jogo completo para a etapa, mas se descola ainda mais em ondulações fortes.

Matt Wilkinson jamais foi muito longe lá, mas este ano venceu duas provas e foi vice em outra sem muito histórico anterior de sucesso. Atualmente está em nítido viés de baixa, mas ainda não é hora de ser descartado na temporada. Um perigo fazer isso.

Outro que está totalmente dentro da briga é Jordy Smith. Em plena forma, foi o melhor surfista de Trestles e pode levar a confiança para a Europa. Se conseguir romper sua inconstância se torna imediatamente um sério candidato ao título. Ainda há outros com chances matemáticas, mas fico com os cinco já citados.

Torço pelo espetáculo e, claro, como sempre, pelos juízes.

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