Raquel Heckert

De volta ao Havaí

Pipeline Raquel Heckert, Havaí.

Minha última viagem de treinos internacional começou aquecida por duas semanas em Puerto Escondido, no México. Já era fim de temporada, não havia muitos swells, mas deu para matar a saudade dos tubos, da comida e da vibe do lugar, além de aquecer os motores para surfar no Havaí.

 

Esta última temporada no arquipélago foi de fenômeno La Niña, com menos swells grandes, mais vento, com a temperatura do ar diminuindo mais que em um inverno normal, mas sempre com ondas – só não da mesma qualidade e intensidade que uma temporada de El Niño.

 

Um mês após chegar no Havaí, tive a oportunidade de ser a primeira alternate do primeiro campeonato de ondas grandes feminino, realizado pela WSL. A parada foi histórica! Agradeci muito a Deus por ser uma das 13 surfistas que surfam ondas grandes do planeta presente em Jaws para o evento. Fiquei hospedada no hotel que a WSL fechou para as competidoras e esperei, caso alguma surfista faltasse. Tudo foi marcante pra mim.

Pude acompanhar tudo de perto. Presenciei todo o nervosismo, conversas sérias, piadas internas e medos (risos). Foi muito maneiro conhecer as surfistas de ondas grandes com as quais nunca havia dividido o lineup. Foi irado estar na reunião dos competidores do Tour, sob o mesmo teto com as maiores figuras do surfe de ondas grandes do mundo. Tive de me conter com a postura de competidora, para não correr pros selfies com os ídolos (risos). 

O clima no hotel estava tenso, porque era um Jaws gigante, com muito vento. Além disso, muitas meninas nunca haviam surfado no pico, foi o que as deixou ainda mais tensas. Havia uma grande chance de eu competir. Peter Mel, disse pra eu ficar preparada, pois ainda faltavam chegar as competidoras Keala Kennelly e Tammy Lee.

No entanto, já no dia do campeonato, todas as convidadas compareceram, com as 12 de antecedência do início do evento, então acabei não tendo a chance de vestir a lycra de competição e surfar, mas por um lado foi até bom, pois eu nunca havia surfado em Jaws – até aquele momento. Sempre é bom conhecer a onda que você vai competir, ainda mais em um pico tão temido por todos surfistas do mundo.

Antes de ser convidada, eu havia pedido a Deus que mesmo que eu não pudesse competir, que eu tivesse a chance de estar lá. Só de ficar na expectativa de ter a vaga, e acompanhar “de camarote” do barco no canal toda competição masculina e feminina, ver passo a passo, tudo foi uma realização. Eu não queria estar em Oahu, sabendo que na ilha ao lado estava acontecendo o primeiro campeonato feminino mundial de ondas grandes da história do surfe.

Creio que há grande chances de eu ser convidada para o evento deste ano, que terá janela de espera entre outubro e novembro. 

Após minha ida a Jaws, fiquei um pouco mais na ilha com uns amigos para surfar pela primeira vez a onda de Honolua, que, para mim, estava de gala – surfei durante 7 horas. Nesta sessão, eu peguei um tubo com as duas mãos na parede, que foi a melhor onda da minha caída. Márcio Freire até tinha comentado que com o “crowd” que estava, ia ser difícil pegar a onda boa, mas graças a Deus, alguns segundos depois, recebi este presente.

No dia seguinte, quando voltei pra Oahu, retornei à casa em que sou apoiada como atleta, na igreja americana @sbcchawaii, e continuei com o ritmo de trabalho e treinos.

Observei que nesta última temporada houve bastante swell de norte, fazendo com que quebrasse mais ondas nos picos de Laniakea e Sunset. Pipeline e Waimea não quebraram tantas vezes e, quando quebraram, percebi que o swell vinha com a direção bem de oeste, o que acaba quebrando mais em Pipe, menos o Backdoor, entretanto, o pico de Waimea fica com a onda mais cavada, e mais difícil de se posicionar. Quando o mar baixava de oeste, se eu não estava em Pipe, ia surfar as ondas Jokos e Vland.

 

Durante essas duas temporadas no Havaí, eu surfei Jaws, Waimea, Makaha, secrets de onda grande em outer reef e também ondas como Log Cabins, Off The Wall, Backdoor, Pipeline, Sandbars, Rocky Point, Monster Mashed, Kamis, Sunset, Velzyland, entre outros.
  
Infos sobre Pipeline – Lá  tem o crowd mais frenético que já surfei na vida, tem que ter paciência, respeito, concentração e um pouco de agressividade na remada para conseguir pegar as ondas. Nesta temporada de 2016/2017, surfei pela primeira vez o terceiro e segundo reef, e também me senti mais confortável de ficar mais deep nos dias em que quebrava apenas o primeiro reef.

Preparação –  Em relação ao meus treinos no North Shore, minha academia era ao ar livre. Eu corria, ia à praia pedalando, fazia trilhas e às vezes um funcional para o surfe. 
Como hobbie eu treinava jiu jtsu e andava de skate.

 

As pessoas sempre me perguntam sobre treino de apneia. As duas vezes que treinei foram com o mestre Ricardo Taveira, que me deu mais consciência corporal e mental, e onde aprendi a lidar com o excesso de Co2 no pulmão.

Retorno a Jaws – Não deu muito tempo e voltei para Jaws. Como não pude cair lá no dia do campeonato mundial de ondas grandes, queria muito ter logo a minha primeira experiência no pico. Então, vi o swell e me animei. Pilhei as meninas que surfam ondas grandes comigo no Havaí, e foi quem pôde.

Fiquei na casa do big rider Márcio Freire e dividi o barco para chegar ao pico com Lapinho, Nicole Pacelli, Bruno Lemos e uma galera do Esporte Espetacular, que estava fazendo matéria para o Homem Peixe.

Quando chegamos, o mar estava crescendo, com as séries bem demoradas e muito vento. Estava difícil de remar com o vento contra. Estava sinistro, cheguei a achar que não ia mesmo pegar onda. Eu estava ficando com fome, sede e dor de cabeça por causa do sol e como demorava muito pra entrar onda, porque o período estava longo e era complicado estar posicionada ou na preferência quando a série chegava, pois havia correnteza e às vezes também pela distração e o cansaço de estar há horas no pico.

Tomei três séries na cabeça, trinquei a prancha, mas fingi para mim mesmo que aquele trincado não ia me atrapalhar na hora de descer a onda. Orei a Deus mais algumas vezes pedindo para me enviar algo, então continuei remando. Não foi fácil! Depois de mais algum tempo remando, graças a Deus a minha missão foi cumprida e eu peguei minha primeira onda em Jaws.

Retornei no dia seguinte, mas desta vez eu estava sem dinheiro para pagar o barco ou um jet ski, então tive a experiência de descer pelo cliff e passar pelo temido shore break, mas no fim deu tudo certo e, apesar de estar cansada do outro dia e da ladeira do cliff, peguei mais duas ondas. Havia um crowd sinistro, e eu estava testando uma prancha que nunca havia usado da Maya Gabeira, mas, como eu sou mais pesada que ela, acabou não servindo pra mim.

Depois de um tempo, trabalhei, juntei dinheiro para voltar pra mais um swell que acabou baixando rápido, mas que foi boa a experiência. Acabei aproveitando para ficar em Maui depois do swell, na casa da família do treinador Pedro Robalinho. E tive o prazer de surfar mais um secret. Água cristalina, sem crowd. Contando comigo e Robalo, só havia mais duas pessoas na água, uma tartaruga e uma foquinha (risos).
 
Missão com crianças e o campeonato em Pipe – Retornei de novo à ilha de Oahu, peguei boas ondas, competi meu primeiro QS em Pipeline e ajudei em uma missão de cuidar de crianças em um camping de igrejas americanas de várias partes do Havaí, em Mokuleia.

Fiquei ajudando no camping e, nos dias do campeonato, saía cedinho. Foi irado competir um QS no meu pico favorito no Havaí. Sem falar do privilégio de surfar Pipe com apenas três meninas na água. Na ocasião, o mar não estava muito bom para mim, estava pequeno e sem muitos tubos. Acho que eu teria mais chance se houvesse uma formação maior e estivesse mais tubular. Mas também o nervosismo não deixou eu usar bem minha prioridade.

Ano passado eu tentei a vaga e não consegui, então foi maravilhoso ter conseguido a vaga desta vez. Espero poder competir mais eventos do QS e, quem sabe, obter boas pontuações para correr o Tour de ondas grandes e também Circuito Mundial feminino.

O Havaí me ensinou a manter a busca diária de ser uma surfista completa e preparada. Abriu minha mente em relação à diversidade de ondas, fazendo com que eu realmente adaptasse meu equipamento pra surfar um dia de 3 a 5 pés de onda e, já no dia seguinte, ter material para entrar no mar de 15 a 20 pés. Meu quiver variou de 5’8 a 10’4.

Só como exemplo, não adianta ver Sunset quebrando clássico com 12 pés bem servidos e entrar para surfar com uma prancha fina 7’2. A chance de ser massacrado é de 98%, digo por experiênca própria, com meu primeiro 12 pés no pico.

Quero agradecer a Raphael Rossi, que é uma pessoa que merece a minha homenagem. Sei que você não tem rede social para ver a publicação, que compartilharei no meu Facebook e no meu Instagram, mas agradeço pelo apoio moral e financeiro que fizeram com que eu retornasse ao Havaí.

 

Obrigada por ter me dado mais energia para acreditar no meu sonho e em mim mesma. É difícil ver exemplos de pessoas que não ligam para um adesivo na prancha, um retorno mídiatico (o que não é errado). Obrigada pelo seu coração bom, que Deus te abençoe muito.

Finalizando, quero reforçar que o Havaí já me ensinou muito. Foi crucial no meu crescimento profissional do surfe de ondas grandes embarcar nesta jornada havaiana. Espero evoluir mais e colher ainda mais frutos representando o futuro do surfe de ondas grandes feminino no Brasil e mundo.

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