Residente em Portugal, o catarinense Gustavo Lermen é um surfista de ondas grandes que desafiou o Canhão de Nazaré no início do ano e levou a pior.
Meses depois, após saber de uma ondulação favorável na Praia do Norte, ele voltou ao pico para fazer as pazes com a onda.
Confira abaixo o relato do surfista, que também é escritor e instrutor de surfe.
“Quase um ano após surfar pela primeira vez na Praia do Norte e viver uma experiência que para mim foi muito intensa, atendi o chamado de uma previsão favorável e voltei.
Naquela ocasião, acabei por ser atingido na cara pela minha prancha. Este incidente teve consequências para minha saúde, um desvio no septo nasal afetou a minha respiração permanentemente e desde então lembro de Nazaré cada vez que inspiro.
Isto tudo mexeu muito comigo, mas sempre tive a certeza de que valeu a pena. Por um lado me fez ganhar alguma confiança e por outro gerou dúvidas se voltaria a encarar ondas daquele tamanho e potência.
Fiquei muito feliz com as ondas que surfei em janeiro de 2017 e também com a surpreendente repercussão gerada com as matérias publicadas nos sites The Inertia e Beachcam, no entanto, uma questão começou a me atormentar: as ondas que passaram e eu não consegui pegar.
Talvez a insatisfação humana ajude a explicar esse sentimento, mas prefiro acreditar que seja por querer melhorar e também pensar que tinha capacidade de pegá-las.
Tudo o que aconteceu naquela semana foi surreal, principalmente porque sou um soul surfer de 44 anos, sem apoio, equipamentos ou treinos adequados. O que tenho são sonhos e disposição para torná-los realidade.
Gosto de histórias de superação, então contei a minha. Foi apenas isso que aconteceu, superei um medo e ganhei outros, nada mais. Se servir de motivação para alguém já fico satisfeito.
Seria bom incentivar outras pessoas a não desistirem dos seus sonhos e não deixarem de acreditar que tudo é possível, mesmo quando há opiniões contrárias. Por isso agradeço a todas as pessoas que manifestaram apoio a minha decisão de entrar na água neste dia e também a todas que me chamaram de maluco.
A racionalidade não é a única opção. Permanecer na zona de conforto é mais seguro, mas pode nos privar de muitas sensações e até impedir nossa evolução.
Quando convido amigos para ir a Nazaré surfar geralmente ouço como resposta um “aquilo não é para mim” ou então “sem chance, eu sei o meu limite”.
Será que alguém realmente sabe os seus limites? Ou será que a própria pessoa está criando os seus limites e ficando estagnada? Curiosamente este texto é sobre a Nazaré, mas não é sobre ondas gigantes e big riders, o foco centra-se no prazer que descer uma onda daquelas proporciona, na necessidade de enfrentar os medos e os desafios e não em medir quantos metros ela tem. O tamanho de uma onda é muito relativo, é um conceito abstrato.
Já se falou muito sobre o fenômeno do Canhão e suas ondas extremas e ninguém fica indiferente ao ver uma foto de um dia gigante, muito menos quem já teve o privilégio de observar de perto.
Também é interessante mostrar que uma pessoa normal é capaz de pegar ondas que nunca imaginou ser possível.
Tenho muito respeito e admiração pelos surfistas extremos, eles são verdadeiros guerreiros em uma batalha desigual, obviamente em comparação com eles sou apenas um mini rider.
Voltei à Praia do Norte dia 15 de novembro com a expectativa de boas condições, fato que se concretizou no dia 16 com ondas na faixa dos 4 metros e vento terral fraco.
Novamente senti os efeitos da adrenalina no meu corpo, presenciar aquela atmosfera é muito bom, sente-se a vida, só o presente importa. O momento era de concentração, observar o mar e alguns grandes surfistas que marcavam presença.
Foi um espetáculo ver aquelas ondas perfeitas formarem-se e ouvir o assobio das pessoas na praia para alertar quem estava no outside que uma grande série se aproximava na velocidade de um trem.
Desta vez as ondas quebravam mais perto da areia, mas como sempre pesadas. Estar ali é uma grande lição de humildade que certamente será útil para a vida.
Peguei uma das melhores ondas da minha vida e sou grato ao Tiago Balsini pelo incentivo e pelo registro fotográfico.
Estaria tudo perfeito se não fosse um detalhe, que já está tornar-se recorrente, mais uma vez deixei escapar uma boa onda e não vou descansar enquanto não voltar lá e pegá-la. Desconfio que sempre haverá uma missão a cumprir.”
Fonte Beachcam