Sou frequentemente questionada, em entrevistas, sobre minhas maiores motivações para pegar onda ou mesmo competir. A resposta nunca demorou para sair e meu coração logo se abria.
Tenho o trabalho que gosto, pego muita onda boa e aprecio a simplicidade da natureza todos os dias de formas diferentes.
Tudo que o dinheiro não pode pagar, meus olhos tem acesso: um lindo pôr do sol, um céu estrelado, uma paisagem incrível em um lugar qualquer.
Viver em uma sociedade apegada a bens materiais nunca foi minha praia. E nunca será.
Hoje, num quarto de hospital, faço uma retrospectiva do meu ano e deixo uma opinião sobre o esporte. Minha mãe está, mais uma vez, na luta pela vida e eu estou aqui do lado dela. Meu ano foi bem assim: sobrevivendo.
Todos devemos dar mais tempo para nós mesmos. Não é preciso estar longe da terra, do país, de casa. Viajar, de avião ou em pensamento, nos tira do nosso cotidiano e faz refletir sobre os verdadeiros valores da vida.
Em 2006, estive fora a maior parte do ano e pude observar diferentes realidades nos países que passei. Pude também olhar minha realidade de outra perspectiva. Estava sozinha e pronta para observar meus erros e acertos, vontades e desejos. Minha felicidade e minhas tristezas.
2006 foi inesquecível: três meses na Austrália, um no México e outros dois na Europa. Nas competições fui razoável. Nas etapa mais importantes do WWT – Women World Tour – fui barrada nas quartas-de-final e garanti a décima-segunda posição no ranking, ou seja, sou uma das top 16 do circuito mundial.
O astral é muito bom, somos todas muito amigas, mas quando entramos na água é pra valer. Não tem amizade! É lógico que rola respeito, mas a luta em busca de dinheiro e resultado fala mais alto.
O nível técnico é altíssimo e tenho procurado melhorar cada dia. Excesso de viagem cansa muito. Pegar avião, depois ficar dias e horas esperando em aeroportos. Saudade e preocupação com a família. Tudo tem lado bom e ruim, mas essa é a vida que escolhi.
Muitas vezes me irrito com pessoas que pensam que vida de atleta é fácil. Competir preocupados e sem grana é a realidade de muitos de nós, atletas do tour mundial de bodyboard. Não falo só dos brasileiros esses nem se fala), mas a maioria dos atletas do circuito.
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Mais triste do que ver bodyboarders de todo mundo acampados na praia grande em Portugal (durante o evento em Sintra) e sendo expulsos pela polícia, é ver organizadores e meia dúzia de atletas em hotéis cinco estrelas.
Com todo gasto físico, psicológico e financeiro, somos obrigados a vencer um campeonato que muitas vezes não paga os custos da viagem.
Me pergunto: qual a sensação de disputar o circuito mundial? Aquele que vive do esporte é profissional, aquele que sobrevive é
bodyboarder.
Anos dedicados e suados ao esporte, gastos com psicólogo, treinadores,
academias, suplementos, equipamentos e viagens entram na balança.
Não sou a primeira do ranking mas tenho meu mérito e também tenho valor. Mereço um descanso e um pouco de reconhecimento.
Fico chateada vendo as mesmas coisas em campeonatos no Brasil. Grandes atletas sujeitando-se a premiações ridículas por puro amor a competição.
Isso quando não são desfavorecidos ou roubados. O juiz que nunca errou que atire a primeira pedra ou aceite filmagens que,
absurdamente, não servem como provas.
Sempre quem paga o pato é aquele que treinou, suou e não teve seu nome entre os melhores por erro dos outros. E pior que errar, é jurar que não errou, não aceitar argumento nenhum. Nunca voltar baterias ou mudar resultados.
Longe de ser um grande negócio e de boas premiações, longe do dogma capitalista e fechado das surfwears – utópico ainda na vida real dos bodyboarders. Parece mais um sonho torto da vida do bodyboarder Pro. Falo por mim, mas sei que nascemos para viver o desejo dos nossos sonhos.
Minha mãe dorme tranqüila sob efeito de remédios e luta com todas as forças para continuar viva. Passo o Natal junto com ela e embarco em 29/12 para passar o ano novo no Hawaii – todos devem imaginar que na vida boa.
Tenho sonho de ser campeã mundial Pro, caso contrário não desperdiçaria tanto tempo e energia ficando fora de casa. A última etapa do tour 2006 acontece em 2007. Por quê? Tradição? Fechar o ano em Pipeline ao invés de começar o ano lá. Só porque o surf profissional é assim? Somos originais ou uma cópia falsificada?
Vivo o desejo de surfar bem e competir em Pipeline. Desta vez vou sem obrigação de atleta Pro. Quero evoluir de maneira profissional meu surf e não acredito que essa evolução esteja na disputa competitiva.
Quando estou na água tudo passa, surfando ou não. O contato com a natureza e admirar coisas simples da vida como o pôr-do-sol, um mergulho no mar e a variedade de cores, formatos e espécie da fauna e flora marinha.
Tudo isso renova o corpo, a mente a alma. É assim que vou viver. Sem pressão, sem tensão e sem obrigação. Nos vemos ?around the world?!