Lugar ao sol

Lugar ao sol

Jadson André. ASP / Kirstin.

Jadson André, um dos surfistas mais carismáticos e queridos do Brasil, quer brilhar novamente no Circuito Mundial. Em entrevista concedida à revista FLUIR e publicada no último mês julho, o atleta potiguar fala de sua carreira, sua primeira passagem pelo Tour e a expectativa de retornar ao WCT em 2014.

Por Fernando Iesca

Em 2010, depois de duas temporadas batalhando na divisão de acesso, Jadson ingressou na elite do surf mundial e permaneceu por três anos entre os Tops. Com seu conhecido arsenal de manobras aéreas, já no ano de estreia o potiguar venceu a etapa brasileira do WCT em Imbituba, derrotando na final ninguém menos do que Kelly Slater. Embalado por uma multidão enlouquecida na praia da Vila (SC), na ocasião o natalense foi o primeiro brasileiro em 12 anos a vencer uma etapa em casa – o último tinha sido Peterson Rosa em 1998, na Barra da Tijuca.

Mesmo distante dos principais holofotes do surf profissional, Jadson André continua trabalhando forte nas etapas do WQS e deseja como nunca voltar ao WCT. Este ano, ele já soma bons resultados nas duas etapas Prime que participou (quinto em Saquarema e nono em Margaret River) e encontra-se perto da zona de classificação para o ano que vem. Uma série de lesões, somada a outros fatores, o atrapalhou em momentos cruciais, o que culminou com a sua saída do Tour ano passado.

Aos 23 anos e recuperado de uma leve torção no tornozelo direito, Jadson concedeu a seguinte entrevista à FLUIR no primeiro dia de surf depois do período de recuperação, abrindo o jogo com muita simpatia, sinceridade e o alto-astral de sempre.

Como você define sua passagem pelo Tour?

Foi incrível. Foram os três anos da minha vida em que eu mais aprendi, tanto nas vitórias como nas derrotas. O ano passado infelizmente foi negativo, porque tive três lesões seguidas e não consegui me classificar. O primeiro ano foi perfeito, o melhor, mas depois da minha vitória sobre o Kelly Slater em Imbituba parece que o mundo caiu nas minhas costas. Na ocasião, ele acabou falando um monte de besteiras sobre mim e todos sabem que ele é o maior formador de opinião do esporte. No fim das contas, o que era pra ser algo positivo acabou trazendo uma pressão negativa, comecei a ser julgado pra baixo, fui cobrado demais. Mesmo assim consegui permanecer no Tour e mostrar que não era um surfista de só uma manobra como a mídia internacional gostava de dizer. Fui pra Teahupoo e peguei uma bomba de 15 pés na remada, e meus melhores resultados no Tour, tirando a vitória de Imbituba, foram todos de backside.

Quais foram os momentos mais marcantes?

Todos em que pude mostrar minha capacidade. Fui para Bells e consegui bons resultados, fui pra Teahupoo e peguei aquela bomba, fiz uma bateria irada com o Jamie O’Brien em Pipeline. O momento que mais me marcou aconteceu após uma bateria contra o Jeremy Flores na França, no meu primeiro ano. Eu estava perdendo de combinação, em um mar com direitas tubulares entre 6 e 8 pés, e em dois minutos fiz duas notas altas (8,90 e 7,0) e ganhei na casa dele, em frente à torcida. Quando saí da água o Andy Irons me disse: “Não mude nada, nem no seu surf, nem na sua pessoa, continue sendo quem você é, porque você é dos meus, quando quer alguma coisa vai lá e faz. Assim você vai longe”. O Mineirinho estava do meu lado, ouviu e disse para eu guardar aquilo. Acho que esse foi o momento mais mágico do circuito pra mim, principalmente porque foi quando eu estava sendo bastante criticado, bem no auge, pois estava fazendo coisas que os outros não vinham fazendo.

O que acha que faltou para permanecer na elite?

Tudo foi consequência de decisões que tomei. No ano passado, eu competi em Bells já com 1,5 centímetro do músculo da minha virilha rasgado. Deveria ter voltado pro Brasil antes. Depois perdi a etapa Prime de Trestles. Fui para o Brasil e na primeira bateria estourei meu tornozelo. Tomei uns medicamentos e me recuperei durante os dois dias off, mas na sequência estourei o ligamento do meu joelho antes da bateria. Tentei competir, mas estava impossível. Depois perdi a etapa de Fiji, que seria favorável por ser numa esquerda, e assim foi indo, fiquei fora de eventos em que sempre me dei bem, enfim, uma sequência de fatores que terminou com a minha eliminação. Só me recuperei totalmente na etapa de Trestles, quando acabei eliminado em uma bateria polêmica contra o Julian Wilson. Mas não quero ficar lamentando o passado, procuro sempre encontrar o lado positivo das coisas. Agora que estou assistindo ao circuito de fora, nunca tive tanta vontade de competir entre os Tops.

Está 100% recuperado de todas as lesões?

Das que eu tive ano passado sim – a do joelho, tornozelo esquerdo, ombro e virilha. Agora tive uma pequena lesão no tornozelo direito, que já me deixou fora do último 6 estrelas, mas isso não vai me atrapalhar na reclassificação.

O que você faz para cuidar e prevenir essas lesões?

Faço um trabalho de prevenção no Instituto MarAzul, em São Paulo. Eles coordenam meus treinos, mas o preparo físico diário eu faço em Natal (RN), com o Fernando Henrique da FC Fisio, seguindo a metodologia do MarAzul. Sempre que estou no Brasil foco muito no treinamento funcional, todo ano faço uma pré-temporada na Costa Rica, são 12 dias de treinamento intensivo. Com a evolução das manobras aéreas o impacto é cada vez mais forte. 

O que acha que mudou em relação aos aéreos no Tour hoje em dia, comparado com o ano que você entrou?

Chegou uma hora que o mesmo aéreo que valia 9,5 numa bateria não passava de 6 pontos. Há quatro anos o pessoal não dava tanto aéreo em bateria. O Taj era um dos poucos que davam, o Kelly também. Quando eu entrei deixei os caras um pouco perdidos, porque ninguém dava os tipos de aéreo que eu dava, para tudo que era lado, de cabeça pra baixo e tudo mais. Hoje em dia é um absurdo o que esta galera está voando, o John John Florence, Gabriel Medina, Julian Wilson, Jordy Smith e o próprio Adriano de Souza. Isso começou depois que eu entrei no circuito.

O que é necessário em um aéreo para impressionar o juiz?

Os caras não gostam quando você acelera a onda toda pra mandar um aéreo na junção – a não ser que dê o aéreo da vida, como o John John fez em Keramas. Para impressionar os juízes tem que ir o mais alto possível e de preferência decolar na parte mais crítica da onda, aí vem a nota. Também é fundamental o mix de manobras na bateria. Tirar um 10 somente com um aéreo hoje em dia tem que ser algo acima da média, como fez o John John, ou aquele que o Kelly mandou em Bells ano passado. Os juízes querem ver algo que impressione. Uma coisa que aprendi é a não dar o aéreo em qualquer situação, tenho optado por guardar para o momento certo. Tanto que já participei de três campeonatos neste ano e não mandei nenhum aéreo em bateria até agora.

Você está próximo da zona de qualificação para o WCT até o momento. Qual a expectativa para voltar ao Tour?

Desde o final do ano passado esfriei a cabeça e, em vez de pegar férias, já comecei a treinar. Vou fazer de tudo, treinar mais do que nunca e mais do que todos, para que no final deste ano eu possa voltar e mostrar a todos que ali é meu lugar. Pretendo correr todas as etapas Prime até o final do ano. Quero voltar mais forte do que nunca. ##

É mais difícil entrar no Tour ou se manter lá?

Entrar é difícil, mas você corre vários campeonatos até que uma hora consegue. Aí é que o bicho pega. No WCT você sabe que logo na primeira bateria já vai pegar o Mick Fanning, ou o Joel Parkinson, Kelly Slater. Entende a diferença? É muito mais difícil se manter do que se qualificar, principalmente depois do corte de 45 para 32 competidores. O nível está muito alto.

Como é sua preparação para as etapas?

Quando uma onda vai exigir mais do que eu sei, procuro chegar antes para treinar. Em picos como Teahupoo e Bells, no primeiro ano cheguei 15 dias antes das etapas e fiquei surfando praticamente só com os locais. Quando é um pico que é difícil de treinar, como o Hawaii, não tem muito jeito. Já sei como funciona lá e sei quais ondas são as boas, então espero chegar a hora da minha bateria e rezo para achar a boa. Todo mundo sabe que o aéreo é minha carta na manga, então no dia a dia onde eu moro (Ponta Negra, Natal), procuro muito surfar de backside e treinar bastante carve.

Você foi parceiro de equipe e viajou muito com o Adriano de Souza. O que aprendeu com ele e como vê a evolução dele no Tour?

Quando comecei no Circuito Mundial aprendi muito com o Adriano. Eu era um moleque de 18 anos que tinha viajado pouco e nunca tinha ido para lugares como Teahupoo, J-Bay e Bells. Ele já estava no circuito fazia uns cinco anos e me ajudou muito, dirigiu bastante nas viagens, deu conselhos e me mostrou quem era quem. Depois do primeiro ano cada um tomou seu rumo e ele seguiu seu caminho em busca de ser o melhor. Hoje em dia temos uma amizade normal, nada que se compare ao começo. Como competidor, acho ele o mais sinistro, o cara que ninguém nunca quer enfrentar na bateria. Seja em Teahupoo ou em Huntington, ele vai querer quebrar, nunca vai perder pra ele mesmo. Sem dúvidas é o brasileiro que se mostra mais preparado para ser campeão do mundo hoje em dia e torço muito por ele.

Apesar de você ter dito que o Kelly te prejudicou, sempre aparecem fotos de vocês conversando e brincando. Como é a relação entre vocês?

É normal, nada de mais, tirando que ele ficou maluco comigo quando bloqueei o telefone da namorada dele e esqueci a senha (risos). Mas temos uma relação boa. Independente de ele ter atrapalhado minha vida no começo, não tem como não admirar o cara. E acho que ele gosta de mim também. Ele até deu uma entrevista esses dias e falou de mim, entre outros, quando perguntaram pra ele quem eram os melhores surfistas do Brasil. Sempre brinco com ele. Mas não se compara com a minha amizade com o Mick Fanning, que é um grande irmão.

No começo do ano você declarou ter sofrido racismo num bar na Austrália. O que aconteceu exatamente?

Foi uma das coisas mais ridículas que já vivi. Estávamos em 12 brasileiros em um bar em Newcastle e os seguranças chegaram tirando a dedo todos os moreninhos, sem nenhuma justificativa. Os brasileiros de pele mais clara ficaram. Não tinha rolado absolutamente nada de errado, eu tinha perdido minha bateria e estava no barzinho descontraindo com o pessoal, até que chegou um segurança e pediu para que eu o acompanhasse. Como havíamos entrado no bar identificados como atletas do campeonato, achei que queriam fazer alguma entrevista ou foto, coisas que acontecem normalmente. Quando me dei conta já estávamos fora do bar. Um por um foi sendo colocado pra fora, até que nos explicaram que estávamos proibidos de voltar sem nenhuma justificativa e chamaram a polícia. Simplesmente tiraram os pretinhos da festa sem ter rolado absolutamente nada de errado. Foi um absurdo.

Recentemente o Surfline publicou um texto criticando duramente e denegrindo os brasileiros. Você acha que existe racismo velado no Tour?

O cara que escreveu é um infeliz, mal-educado e arrogante! Os caras não têm mais do que reclamar e já estão apelando. Eu não acredito que no geral os gringos sejam racistas, mas no Tour tem, sim. Prefiro não falar nomes, mas até os outros gringos sabem quem são.

Você se sente preparado para correr o Tour novamente e brigar pelo título mundial?

Sem dúvidas, estou preparado para voltar pro WCT. Estou treinando e fazendo as coisas que realmente tenho que fazer. Enfrentei problemas pessoais que desviaram minha atenção no último ano do circuito, além das contusões. Mas acredito que nada é por acaso. Estou bem, preparado e surfando com gosto e vontade. Quem me conhece sabe que, se eu não estiver feliz, não consigo fazer minhas coisas. Hoje estou feliz!

Você tem muitos fãs e é bastante ativo nas redes sociais. O que eles podem esperar nesta temporada?

Sei que muita gente gosta de mim, me segue nas redes sociais e manda mensagens de carinho. Há pouco tempo fui pegar um voo em São Paulo e o comissário de bordo começou a chorar, dizendo que estava emocionado em me conhecer. Olhei pro cara e falei: “Não viaja! É nóis!” (risos). Em dois minutos ele já estava dando risada. Sou uma pessoa simples, nasci na Vila de Ponta Negra, um lugar bem carente de oportunidades. Sei aonde cheguei e agradeço por tudo que me aconteceu, mas sei que ainda tenho muita coisa pra fazer. Estou tranquilo e quero muito voltar ao WCT.

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