Muito além do tempo

Muito além do tempo

Madagascar.

Em busca de ondas perfeitas e do clima de descoberta dos tempos românticos do surf, um grupo formado pelos surfistas Grant “Twiggy” Baker, Greg Long, Laurie Towner e Fergal Smith desbravou a inóspita costa de Madagascar, um dos países menos acessíveis do mundo, pela primeira vez durante a temporada de ciclones na região. 

Por Grant “Twiggy” Baker

(Texto publicado na edição 331, de maio de 2013)

Desde o começo sabíamos que isso não seria um passeio no parque, e estávamos preparados para uma missão infernal, mas dois pontos sempre voltavam à tona:Estávamos chegando ao fim das nossas provisões. Água potável era escassa. Estávamos a dias de distância da civilização em um dos cantos mais remotos de um dos países menos acessíveis do mundo, e um ciclone estava a poucas horas de chegar à costa. Não tínhamos nenhum plano de fuga. Nosso barco, o Blue Fin, só tinha combustível suficiente para nos levar até o horizonte antes que, inevitavelmente, o ciclone nos enxotasse de volta à costa. O vilarejo no qual estávamos ancorados, se é que se pode chamar aquele terrível amontoado de madeira de vilarejo, tinha muito pouco a oferecer em relação a abrigo ou suprimentos. A equipe olhava para mim em busca de respostas. Para mim, porque isso tinha sido ideia minha. Eu fui o “agente de turismo” daquela expedição condenada. Tinha nos colocado naquela situação e era o responsável por nos tirar dela. Mas eu não tinha respostas. Se tivessem me perguntado mais uma vez, eu teria dito, ou quem sabe gritado com eles através da chuva que caía, que estávamos ferrados. Acabados. A viagem tinha acabado antes mesmo de pegarmos uma onda. Madagascar manteria novamente seu tesouro em segredo.

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A chegada de um ciclone trouxe chuvas pesadas, além do tão esperado swell. Foto: Alan Van Gysen. 

1 – Estávamos indo para uma área em que nenhum marinheiro experiente consideraria se aventurar, a costa leste de Madagascar em março, durante a alta temporada dos ciclones, uma área que nunca tinha sido surfada ou mesmo checada com a intenção de surfar durante os meses bons de swell.

2 – O local também é conhecido por ter a maior concentração de tubarões do mundo, muitas bocas de rio e uma das maiores porcentagens anuais de chuvas do planeta. E, para completar, o ciclone Benziga tinha atingido a costa havia apenas sete dias, deixando a água marrom e espalhando troncos do tamanho de casas pelos line-ups. Depois de tudo isso, como se já não tivéssemos obstáculos suficientes à nossa frente, tomamos uma decisão muito errada. Nosso lento barco de carga, carregado com nossas roupas, suprimentos, combustível e acessórios para nosso conforto, não conseguiria viajar para o norte no clima terrível em que nos encontrávamos. Contra a vontade do capitão, deixamos aquele barco para trás. Nossa decisão foi baseada no fato de termos pouco tempo para encontrar um bom abrigo antes que o próximo ciclone nos impedisse de chegar ao nosso destino, 160 quilômetros ao norte.

Nosso capitão nos avisou que aquilo era uma má ideia. Ele pretendia ficar no sul com o barco de carga, mas estávamos famintos por surf e convencidos de que os ventos de sul fora de época seriam terral. Terminou com a gente pedindo e implorando, e ele  cedendo quando finalmente o fizemos entender que ficarmos parados vendo passar o melhor swell da viagem basicamente nos levaria a um estado catatônico de desespero.

Então partimos, cheios de abandono juvenil e sonhos de encontrar nosso próprio tesouro naquela notória área de caça pirata. E foi assim que então tudo veio abaixo. Estávamos procurando ondas e uma aventura intensa e real, e encontramos as duas coisas. Mas descobrimos que coragem e realidade não são tão glamorosas como as pessoas pensam. 

(Continua na página 02)##

Chegando ao Porto do Clitóris 

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Madagascar. Foto: Alan Van Gysen. 

A gênese desta expedição foi o rompimento do meu ligamento cruzado anterior, seguido da cirurgia no joelho e do diagnóstico de seis meses sem surf. Troque o surf ininterrupto e as viagens por um árduo programa de reabilitação e você terá muito tempo para pensar na vida.

Mentalmente eu não estava bem. A temporada maciça do El Niño e o fato de termos driblado a morte inúmeras vezes nos meses anteriores, combinados com o falecimento do meu bom amigo Noel Robinson, me deixaram pronto para trocar tamanho por um pouco de perfeição vazia. Estava na hora de surfar ondas que ninguém tinha visto antes. Entre uma sessão e outra de fisioterapia, procurava no Google Earth por picos vazios do continente Africano.

A ilha-nação de Madagascar se encaixava perfeitamente em meu critério. Sua linha costeira remota e inacessível ficava de frente para os pesados swells de ciclone da Índia. Durante 20 anos eu assisti a Madagascar bloquear swell atrás de swell, impedindo-os de chegar à minha amada costa sul-africana. Pensei que já era hora de ir ver o que exatamente aquelas tempestades faziam por lá. Depois de checar os mapas, descobri uma extensão de terra de 160 quilômetros de costa com vários tipos de configurações que recebiam de frente aquela janela sazonal de swell. A semente tinha brotado antes mesmo de criar raízes.

O meu plano era filmar um documentário a respeito do que é preciso para encontrar uma nova zona de ondas de nível mundial nesta era de filmes com orçamentos milionários e alta tecnologia. Queria provar que ainda podíamos fazer algo genuíno, corajoso e real, voltando aos tempos românticos de quando os pioneiros do surf usavam barcos locais, acampavam nas ilhas e esperavam os swells aparecerem nos reefs que tinham descoberto, sem telefone, e-mail ou previsões de tempo na internet.

Madagascar está tão perto daquela época romântica quanto qualquer outro lugar no mundo. Com infraestrutura precária, havia um risco baixo de que caíssemos em uma vida de luxo nessa viagem. O país é tão subdesenvolvido que as estradas são consideradas artigos de luxo na maioria das regiões. Também é importante entender que Madagascar, apesar de ter algumas semelhanças com a África, e outras com a Índia, culturalmente é mais próxima da Indonésia. Mas, em vez de trazer preconceitos aqui, é melhor deixar o lugar falar por si, simplesmente porque é diferente de qualquer lugar no mundo. Há pelo menos 18 grupos culturais distintos, que são mais ou menos separados por diferenças raciais que remetem às migrações indonésias, além das influências africanas, árabes e indianas.

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O grupo na capital, Antananarivo. Foto: Alan Van Gysen. 

Na capital planáltica, Antananarivo (onde estou enquanto escrevo este texto), o povo merina se parece com os indonésios, apesar de a ligação estar um pouco ofuscada depois de 12 séculos de separação. Enquanto caminho pelas ruas quentes, às vezes preciso olhar duas vezes, pois as pessoas se parecem muito com as de Sumba, em Nusa Tengara, na Indonésia. Essas duas populações têm tanto em comum agora quanto os habitantes do sudoeste asiático e os de cultura austronésia da Polinésia e Melanésia, ou do peruano comum com o espanhol. Estão distantes anos-luz no espaço e no tempo. Mas é verdade que existem similaridades em suas crenças, práticas, línguas e raças.

A palavra “malgaxe” serve para várias finalidades. É um adjetivo para coisas “madagascarianas”; é o nome da língua e também do povo de lá. O malgaxe pertence à família das línguas austronésias, estando ligada ao malaio, ao bahasa, ao indonésio e às línguas de Fiji e da Polinésia. Fiquei surpreso em saber que no dialeto nortista malgaxe, a palavra para “oi” é “bula”, exatamente igual a Fiji.

As estruturas de crenças mais fortes do povo malgaxe estão ligadas aos seus ancestrais, que continuam a influenciar na estrutura familiar atual, e cuja exumação e novo enterro, de seis a dez anos após sua morte, é uma feliz expressão de amor, lembrança e senso de comunidade. Os monumentos em forma de pilar em homenagem aos mortos são tão similares aos que vi em Sumba que chega a ser assustador.

O que faz dessas similaridades algo tão incrível é simplesmente o fato do quão difícil deve ter sido para essas culturas e línguas migrarem até aqui. Afinal, alguns membros da nossa equipe, usando todas as tecnologias modernas existentes, demoraram mais de sete dias para chegar aqui. Acho irônico que se possa chegar a qualquer parte do mundo em segundos do seu computador, mas leva uma semana para chegar perto do seu sonho encontrado no Google Earth.

Garantido foi que os últimos três dias de nossa longa viagem foram passados sacudindo a bordo do Blue Fin, desviando de tempestades pesadas. Mas fomos em frente, seguindo para o norte ao longo das linhas costeiras mais remotas de Madagascar. E, para piorar, um vento sul deixava o mar muito agitado, nos forçando a desembarcar e dormir em vilarejos ao longo do caminho, lugares pequenos, malucos e remotos, mas nenhum deles mais intrigante do que o lugar onde nossos suprimentos acabaram, a cidade de Rutsinoria (nome falso), em tradução literal: Porto do Clitóris.

Lar de vários contrabandistas de pau-rosa, essa cidade e as pessoas que vieram nos receber eram pouco confiáveis, para dizer o mínimo. E, quando a tempestade foi se aproximando, logo percebemos que nem o pau-rosa (nem os locais) iria nos proteger e nos alimentar por tempo suficiente para que pudéssemos explorar a área em busca de points que segurassem o swell de ciclone. Olhando para a equipe, não era preciso ser psicólogo para perceber que nossos espíritos estavam completamente derrotados. Foi nesse estado de desespero que nos preparamos para a noite. Então, em algum momento antes do amanhecer, ouvimos uma voz familiar. Contra todas as probabilidades, Sisi, marujo do barco-mãe, que agora estava ancorado próximo de nós, tinha encontrado o caminho para o nosso acampamento. Nossas preces tinham sido atendidas, a salvação tinha chegado. Nossa expedição iria continuar. 

(Continua na página 03)##

Do céu ao inferno 

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Conhecido pela coragem  em picos como Shipstern Bluff, Laurie Towner tem um surf versátil e um repertório completo de manobras progressivas. Foto: Alan Van Gysen. 

Quando o swell começou a surgir nas bancadas de outside, tínhamos encontrado dois ótimos lugares e mais alguns outros que tinham potencial para ficarem épicos em condições mais limpas. Não só tínhamos a chance de pegar ótimas ondas, mas também estávamos acampados em um point break mágico de coral que lembrava Nias antes do Tsunami.

Enquanto a água ia passando de marrom para um agradável verde-escuro, Laurie Towner e Greg Long pegavam uma onda atrás da outra, elevando o nível de performance para um patamar que eu não esperava ver. Até Fergal Smith, que tinha acabado de emergir de cinco meses de frio terrível na Irlanda e tinha se esforçado para se adaptar ao calor sufocante dos trópicos, estava se soltando de backside. Tubos no drop seguidos por duas, três ou quatro manobras progressivas eram o básico. Pensei em quão rápido o surf estava evoluindo e em como, mesmo em um canto remoto do mundo como este, as pessoas surfavam de maneiras novas e excitantes.

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O autor do texto e idealizador da viagem, Grant “Twiggy” Bakes, desfrutando sua recompensa por todo o trabalho e risco apreendidos. Foto: Alan Van Gysen. 

A área provou ser tão rica em ondas que montamos acampamento e surfamos por três dias sem ver nenhum outro ser humano. Finalmente acabamos encontrando um grupo de pescadores locais, que ficou chocado por termos chegado perto da água. De acordo com eles, a boca do rio, que ficava a alguns quilômetros dali, tinha grande atividade de tubarões. Eles nos contaram que colocaram suas redes lá alguns meses atrás e tinham pegado 100 tubarões grandes de várias espécies, incluindo vários tubarões cabeça-chata, ou zambezi, como os chamamos, alguns com mais de 5 metros.

Depois do trabalho que tínhamos tido em achar aquela onda, não íamos deixar uma historinha como aquela nos assustar, então tiramos aquilo da cabeça rapidamente e nos instalamos. Logo sentimos nossa percepção de tempo mudando. Nosso acampamento era uma bênção, instalado nos limites da lagoa, com o swell entrando incessantemente pela bancada com formato perfeito de meia-lua. Surfávamos e pescávamos até a hora de dormir todas as noites. A vida era perfeita e aquilo era como eu imaginava que seria estar no paraíso. Então, no dia de surf mais tranquilo e perfeito, bem quando o sol estava prestes a se por e todos gritavam felizes como crianças travessas, uma série enorme surgiu lá atrás. Nosso capitão, Pierre, em um momento de pânico, achou que estava muito no inside e decidiu ligar o motor e ir em direção à ondulação. O barco explodiu sobre a onda com Sisi, o marujo gente boa e fiel, ainda na popa.

De repente nossas vidas foram confiadas ao caos.

O sorriso de Sisi se transformou em um grito desesperado ao voar 10 metros para o alto e cair direto sobre a borda do barco, arrebentando seu fêmur. Depois ele ficou estirado no deck com o joelho perpendicular ao seu quadril. Soubemos imediatamente que aquela era uma situação séria de risco de morte, então, com a ajuda de todos, fizemos uma tala para a perna dele e o estabilizamos da melhor maneira possível.

Quando a noite caiu, amarramos Sisi em um SUP e saímos às cegas em busca de um médico, um hospital ou mesmo uma cabana para passar a noite. Carregando Sisi em nossos ombros, caminhamos pela praia até chegar na boca do rio que batia com a descrição dada pelos pescadores de tubarões. Não havia tempo de olhar o que havia embaixo d’água. Pulamos e nadamos para levar Sisi ao outro lado usando apenas a luz da lua para nos guiar.

Mais ao longe, logo encontramos um pequeno vilarejo onde tentamos explicar a seriedade da situação para um morador local que tinha um carro. Ele concordou em levar Sisi para um hospital, então o colocamos na van e ficamos olhando enquanto ele sorriu, acenou para nós e desapareceu na escuridão.

No típico estilo de Madagascar, ele não reclamou ou chorou nenhuma vez durante sua provação. 

(Continua na página 04)## 

Motim no paraíso

No dia seguinte ainda havia ondas pequenas e divertidas, com clima perfeito. Mas havia um sentimento de perda em nosso acampamento. Todos andavam como se fossem fantasmas, lembrando os eventos da noite anterior e pensando em como estávamos vulneráveis ali, no meio do nada. O papo de irmos embora mais cedo começou a surgir em nossas conversas. Sussurros começaram a surgir no acampamento como pequenos focos de dissidentes.

Senti que estava sendo deixado de lado nos procedimentos, como um participante alienado do Survivor. Todos sabiam que eu não desistiria antes de a viagem estar completa – mas, caso se juntassem, poderiam fazer um motim. Comecei a ficar ansioso.

Então, nos dias seguintes, as boas notícias começaram a chegar. Sisi tinha sobrevivido e chegado até o médico, que ficou impressionado com nossa tala e com a condição do paciente. Alguns dias depois, soubemos que tinha chegado a Antananarivo e que a operação à qual foi submetido tinha sido um sucesso. Finalmente pudemos relaxar novamente e pensar em um trabalho bem-feito, tendo cuidado da situação com o máximo de conhecimento e habilidades que tínhamos.

Infelizmente o swell tinha diminuído e o nosso point era um pouco mais que um fio de água. Decidimos ir novamente para o sul, nos antecipando a um pulso que podia atingir a costa em alguns dias. Arrumamos as coisas do acampamento e passamos o dia descendo pela costa pescando, batendo papo e checando uma bancada atrás da outra. Achamos lugares de tirar o fôlego. 

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Cenas da inóspita e inexplorada costa de Madagascar. Foto: Alan Van Gysen.
 

Agora a água já estava límpida por completo e os recifes estavam bem claros e definidos. Um por um, fomos observando a costa nos revelar incontáveis locais incríveis. Era incrível, e logo percebemos que seria preciso uns 20 barcos cheios de surfistas, todos trabalhando aquela costa durante uns dez anos, antes de conseguirem começar a desvendar todo o potencial daquela zona. Era reconfortante saber que, por agora, aquela área e muitas outras como ela continuariam por aí, esperando por qualquer pessoa que tenha um orçamento pequeno, tempo para gastar e um sonho.

Encontramos outro point perfeito, uma esquerda dessa vez, com um navio naufragado marcando o ponto de entrada. Havia também outra belíssima praia para acamparmos, então ficamos um pouco por lá e pegamos boas ondas até o tempo mudar novamente e nos forçar a retornar para a civilização. 

Parte II 

Estávamos matando o tempo em um quarto quente de hotel em Antananarivo. Greg e eu tínhamos ficado intrigados com a visão de uma sequência de points de fundo de areia a uns 150 quilômetros ao norte e começamos a fazer planos para ir lá e pegar umas direitas tubulares. Tínhamos a tendência de tomar decisões como aquela baseados puramente nos mapas de swell, sem usar a referência das experiências das últimas semanas ou nossos compromissos em nossos países. Mas dessa vez foi diferente. A decisão de voltar ao norte não foi fácil. Estávamos com as energias minadas e detonados pela última excursão. Mas os mapas tinham ditado as regras e não tínhamos opção a não ser trocar nosso barco por um 4×4 velho. A equipe não estava convencida.

Os garotos pularam do barco irritados. Fergal e Laurie já tinham chegado ao limite. Com a família esperando em casa e o cartão de memória cheio de imagens, nosso fotógrafo Alan também decidiu desistir. Então um dos nossos câmeras, Eldon, também desapareceu junto com nosso capitão Pierre. Agora apenas Greg, o cineasta Jason Hearn e eu iríamos ver até onde aquela estrada para o norte podia nos levar.

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Twiggy relaxando sob a chuva. Foto: Alan Van Gysen. 

Nossa primeira parada foi Amtala, que era o aeroporto mais próximo, o que não queria dizer muito. E ainda tínhamos uma longa distância a percorrer para o norte, pois se perde bastante tempo nas estradas por causa da enorme quantidade de vacas, cabras, galinhas, cães, patos, gansos, policiais e pessoas, que parecem morar sempre a alguns centímetros do meio-fio.

Em Amtala, conseguimos um guia e um motorista. Sorte nossa que o senhor Skarf e Emile provaram ser parceiros indispensáveis para aquela viagem. Com apenas 20 anos, o senhor Skarf, estudante, era a única pessoa que falava inglês da região. E Emile guiava como um homem possuído na região off road mais casca-grossa do planeta. Com esse reforço na equipe, a questão agora era simplesmente seguir com paciência subindo a costa para checar todos os points que tínhamos marcado no mapa. Mas logo descobrimos que aquilo seria ainda mais difícil e complicado do que a viagem de barco. 

Mistura de J-Bay e Skeleton Bay 

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Conhecido pela coragem  em picos como Shipstern Bluff, Laurie Towner tem um surf versátil e um repertório completo de manobras progressivas. Foto: Alan Van Gysen. 

Agora vivendo junto com a população comum, cada um de nós sucumbiu a problemas crônicos de desarranjo intestinal. Também tivemos dificuldade pelo fato de não haver mapas da área, pela chuva torrencial e pelas estradas secundárias no meio da floresta densa, o que nos forçou a checar apenas alguns points durante a maior parte da semana.

A cada dia levávamos o 4×4 o mais longe possível, depois pulávamos em uma moto por algumas horas. Essa parte da jornada foi ao estilo aventureiro, com locais carregando a moto para atravessar riachos, trechos de canoa em rios infestados de crocodilos e até um momento que tivemos que deixar a moto para trás e caminhar devagar pelo meio da floresta.

Depois de sessões regulares em locais que poderíamos batizar com a certeza de que nunca tinham sido surfados, finalmente chegamos a Twig Island (o meu ego predominou aqui) e soubemos que tínhamos encontrado algo especial. Primeiro caminhamos devagar por causa do calor, então aceleramos o passo quando as primeiras linhas entraram na baía. Como em um sonho, assistimos enquanto onda atrás de onda explodia no point. Logo estávamos correndo pelo caminho, gritando em êxtase quando a primeira série quebrou tubular a distância. Era um point mágico de mais ou menos 1,5 quilômetro com fundo de areia e pedra, que parecia uma mistura de J-Bay e Skeleton Bay.

Esse é o tipo de momento para o qual eu vivo. É o que me dá o propósito para ir em frente com minha carreira de surfista. Posso dizer sinceramente, sem exagerar, que não existe sensação igual, a não ser quando você rema forte na primeira onda, desce devagar até a base e se posiciona para um tubo que ficará marcado em sua cabeça pelo resto de sua vida.

Mas o swell que pegamos era fraco, de 6 pés com nove segundos de período. E mesmo assim aquele point incrível deu um jeito de transformá-lo em ondas sólidas, longas e ocas de 2 metros. Ficamos pensando em como seria aquele lugar com os swells consistentes de 10 pés e 14 segundos que chegavam àquela costa durante cada temporada de ciclones. Era o que debatíamos animadamente enquanto esperávamos pelas séries. E foi uma pergunta que seguiu sem resposta enquanto comemos no chão de uma cabana de pescador local, e mais tarde adormecemos em suas frias tábuas de madeira.

(Texto publicado na edição 331, de maio de 2013) 

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