O texto da última coluna de Marcos Conde, “Tecnologia a favor do julgamento” (Por Trás das Notas), abordando a questão do julgamento e utilização de câmeras de vídeo para reduzir possíveis erros, gerou polêmica entre os internautas.
Um deles, o advogado santista Luiz Mendes, inclusive anexou no Fórum de discussão da matéria um relato bastante pertinente sobre o assunto, elogiado até pelo juiz brasileiro residente no Hawaii Lapo Coutinho.
Como recompensa pela participação sadia e construtiva, publicamos aqui a integra do texto de Mendes, que merece reflexão por parte de todos que trabalham pela evolução do esporte e principalmente dos surfistas brasileiros.
Assisti a todas as etapas do WCT 2004. Na realidade, acompanho o circuito mundial há mais de 15 anos, seja por revistas, pela televisão e, agora, pela internet.
Nos últimos anos pudemos acompanhar a ascensão do havaiano Andy Irons. Ele surfa muito, é fato, mas se analisarmos friamente suas notas, podemos observar que elas estão supervalorizadas (ao menos neste ano).
Que Andy Irons surfa muito, ninguém duvida. Mas, será que está sendo supervalorizado pelos juizes? Foto: Asp World Tour / Tostee. |
Não fosse essa “tendência” a valorizar o surf de Andy, o circuito certamente estaria mais disputado, na medida em que Kelly Slater, Mick Fanning, Taj Burrow, Joel Parkinson e CJ Hobgood apresentam, no mínimo, performances equivalentes a do atual campeão – alguém tem alguma dúvida a esse respeito?
Mas essa “simpatia” em relação a alguns surfistas não é novidade no tour. No ano de 2000 o pesadão Sunny Garcia já contava com a benevolência dos juízes. Esses são só alguns exemplos… Na realidade, parece que em cada temporada um surfista detém o “surf padrão”.
Quanto à perseguição aos brasileiros, tema recorrente na mídia especializada quando falamos em julgamento, não a vislumbro. Para mim, os brasileiros no WCT não formam um grupo coeso, se dividindo em três diferentes pelotões. O primeiro é formado por atletas de grande talento: Raoni, Peterson, Vitor e Neco.
Vitor, Neco e Peterson já estiveram entre primeiros do ranking e a qualquer momento podem tornam a figurar entre eles (certamente podem atingir o Top 10). Raoni é talento puro e tenho certeza que em no máximo dois anos disputará as primeiras vagas do ranking.
Em comum, todos esses surfistas apresentam boa linha, pressão e velocidade. Na minha opinião, nenhum deles é completo, mas o que chega mais próximo disso é o Raoni. O segundo grupo é formado por coadjuvantes no circuito: Guilherme Herdy e Paulo Moura.
Nenhum dos dois é unanimidade, mas ambos fazem um surf honesto e power, além de entubarem muito bem para a esquerda. Dificilmente figurarão nos Top 10, mas podem em uma ou outra temporada acabar entre os 20 primeiros.
O terceiro escalão é formado por Marcelo Nunes e Armando Daltro, que, apesar de serem competitivos e terem raça, não são surfistas excepcionais. Sem desmerecê-los, me parece que eles se sentem intimidados com os top, já entrando derrotados nas baterias. Falta a atitude de campeão, que eu vejo, por exemplo, no Raoni e no Peterson.
Os surfistas desse terceiro grupo sempre se re-classificarão pelo WQS, pois eles realmente estão abaixo do nível técnico da maioria dos atletas do WCT (vejo nos dois um surf equivalente ao do Dean Randazzo, Nathan Webster, Beau Emerton ou Russel Winter).
Obviamente existem erros no circuito, mas eu não consigo enxergar uma perseguição aos brasileiros. Se isso realmente existisse, Gouveia, Teco, Neco, Peterson, Vitor e até o Tatuí jamais teriam vencido etapas no tour. E o Raoni, que é estreante e, portanto, desconhecido dos juízes, não venceria baterias contra Mick Lowe, Kieran Perrow, Kalani Rob, Damien Hobgood, Jake Paterson, Taylor Knox, etc.
Assistindo às etapas de 2004, observei que, em regra, as derrotas dos brasileiros se deveram à falta de marcação ao adversário, má escolha de ondas, falta de atitude (vide Teahupoo 2004), falta de atenção, performance fraca em point-breaks, etc.
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Renato Hickel (com o braço esticado) foi juiz-chefe da ASP por um longo período e certamente contribuiu para manter o padrão de julgamento nas baterias que envolviam brasileiros. Foto: Ellis/ASP. |
Para fundamentar minha opinião cito o sucesso internacional de Adriano Mineirinho e de Jean da Silva, que mesmo sendo brasileiros vêm tendo destaque nos eventos do WQS e nos campeonatos Pro Junior.
Ambos têm sistematicamente vencido os melhores atletas jovens do mundo (Kekoa Bacalso, Dustin Cuizon, Ben Dunn, Bede Durbidge e Shaun Cansdell), seja na Europa, na Austrália e até mesmo nos EUA.
Esses resultados aparecem não por acaso ou porque os juízes lhes são caridosos, mas porque realmente eles estão entre os melhores (penso até que o Mineirinho é efetivamente o melhor atleta da nova geração em escala mundial).
Tanto Mineirinho quanto Jean certamente têm performances mais promissoras do que as de qualquer dos brasileiros do WCT (ambos não têm nem 20 anos e já entubam bem, surfam com linha, pressão e dominam todas as manobras clássicas e os aéreos).
É realmente estranho que as pessoas digam que os brasileiros são perseguidos se até mesmo o Head Judge do tour já foi um brasileiro. De quem seria o interesse de prejudicar os nossos surfistas? Dos americanos e dos australianos? Por quê? Seria uma conspiração internacional?
Diante dessas questões achei pertinente observar o quadro de juízes da ASP nas provas européias do WCT. Vejamos: Perry Hatchett (Austrália), Jeff Kluggel (EUA), Pritamo Ahrendt (Austrália), Dave Shipley (Hawaii), Ícaro Cavalheiro (Brasil), Clyde Martin (África do Sul), Yannick Sarran (França) e Aitor Arreguimota (Espanha).
Pode-se constatar uma ligeira maior representatividade dos EUA (um juiz dos EUA e um do Hawaii) e Austrália (dois juízes), mas e daí? Ainda assim a distribuição é razoável, já que esses países são o berço do esporte, os mais desenvolvidos tanto na parte logística quanto propriamente em termos de surf. Portanto, isso me parece absolutamente natural.
Quando ocorre a Copa do Mundo de Futebol e nós, na posição de “o país do futebol” e pentacampeões mundiais, vemos juízes de países sem tradição e com menos representatividade no mundo futebolístico, também não reclamamos? Temos que ser coerentes.
Fato é que jamais vi uma campanha dos sul-africanos contra os julgamentos da ASP (e olha que eles também só têm um juiz, apesar de possuírem mais tradição no esporte do que nós – contam até com título mundial profissional). Também não vejo isso por parte de franceses, espanhóis, portugueses, britânicos, neozelandesas, etc.
Isso me parece uma mania de perseguição dos brasileiros. Na realidade, temos garra e talento, mas não as melhores condições de treinamento. Aliás, o que temos é a pior condição de treinamento (nossas ondas são mais fracas que as australianas, americanas, sul-africanas e européias), o nosso dinheiro vale menos que o de nossos oponentes e isso atrapalha o sustento da família e pesa na hora de fazer as trips e, no geral, temos ainda a pior estrutura (os clubes de surf brasileiros não têm a tradição dos clubes australianos e americanos, não têm apoio de patrocinadores nem contam com o auxílio do Poder Público).
O que quero dizer é o que todos, mesmo que de forma implícita, já sabem. Não adianta nos enganarmos. Ainda não temos um atleta completo (um Kelly, Andy, Occy, Parkinson ou Fanning) e, portanto, em condições normais, com os brasileiros que atualmente estão no CT, dificilmente emplacaremos um Top 5 que mantenha a posição por mais de uma temporada.
Ou alguém vai dizer que tem mais prazer em assistir o Vitor Ribas surfando J-Bay ou Fiji do que o Joel Parkinson, Occy ou Slater ? Francamente… Preferências à parte, uma nova safra brazuca vem aí: Mineirinho, Jean da Silva, Hizunomê Bettero, Thiago Bianchini, Marcelo Trekinho, Léo Neves, Jihad Kohdr, Raoni Monteiro, Bernardo Pigmeu, etc.
Todos eles mais viajados, com mais atitudes de vencedor (ou alguém imagina o Léo Neves com receio de enfrentar o Slater?), mais esclarecidos e até mais experientes que os atuais tops quando jovens. Imagino que em breve alguns desses valores chegarão perto da perfeição e, assim, lutarão até mesmo pelo título mundial.
Em comum, todos esses nomes da nova geração brasileira têm uma coisa: surfam muito, acima da crítica.