A australiana Stephanie Gilmore não ganhou o campeonato em South Curl Curl. Não, não é o torcedor fanático quem diz isto; são os próprios australianos que acompanharam comigo a bateria final de dentro d’água.
Cheguei ao campeonato neste domingo, no mesmo instante em que a primeira semifinal caiu na água. Silvana Lima contra a aussie Jessi Miley-Dyer.
Olhei para o mar e só vi Silvana vindo em uma direita atrás da outra, sozinha na vala, escolhendo a dedo as ondas que abriam na série.
Enquanto isso, Jessi se arrasou em outra vala bem pior e inconstante, um pouco longe dos olhos dos juízes. Uma esquerda meio gorda e balançada entrava de vez em quando e isso sacramentou a vitória de Silvana.
No final da bateria Silvana ainda foi treinar táticas de competição. Remou pra cima da adversária, marcando-a para evitar que qualquer surpresa pudesse acontecer. Perfeita.
Quando a outra semi caiu na água, fui conversar com Jacqueline Silva. Atenta, com sua filmadora em punho e sempre muito educada. A primeira coisa que ela diz quando me vê é “nossa, você ainda está aqui na Austrália?!”.
Ela é uma figura e sempre quebra o gelo. Não sei por que algumas pessoas publicam que ela é fechada ou quieta (inclusive consta isso no livretinho do campeonato que mostra quem são as competidoras).
Talvez pelo fato de Jacque não ser deslumbrada e espalhafatosa. Ela é muito inteligente e encantadora, não faz a mínima questão de pendurar uma melancia no pescoço e sair chamando a atenção.
A catarinense havia sido eliminada no dia anterior por Silvana, numa bateria de notas altas em que Jacque foi vítima de uma inspiradíssima colega. “Não deu mesmo, surfar contra a Silvana inspirada é muito difícil, mas fui bem”.
Aproveitei para perguntar a Jacque quem era a adversária mais perigosa para Silvana: Sofia ou Stephanie. Ela não hesitou: “a Sofia surfa muito, mas nessa vala aqui de direita a Stephanie é mais perigosa; tanto a Silvana quanto a Stephanie se adaptam perfeitamente a essa onda”.
Stephanie surfou muito bem contra Sofia, mas a partir dali já comecei a achar que algumas notas estavam sendo puxadas para cima. Mas tudo bem, ela ganhou incontestavelmente.
No intervalo entre a final, eu estava no meio da galera brazuca toda animada naquela corrente pra frente tão famosa e contagiante que estamos bem acostumados a fazer.
A torcida era composta por personalidades como a notável competidora Aninha Ceccarelli, o cinegrafista Gustavo Marcolini, o legend big rider domador de Mavericks Christian Bezerra e todo o pessoal que reside aqui na Austrália para estudar e trabalhar nesta terra maravilhosa.
Mas, pensei, “poxa, de uma certa forma estou a trabalho aqui, não posso ficar no meio da galera nessa adrena, mas onde vou assistir?”.
O melhor lugar para assistir “on a mission” era no meio dos australianos. Fiz isso… E mais: coloquei meu wetsuit, peguei a minha prancha e fui assistir de dentro d’água. De cara para a vala das direitas onde as duas surfistas iriam arrebentar uma atrás da outra.
Lá fui eu, sentado no “meio side” (lugar relativamente seguro entre o inside e o outside onde dá tempo de não levar a série na cabeça, mas que não se perde o visual das ondas surfadas pelas meninas), cercado por uns oito australianos e todos conversando, ouvindo a locução, as notas, a música, etc.
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Por falar em música, por que insistem tanto em Jack Johnson, hein? Deveriam colocar o Taylor Steele para ser DJ do WCT; coloque um filme dele e entenda por que.
Nada contra Mr. Johnson, mas surfar ouvindo suas músicas é de cair na manobra!
Lá veio a onda 9.00 de Stephanie. Uma série de rasgadas bem estilosas, de média pressão, desenhavam arcos perfeitos sem perder a velocidade, batidas nada de anormais e uma ida até a beira.
Nove pontos? Bom, tudo bem, vai. Até então Silvana ainda não havia surfado uma onda em que pudesse dar tudo de si.
Os caras ao meu redor aplaudiram. A onda? Não, a nota! Lá estava eu com cara de bobo, em meio a oito australianos me fazendo perguntas do tipo “a Silvana é idolo nacional no seu país?”.
Respondo: “brother, temos orgulho de todos que representam bem nosso país, mas com uma nota 9 naquela onda fica complicado!”. Eles racharam o bico.
Bom, a bateria prossegue e fui um pouco mais ao raso, pois senti que Silvana estava na adrena de pegar a boa. Bateria na metade, prioridade, série ao fundo e daaaaaaa-lhe onda boa! Pancada! Silvana simplesmente destrói a onda, faz uma série de manobras e faço questão de olhar a cara dos meus companheiros de arquibancada a cada uma desferida.
Bem na linha em que estávamos sentados, ela acertou uma batida que, além de reta e soltando muita água, as três quilhas saíram pra trás do lip. Ela despenca lá de cima, sem perder a linha e a velocidade, e tome floater lá do terceiro andar.
Olhei novamente para a feição e comentei: “essa onda vale quanto então?”. Um deles vira e fala: “12 pontos!”. Mais uns três balançam a cabeça concordando.
Nessas horas, quando trata-se de uma bateria final, com uma atleta local na água, na maioria dos casos a locução fica meio quieta, sem fazer alarde para a onda surfada, pois os juízes estão teclando as notas.
Mas na onda 9 da australiana, a cada manobra eram aqueles “wooooow, uaaaaaaaal, amaaaaazing, niiiiice”.
Sai a nota de Silvana: 8.10. Daí, sim, a locução começa a tagarelar: “Silvana, sua última excelente onda foi 8.10; uma ótima onda, não é verdade?”, a locutora fala ao locutor.
Ele responde: “sim, Silvana Lima tem um surf muito moderno (…)”. E ficam nessa papagaiada, tentando aumentar com palavras aquilo que os juízes não fizeram com a nota.
Stephanie precisava de 6,33. Tava na cara que se entrasse uma onda e ela fizesse 5 pontos, teria os tais 6,33. Dito e feito: 6,43. Eu só falava aos caras: “isso é uma piada!” Em troca, eu tinha sorrisos amarelados.
Onda média, manobras sem arriscar, nada de especial, pelo contrário. A torcida na praia e a locução se encarregaram de fazer aquela pressão e funcionou.
Aos poucos fomos nos deslocando cada vez mais para perto das competidoras. Já estávamos dentro da enorme área reservada à competição e ninguém reclamou nos auto-falantes, pois as atletas só surfavam a mesma vala de direita.
Silvana irritadíssima dentro d’água. Faltando três minutos para o final, já sabia que a australiana viria pra cima para marcá-la e já veio remando para bem perto de onde estávamos, na tentativa de evitar a perseguição da aussie. Ninguém entre os espectadores seria louco de pegar uma onda, claro.
Já que era pra adrenalizar, resolvi entrar no barco: “vamo Silvanaaaaaaaa!”. Veio uma série bem na hora da regressiva de vinte segundos. Silvana remou na primeira, não entrou, veio a segunda e ela dropou meio atrasada, acertou a linha, mandou duas manobras e caiu na terceira.
Ao soar da sirene ela fez aquele gesto com as mãos, em que só resta um dedo no meio, em direção ao palanque.
Fiz uma votação dentro d’água: dos oito caras que perguntei, seis deram a vitória a Silvana. Brasileiros? Não, australianos.
Vocês não podem me ver agora, mas meu dedo do meio também está apontado ao palanque.