Espêice Fia

Mentawai entre amigos

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Depois de Nias, onde já havíamos surfado bastante, a trip continuou em Mentawai com um acréscimo de seis surfistas vindos do Recife. Aliás, o único que não era da cidade e que não conhecia era o Luis Otávio, de São Paulo. O resto, todos amigos pernambucanos com quem tive a oportunidade de dividir por muito tempo os line ups da região.

Estava com saudades da galera e foi ótimo reencontrar todos: Alan Gueiros, Léo Maranhão, Roberto Lisboa, Paulo Smurf e Bruno Pig. Os três pirimeiros haviam desembarcado direto do  Brasil, porém os dois últimos vinham também de uma semana mágica pré-Mentawaii, em Grajagan, desembarcando em nosso primeiro surf e já embalados.

Nossa primeira caída foi em Hideways, na área de Playgrounds. Não lembro de ter ido por ali quando fui na barca do Surf Adventures, em 1997. De lá pra cá, uma diferença muito significativa no número de barcos, resorts e, é claro, cabeças no pico.

Eu e Rato Fernandes tínhamos surfado bastante em Nias e estávamos de certa forma cansados. Tivemos as nossas pilhas recarregadas quando sentimos a potência de Riffles. Que onda é aquela, rapaz? Absurdo de boa! Parece uma locomotiva sem freio! A bancada era rasa e não era possível cometer muitos erros. Peguei uma onda muito longa e passei várias seções por dentro do tubo, sempre em alta velocidade. Nesta mesma onda, acabei indo além do meu conhecimento naquela bancada e quando finalmente o “foam ball” me pegou, fui de encontro ao reef. Só sei que dei muita sorte de não ter me machucado. Foi apenas uma pancada leve nas costas e nos “países baixos”, pois meio que sentei em uma poltrona de coral.

O pico era bem extenso e a galera estava ao longo do line up. No primeiro ponto do drop, os mais soltos se amontoavam em uma fila que era respeitada. Cada um tinha uma ficha e a adrenalina era sempre alta quando a série batia. Em sua vez, Rato Fernandes pegou uma linda, passeando em frente à lente do fotógrafo Clemente Coutinho.

Na água e encabeçando a turma, nosso capitão Kadu Maia. Esse, um amigo que conheci no Hawaii na temporada de 2000. Na ocasião rachamos casa e dividimos ótimas ondas em Sunset e demais picos do North Shore. Há cerca de quatro ou cinco anos trabalhando nas Mentawaii, não via a hora de aceitar seu convite para estar a bordo do Star Koat, operado pela Mentawaisurfcharters.

 

A trip foi maravilhosa, a tripulação era de primeira! Prestativos, sorridentes e com ótimo humor, que, aliado ao nosso, foi diversão até o final. Pegamos ondas incríveis em momentos certos graças ao conhecimento de Kadu, incluindo aí um Greenbush muito bom quando surfamos por uma manhã inteira altas ondas sem que o outro barco – que estava em outra baía distante – viesse ao nosso encontro. Aliás, neste outro barco estavam os irmãos Paker e Conner Coffin, gravando e fotografando para seus patrocinadores. Ao chegarem no canal, ainda aguardaram um pouco nossa galera sair.

 

Na nossa barca, todos surfaram bem. Foram muitos tubos, rasgadas, enfim, tudo quanto foi manobra. Luis Otávio talvez fosse o cara que menos pratica surf regularmente e em Greenbush foi se soltando aos poucos. A galera sempre o incentivava. Aliás, este aspecto foi uma constante durante toda a trip. Eram urros quando um de nós fazia uma onda boa ou completava um tubo. Neste dia, foram vários do Bruno Pig, Roberto Lisboa e Paulo “Smurf” Veloso, que, acostumados às bancadas dos reefs pernambucanos, eram familiarizados. Além dos tubos, alguns aéreos ficaram por conta de Samuel Igo e Gabriel Farias, que iam também se soltando aos poucos. 

 

Com mais um dia mágico de surf ali, as ondas começaram a baixar quando depois passamos por Thunders pequeno. Tínhamos uma reserva na baía de Macaronis para a subida do próximo swell, e não por coincidência, nosso capitão Kadu havia agendado o segundo barco da Mentawai Surf Charters, o Moon Palinkir. Resultado: no outro barco, aos comandos do Capitão Marlon, mais uma barca de brasileiros organizada pelo agente de viagem carioca empolgadíssimo Luiz Henrique. Aí, a comédia foi grande. Com as ondas ainda escassas no primeiro dia, rolavam mais conversas no outside do que ondas surfadas em si. Se bem que logo o swell dava pinta de subir e aos poucos as séries iam ficando mais constantes.

 

Mesmo marola, Macaronis é uma delícia! Eram ondas de meio a 1 metro nas quais fazíamos mais que oito manóbras, facilmente. Vi algumas de Alan Gueiros e Leo Maranhão que foram parar muito longe! Parecia que as rasgadas e batidas não tinham fim. “Biel Farias e “Samuca” eram um show à parte com seus aéreos. Os caras estavam incríveis!

 

Clemente Coutinho ficava horas embaixo do Sol e não perdia nenhuma ação. Pensem em uma cara dedicado. Às vezes até falava para a galera tentar se organizar pra cair todos juntos em uma única sessão para o Clemente poder ter um descanso, pois o solzão era de 40 graus.

 

Com a subida do mar e mesmo tendo que deixar pra trás um possível “Macas” muito bom, navegamos em meio a uma tempestade para Lances Rights, ou seja, HT’s, como é mais conhecido nos dias de hoje. Os enjoos noturnos foram minimizados por uma ótima visão. O mar ali foi só subindo e melhorando no decorrer do dia para dar um fim de tarde mágico, com 4 a 6 pés plus e “glass”, um espelho! Que sessão memorável! Tubos e mais tubos e passavamos a milhão pelo inside. 

 

No último faixo de luz, já no barco, acompanhei com a galera uma onda sensacional de Rato Fernandes e Bruno Pig. A série entrou clean e foi uma gritaria só. Neste dia também houve destaque do francês Didier Piter, que fazia trip de treinamentos com juniores daquele país e um capitão de outra embarcação, um australiano cujo nome não lembro, mas que só vinha na boa, provando que quilometragem nas ilhas dá bastante resultado, tal como o nosso Kadu Maia.

 

E mais uma vez foi de Kadu a pilha para no dia seguinte irmos rapidamente checar Lances Left’s, já que uma brisa de maral estragava parcialmente HT’s. E qual não foi nossa surpresa quando ancoramos? Mar clássico, como nunca vi naquele pico, a ponto de despachar nossa frustração por não ter tido mais uma session de direitas. Com o vento terral fazendo aquele véu pentear o lip, fomos todos para a nossa derradeira e longa session da trip. Mais uma vez, séries de 4 a 6 e várias maiores. Paredes esverdeadas iam do point até o inside que, ao longo da maré secante, só deixava a bancada mais rasa e as ondas mais tubulares. Que fim de trip!

 

A galera, em estado de extâse, fazia as últimas negociações e barganhas com os nativos que não paravam de chegar com suas canoas abarrotadas de artesanatos locais. Coisas lindas! Rúpias, roupas, acessórios e até mesmo alimentos entravam na compra e troca. Deixar aquelas linhas depois do almoço foi duro, mas de certa forma iríamos curtindo o visual incrível que nos percorreu durante os 12 dias de viagem. Mais um pôr-do-sol mágico e na madrugada chegamos ao porto de Padang com a certeza de que a turma havia arrebentado, cada um em suas possibilidades, uns mais, outros menos. Em comum, a fissura pelo surf, uma qualidade partilhada por todos e que gerou alto astral.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.