Leitura de Onda

Meu nome é gana

Simão Romão, Oakley Rio Surf Pro 2008, Arpoador, Rio de Janeiro (RJ)

 

Simão Romão comemora vitória no Oakley Rio Surf Pro 2008 no Arpoador. Foto: Daniel Smorigo / ASP South America.

Nem todo surfista nasce Julian Wilson. Enquanto alguns dos tops do WT ungidos pelo berço, pelo apoio dos patrocinadores e pela aprovação dos juízes desfilam talento pelas ondas de Lower Testles, Simão Romão trabalha, com o bico de sua prancha sem adesivo, para ganhar campeonatos perto de casa que paguem o leite de seu filho Pedro, de cinco anos.

 

Simão desde cedo sabia ser um ponto fora da curva. Diferentemente da maioria de seus pares, nasceu e cresceu em Mesquita, um subúrbio pobre do Rio que só fala a língua do futebol.

 

Para treinar no Arpoador, pegava um trem e um ônibus. Era viagem de duas horas, de prancha na mão. Descobriu que só venceria com a faca entre os dentes. Acostumou-se com isso.

 

 

Pedro, Simão e Diana. Foto: Arquivo Pessoal.

O surfista acumulou todos os ônus e bônus de crescer num pico como o Arpoador. Quando garoto, numa etapa do Arpoador do WCT, ganhou uma prancha de Sunny Garcia. Acabou sendo comparado ao surfista havaiano, sem saber exatamente o que aquilo representava.

 

Logo, cresceu e apareceu. Era apontado como um dos melhores amadores do Brasil. Foi capa da Fluir em Pipeline, virou ídolo da garotada do Pavão e do Cantagalo, duas comunidades carentes vizinhas ao Arpoador, sede do Favela Surf Clube.

 

A carreira seguia firme até Simão tomar a primeira grande rasteira do destino. Em 2008, quando estava em 15º lugar no WQS, prestes a se qualificar para a elite do surf mundial, foi

Simão Romão durante o Ecosurf 2011, praia do Pecado, Macaé (RJ). Foto: Pedro Monteiro / Adding Eventos.

demitido pelo patrocinador principal, que alegou mudança de perfil da marca.

 

Um tombo inesperado, até porque o currículo de Simão dispensa comentários: três vitórias em etapas WQS (duas no Arpoador e uma na Costão do Santinho), vitória no trials para o WT 2011 do Brasil, campeão sul-americano, campeão carioca e paulista profissional, campeão do Super Trials, campeão da Seletiva Petrobras e, quando moleque, campeão brasileiro Júnior.

 

Pressionado a pagar contas, começou a pegar dinheiro adiantado para pagar com premiações, e, assim, manter-se como surfista profissional. Não competia mais por resultados, e sim por dinheiro, pelo sustento. Estava tenso, sentindo-se perseguido pelo mercado, pelos juízes.

 

No meio da tormenta, cometeu erros, como a agressão a um banhista que lhe derrubou quando voltava correndo pela areia para o pico, numa etapa do WQS no Arpoador. Mas atire a primeira pedra quem, um dia, sob pressão, não errou.

 

Simão aprendeu a lição, e decidiu concentrar toda a sua gana nas ondas. Sem a prancha no pé, tornou-se um cara mais tranquilo. A despeito do crônico problema financeiro, agora leva a vida de um jeito mais sereno ao lado de sua mulher, Diana, e do filho, Pedro.

 

Aos 25 anos, no auge da forma física e técnica, compete em eventos perto de casa por falta de grana para seguir circuitos. Aproveita todas as janelas oferecidas, como o disputado trials do WT carioca deste ano, que venceu.

 

Simão é um grande surfista, dono de uma personalidade marcante. Um personagem com história rica, diferente da regra do esporte, com uma raça incomum dentro d´água. Mas, ainda assim, está há três anos sem patrocínio, apenas com o apoio da Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj).

 

Se era uma lição que o mercado pretendia dar no surfista, a condenação de 36 meses sem nenhuma marca no bico é mais que suficiente. Se não for isso, por que será que um surfista com os resultados e a personalidade de Simão não tem patrocínio?

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

 

 

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