Depois de 10 anos como diretor executivo da Abrasp (Associação Brasileira dos Surfistas Profissionais), o carioca Marcelo Andrade optou por não continuar na diretoria da entidade em 2013.
Em seu lugar entra Pedro Falcão, que antes ocupava o cargo de tour manager. A nova diretoria foi eleita em dezembro de 2012 e sofreu poucas mudanças.
O ex-top do circuito brasileiro Pedro Müller permanece na presidência, agora com o cearense Dunga Neto de vice e Pedro Falcão de diretor executivo.
Desanimado com a situação do surf nacional, Marcelo optou por não fazer parte da chapa única na última eleição e agora explica os motivos da sua saída. “Nestes anos vi muita coisa errada e não tinha como mudar. Isso foi me angustiando e desanimando”, explica o carioca criado em Pernambuco.
Em entrevista exclusiva ao Waves, Marcelo Andrade fala sobre os melhores e piores momentos que enfrentou na Abrasp, o fim dos circuitos SuperSurf e Brasil Surf Pro, a situação do surf feminino e também do surf amador brasileiro.
Por que decidiu não continuar no cargo de diretor executivo da Abrasp?
Fiquei 10 anos na diretoria da entidade, acreditando que o esporte ficaria mais profissional com o tempo. Na verdade são poucas pessoas que correm atrás para que o esporte realmente tenha credibilidade e organização. Nestes anos vi muita coisa errada e não tinha como mudar. Isso foi me angustiando e desanimando. Fora isso, o que recebemos de remuneração não vale pela responsabilidade que temos. Se eu fosse casado e tivesse filho, não teria como me sustentar. Nem na melhor época de Abrasp, durante os anos de SuperSurf e Brasil Surf Pro, conseguia receber o que realmente valia meu trabalho. Mas, quero deixar bem claro que amava o que fazia e não me incomodava, pois achava que um dia chegaria ao patamar que desejava para o surf e receberia por isso. Depois de 10 anos, a realidade falou mais alto, e com a crise o desânimo foi maior. Achei que tinha que ser justo com a entidade, dando o meu lugar a alguém que estivesse com gás para reverter o quadro de falta de eventos. Estava muito cansado, querendo mudar um pouco de vida. Gostaria de ficar trabalhando com o surf, mas não com tanta responsabilidade.
Você deixa a entidade, mas a nova diretoria sofreu pouquíssimas mudanças. Acha que a tendência do surf profissional brasileiro é seguir enfraquecido?
Realmente a diretoria não mudou muito, mas Pedro Falcão, que entrou no meu lugar, tem muito mais facilidades de vender eventos do que eu. Ele fazia isso quando era presidente da FESERJ (Federação de Surf do Estado do Rio de Janeiro). Fora isso, ele está com muito mais vontade de mudar a situação em que o surf profissional se encontra. A questão do enfraquecimento do surf não é só na Abrasp. O Hang Loose, evento mais tradicional do Brasil, foi cancelado. Quantos eventos confirmados estão marcados para acontecer este ano? A situação é passageira, mas o momento é de crise.
Quais os melhores e piores momentos do tempo em que trabalhou na entidade?
Sem dúvida, o pior momento foi o ano de 2012. A saída da Petrobras abalou muito a situacão do surf profissional brasileiro. A empresa era a maior patrocinadora do surf nacional. Era como o Banco do Brasil para o vôlei. De eventos da Abrasp, só fizemos o Pro Junior da Oakley e o Master da Skol e Oakley. Em 2012, a Oakley foi a empresa que mais ajudou o surf nacional.
Os bons momentos foram muitos. De 2000 a 2011, os surfistas não têm do que reclamar. O surf brasileiro passou por um momento de glamour jamais visto. O BSP deu R$ 1 milhão de premiação, dois anos seguidos.
O SuperSurf fez um grande sucesso, mas foi perdendo força e virou um circuito independente, com etapas válidas pelo WQS. Por que isso aconteceu? E por que durou apenas um ano na ASP?
O SuperSurf foi um sucesso, mas poderia ter divulgado mais seu próprio circuito. Poderia ter colocado seus campeões em páginas de seu próprio grupo, mas não deu tal prioridade. A Abril, dona do SuperSurf, colocou pouco atletas na Veja ou em outras revistas com grande visibilidade. Acho que a mudança para o WQS foi para tentar mudar um pouco e ficar mais livre para fazer o que queriam, sem os impedimentos que a Abrasp determinava. As reuniões da Abrasp com os representantes da Abril muitas vezes eram bem desgastantes. Nem sempre o que um queria o outro aceitava. Foi um desgaste natural de muitos anos de trabalho. Eles conseguiram a liberdade nos WQS, mas estavam no meio de um circuito e não determinavam um campeão. Evandro Abreu, produtor do SuperSurf, foi uma das pessoas mais importantes para o esporte nestes anos de circuito brasileiro. Ele gostava do surf e me ajudou muito dentro de uma empresa gigante, que via aquilo como mais um produto. Foi uma das pessoas que tive mais empatia.
E o Brasil Surf Pro? Por que durou pouco?
O BSP durou pouco porque eles quiseram tirar o circuito da Abril e fizeram uma proposta que deu prejuízo para a Brasil 1, organizadora do circuito, nos dois anos de contrato. Quando viram que o buraco era maior, nos procuraram e pediram para diminuir um pouco a premiação e alguns custos. Faltou sensibilidade à Abrasp na negociação. O conselho não aprovou e eles não renovaram. Ninguém quer ficar tomando prejuizo o tempo todo. Fora isso, a proibição dos atletas do WCT não era muito bem aceita por eles, que queriam mais estrelas nos eventos. Também reclamavam muito de que as revistas especializadas não publicavam nada sobre os eventos, deixando de dar o devido retorno. Esse reclamação é de todos os patrocinadores. Quem quer gastar muito dinheiro para não aparecer em lugar algum? A Petrobras pagava por espaço (publicitário) nas revistas e não aparecia nada sobre o campeonato. Fora os custos do evento, tem que pagar pela mídia. A mesma coisa acontecia nos canais a cabo.
Quais as diferenças entre trabalhar com os organizadores do SuperSurf e do Brasil Surf Pro?
São dois tipos de trabalho diferentes. A Abril era mais surf, porque Evandro abraçou a causa. A Brasil 1 tinha uma forma mais distante de trabalhar, mas respeitava a Abrasp.
Hoje os surfistas pedem a volta do SuperSurf. Como vê isso? Acha que ainda é possível?
Acho que, no momento, um circuito fechado é mais dificil de ser comercializado que eventos separados, mas no mercado pode aparecer alguém interessado, por que não? Acredito que o surf brasileiro vai ter que voltar aos poucos ao patamar que tinha alcançado. Primeiro vai ter que ter mais visibilidade e formar novos ídolos, porque sem eles não tem atrativo. Lembrando que os ídolos do circuito mundial não podem participar de nossos eventos. Acho o formato do surf, em geral, ultrapassado, e falava isso ao conselho nos últimos anos. Se não entrar na televisão, o esporte vai ficar restrito a premiações menores. O Kelly Slater já está preocupado com isso e está em fim de carreira, e com muito dinheiro no bolso. Se não pensarem em algo, o surf vai estagnar.
Na época do SuperSurf, os nordestinos reclamavam bastante das poucas etapas na região e até ficaram de fora do circuito por um tempo. Como viu aquela situação?
Sofria muito com isso e batalhei para mudar, mas a Abril e os patrocinadores queriam os eventos no Sul e Sudeste. Concordava com os atletas do Nordeste. Foi na minha gestão que criamos o circuito nordestino, para os atletas poderem começar e continuar nas suas casas até se consolidarem na profissão. Ajudamos como podemos, mas tivemos muitas limitações. A criação da ANS, com o Geraldinho no comando, alavancou o surf nordestino. Hoje a situação do Nordeste é tão boa quanto à do Sul e Sudeste. Tem patrocinadores fortes, bons eventos, surfistas patrocinados e o Ceará como a grande potência do surf brasileiro .
Como avalia o momento do surf feminino no Brasil?
O surf feminino está numa situação muito delicada. Não teve nenhum evento em 2012. As empresa de surf estão parando com as coleções femininas e os empresários não têm interesse pela modalidade. A visibilidade é pior que dos eventos masculinos e faltam grandes nomes para vender o produto. Hoje, o maior nome do surf feminino é a Claudia Gonçalves, que tem um programa no canal OFF. As federaçoes não têm interesse no feminino, e para mudar o quadro seria fundamental o apoio destas entidades.
Tenho notado algumas desavenças entre federações, principalmente quando o assunto é o circuito da CBS. Qual a sua posição?
Entendo a situação da CBS, mas acho que está faltando mais comunicação entre as entidades. O perigo está na formação de dois blocos, do Sudeste-Sul e do Nordeste. Isso já está acontecendo e refletiu na primeira etapa de 2013, com a participação somente de atletas do Nordeste. Acho o circuito ultrapassado, sem visibilidade e sem atrativos para a molecada.
A crise está grande, e as dificuldades para realização dos eventos estão cada vez maiores. Porém, quando não estávamos em crise, a CBS não valorizava a premiação da garotada. Defender seu estado é nobre, mas o atleta tem que sentir o gosto de ser premiado pelo feito de ter obtido um bom resultado.
Fora isso, acho o formato ultrapassado. Isso é uma opinião minha, não só para os eventos amadores, mas para todos que tenho acompanhado. Temos que nos preocupar com esse circuito, em particular, pois é dele que vão sair os novos Medinas e Pupos.
Quais os melhores trabalhos de federações e associações que acompanhou durante o tempo em que passou na Abrasp?
Isso depende muito da gestão de cada entidade. Na minha opinião a AUS, de Ubatuba, é um grande exemplo de associação. Tem um circuito forte, com formação de grandes atletas, grandes eventos e uma transparência fora do normal.