Mar doce lar

Mundo feito de ondas

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Rick Werneck e Wilclei durante o FMI – Festival de Música Independente em Maceió (AL). Foto: Arquivo pessoal Rick Werneck.
Pare de fazer o que está fazendo e dê uma olhada ao seu redor. Você pode não perceber, mas está cercado de ondas por todos os lados.

 

Mesmo você, que está aí sentado no seu escritório em algum subúrbio de São Paulo. Olhe com atenção e verá.

 

Em nosso mundo estamos rodeados por ondas de todos os tipos. Ondas mecânicas, sonoras, luminosas, ondas de rádio, eletromagnéticas, etc.

 

Graças às ondas é que existem muitas das maravilhas do mundo moderno, como a televisão, o rádio, as telecomunicações via satélite, o radar, o forno de microondas, e…  O surfe.

 

Dono de um belo estilo, Binho Nunes foi um dos integrantes da série de vídeos Cambito, do diretor Pepê Cesar, sucesso dos anos 90. Foto: Rick Werneck.
O homem sempre sentiu fascínio e curiosidade pelo mar. Sempre se sentiu atraído pelo eterno relacionamento ambíguo de risco e prazer gerado pelas ondas do mar.

 

Explorar e aprender os segredos do mar sempre foi condição essencial para sobreviver a ele, porque o mesmo mar que nos dá prazer pode ser dramático ou até mesmo fatal.

 

Para a grande maioria dos surfistas, as ondas do mar estão diretamente relacionadas a um outro tipo de ondas, as ondas sonoras.

 

Quantas manobras praticamos depois de assistir aos vídeos de surfe inúmeras vezes, embalados por alguma trilha sonora que se eterniza dentro de nós quando finalmente conseguimos executar a manobra.

 

Uma música, ou até mesmo um simples solo de guitarra, é capaz de transportar um surfista para momentos ou lugares inesquecíveis.  Não precisa ser músico, basta ter ouvido a tal música em um dia de ondas clássicas.

 

Por causa destes momentos memoráveis, o surfista reinventou a surf music como era conhecida, desde que nasceu nas praias da Califórnia.

 

Se no passado ela se caracterizava pela inconfundível guitarra do pai da ?surf guitar? Dick Dale e por bandas como The Ventures, hoje em dia qualquer tipo de música que nos instigue a surfar é surf music.

 

O estilo musical independe da qualidade do surfe, como ficou provado no premiado vídeo SambaTranceRock?n?Roll, de Rafael Mellin, com Bernardo Pigmeu, Danilo Grillo e Marcondes Rocha.

 

A força dessa atração surfe/som é tão grande que músicas que não são qualificadas como surf music por seus autores recebem este título dos surfistas e passam a ser suf music de fato e de direito.

 

Uma vez fui jantar com a galera da banda australiana Gang Gajang, depois de um show no Rio, e o baixista estranhou a classificação de surf music para a música deles, já que para a banda era simplesmente ?australian rock?.

 

Expliquei que o som das bandas australianas chegou ao Brasil através de vídeos de surfe dos anos 80 e que embalou inúmeras matérias do programa Realce nas tardes de sábado.

 

?Por conta do surfe é que vocês ainda enchem shows aqui no Brasil, quinze anos depois?, expliquei. Já durante os anos 90, a geração que consumia vídeos de surfe foi apresentada ao som das bandas californianas como Offspring, Pennywise e Bad Religion, entre outras.

 

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Marcondes Rocha, Bernardo Pigmeu e a galera da praia do Francês (AL): surf e música juntos na mesma onda. Foto: Rick Werneck.
É impressionante, mas, até hoje, quando ouço o CD ?Oneness?, da fase mais mística do guitarrista Carlos Santana, volto aos meus dezoito anos e me vejo dentro do meu fusquinha vermelho, com prancha single fin no teto, seguindo para Saquarema pela estrada de Jaconé.

 

Quando ouço Men Without Hats sou transportado para Bali, nos anos 80, pegando a estreita trilha, cheia de pedras (onde hoje, infelizmente, passa uma estrada), montado numa moto 100cc junto com meu ex-sócio Beto Santos.

 

Já quando ouço a banda alagoana Living In The Shit lembro do Cambito, clássica série de vídeos brasileiros de surfe dos anos 90 ?

Os alagoanos do Living In The Shit foram destaque do FMI em Maceió. Foto: Rick Werneck.
do premiadíssimo diretor Pepê César ? que apresentou, pela primeira vez, a elite do surfe brasileiro sob o ponto de vista do estilo.

 

O negócio era fazer arte disfarçada de manobra de surfe e música, mostrando o que Binho Nunes, Renato Wanderley e outros talentos natos faziam em termos de manobras.

 

Vencedor de campeonato, ou até de circuito, sem estilo não tinha a menor chance, era barrado na fita. Não adiantava pedir. E olha que muitos pediam mesmo. Mas não tinha jeito.

 

E por falar em Living In The Shit, eles se reuniram em nova formação e fizeram o show de encerramento do FMI ? Festival da Música Independente (fmimaceio.com.br) em Maceió, um evento corajoso que teve abertura memorável do eterno baiano e mestre Tom Zé, que valeria uma coluna inteira se aqui falássemos de música.

 

O festival ? idealizado pelo surfista e advogado André Frazão (com quatro meses de Indonésia nas costas) e seu sócio Railton Junior ? em alguns momentos, reuniu ondas sonoras com ondas do mar.

 

Vários corpos salgados se apresentaram no evento. Além do Living In The Shit, o ex-baterista da banda Juninho criou a ?one-man-band? Sonic Junior e apresentou um dos melhores e mais movimentados shows do evento.

 

Wado, irmão do shaper catarinense João Schilickman, que divide seu tempo entre Floripa e Maceió, nem precisou cantar, já que o povo da cidade que o adotou conhecia as letras e soltou o gogó.

 

Fernando Catatau, da banda Cidadão Instigado, também tem um passado de surfe nas ondas de sua terra natal, o Ceará, enquanto os locais da praia do Francês Tatai e Dao, este filho do Sergio Fireman, de apenas 15 anos, mostraram o valor da nova geração alagoana com os Insanos do Rap.


Música e surfe andam cada vez mais juntos, como mostram os surfistas/músicos Gabriel O Pensador, Tico dos Detonautas, Digão dos Raimundos e a galera do Dibob, para citar alguns.

 

No meu caso e do meu parceiro Wilclei, a preparação para o show da Santa Máfia foi feita em ondas de até um metro, com terral, na praia do Francês – terra de Marcondes Rocha e Bernardo Pigmeu – com os amigos Sergio, Jiguerê, Dao, Fred, Frazão, Pig, Julio Adler e Maristela.

 

De noite, com a cabeça carregada de marolas perfeitas, o sal bombou forte na veia e o som do mar invadiu novas mentes. Saí do palco a mil por hora, já pensando nas ondas do dia seguinte.

 

No outro dia segui para o Francês ao som de Sonic Junior, surfei a manhã inteira e finalizei a viagem em Maceió, no Wanchako, considerado o melhor restaurante de comida peruana do mundo ? dos amigos José e Simone Bert ? com um maravilhoso Festival de Cebiche ao som de Stan Getz.

 

Não dá para querer mais do que isso, dá? A vida é como um filme, e todo filme tem uma trilha sonora. Qual a sua?

 

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