Não pressionem Neco Padaratz

Neco Padaratz, campeão do Quiksilver Pro 2002 em Hossegor, França

No ano passado, Neco Padaratz brilhou na França com vitória no WCT, assistida de perto por Andy Irons (de camisa rosa). Foto: Ellis/ASP.

Não apostem em Neco Padaratz! Pelo bem da nação, não esperem que ele brigue com Andy Irons e Kelly Slater pelo caneco máximo do surfe em 2003!

 

Tirem de suas costas, por favor, toda a pressão de candidato à conquista inédita do WCT para o Brasil. Eu poderia simplesmente alegar que ainda não temos chance de brigar pelo título ou que há outros conterrâneos entre os Tops que podem chegar lá. Mas, não, não é nada disso, minha questão é pessoal, com o Neco mesmo.

 

Calma. Antes que os irmãos Charles e Flávio pensem em me juntar na esquina, deixe-me explicar o porquê do pedido maluco. Sem querer desmerecer outros mitos nacionais – como o maior de todos os tempos Fabinho Gouveia -, Neco pinta de novo como o candidato brasileiro à coroa da elite, o cabra marcado para ganhar o WCT na sua geração.

 

Não necessariamente por ser melhor surfista que seus conterrâneos (na ASP isso não é tudo), mas por uma conjunção de fatores que vão desde as conquistas recentes ao jeito arredio (que acaba impondo respeito dos gringos), passando pelo inglês fluente – ele morou nos Estados Unidos e na Austrália.

 

É aí que está o problema. Tudo está muito azul, o circo parece estar armado para o seu sucesso. E Neco não lida bem com o mundo previsível das competições. O cara gosta de ser surpresa, de brilhar na festa que não foi convidado, de ressurgir como fênix, das cinzas.

 

Vamos aos fatos: Em 1996, surpreendeu o mundo do surfe ao se classificar para o WCT na primeira temporada de WQS. Dois anos mais tarde, já apontado como nova força do circuito, assustou o mesmo circo ao sucumbir a uma gastrite crônica, que o tirou do circuito. Material de primeira para os intrigueiros de plantão, que o acusaram de não ser capaz de aturar a barra das viagens do WCT.

 

Em 1999, quando ninguém mais botava fé no garoto, sua estrela brilha no WQS de Hungtinton Beach (EUA), na época considerado o maior evento de surfe de todos os tempos, com 400 e tantos inscritos. Neco sai das triagens, passa 1001 baterias e fica em terceiro na final, ganhando um convite para disputar o WCT na mesma praia, contra seus ex-colegas.

 

Brothers Padaratz. Foto: Pierre Tostee/ASP World Tour.

Com a gringalhada de cabelo em pé, ele arrepia nas merrecas e ganha o campeonato numa inédita final brasileira contra Fabinho. Antes do ano acabar, subverte as estatísticas ao conquistar a vaga novamente na elite precisando de duas vitórias nas últimas provas da temporada. Fez o que era preciso, em Floripa e no Ceará.

 

Vitórias deixaram de ser surpresa. Condição ideal para Neco sumir. Em 2000, 2001 e parte de 2002, foram poucos momentos de glória. Ele passou, se minha memória não falha, cinco etapas sem vencer uma bateria sequer, sofreu um acidente em Teahupoo que quase lhe custou a vida e deixou traumas, foi acusado de amarelar para a etapa taitiana do ano seguinte e sofreu com uma  hérnia de disco que o deixou fora de etapas importantes.

 

 

Neco estava no limbo, desacreditado mesmo. Aí, quando suas conquistas deixaram de ser óbvias, ele vai e vence na França e é vice na Espanha, disputando as duas finais com o atual melhor do mundo, Irons. Chega no Havaí e, para espantar os abutres que falavam de suas limitações em ondas grandes, faz semifinal em Sunset. Bom sinal para suas pretensões no WCT de 2003, mas entra o ano e pimba, ele perde o seu patrocínio principal.

 

Hora das maricotas alardearem que ele é desequilibrado, sensível demais para ser profissional. A resposta: Neco vence o WQS bancado por seu ex-patrocinador, nos tubos respeitados de Noronha.

 

A personalidade não muda fora d´água. Lembro de uma entrevista que fiz com ele em 99 para o Jornal do Brasil. Liguei para o Joãozinho Carvalho, assessor de imprensa da Abrasp, pedindo o contato do figura. Ouvi: “Cabra, vai ser difícil, viu? O homem corre da imprensa até depois de vencer os campeonatos…”. Tentei via Teco que, sempre solícito, me deu o telefone dele e o mesmo toque, mas disse que não custava tentar. Liguei para o Neco cheio de dedos e, como sempre, me surpreendi. Foram 60 minutos de papo e uma boa matéria.

 

Neco Padaratz gosta de surpreender os adversários. Foto: Ellis/ASP.

O discurso dele segue a mesma trilha surpreendente: fala em filosofia, emenda o assunto de método de trabalho com a necessidade de ganhar dinheiro e torna-se monossilábico nas perguntas mais delicadas. Deixa claro que não está disposto a contar sua intimidade a estranhos – mesmo sendo um surfista que, como todos os outros atletas profissionais, precisa de mídia para sobreviver. O curioso é que essa rebeldia acaba atraindo mais o foco dos refletores.

 

Minha última surpresa, antes disso tudo parecer óbvio demais: descobri que o cara era poeta! Escreve, de modo inocente e compulsivo, palavras rasgadas sobre seus  sentimentos. Ficou cada vez mais fácil entender o seu surfe expressivo e seus gestos contundentes após vitórias ou derrotas.

 

Pura sensibilidade. Neco é um cara especial, dono de um talento raro e capaz de dar ao Brasil um título mundial inédito – quando todos menos esperarem. Ou quando conseguir vencer para sempre o seu maior adversário na luta pelo caneco: ele mesmo. Depois, dá para pensar em Irons e Slater.

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