Nos dias 6 e 7 de setembro, fui a Baía Formosa (RN) depois de 14 anos. A visita ao venerado pico do Pontal não poderia ser em uma ocasião melhor. Fui convidado para participar de uma confraternização inédita em que os legends do surf do Nordeste seriam homenageados.
Organizado pelo também legend Helder Amaral, mais conhecido como Longarina, o encontro resgatou muitas histórias do passado. Histórias essas que cresci escutando e me inspirando quando era ainda moleque, no distante início dos anos 80.
A escolha dos nomes foi passada por cada associação dos estados, o que de certa forma causou certas controvérsias e mal estar. Mas logo nas primeiras palavras ditas por Helder quando a sessão na Câmera dos Vereadores de Baía Formosa fora iniciada, relatou este fato. O que se mostrou um episódio super difícil, dada a importância de tantos nomes em cada estado, deu lugar a um incentivo para que outras edições rolem no futuro, e se possível também em outras cidades, outros estados. O que foi plantado naquela noite de sábado pode ter sido um grande passo para que as lendas do surf sejam preservadas e relembradas sempre, e o esporte ganha com isso.
Foi demais reencontrar toda aquela turma, caras que apesar da idade e muitas vezes de “carcaças” envelhecidas pela água salgada e sol, se encontravam em plena juventude entusiástica. No mínimo dava pra denominar todos como os “inoxidáveis”. O presidente da PBSurf, Alexandre Palitot, encabeçou a cerimônia, que na real dispensemos aqui o protocolo, pois ali se tratou foi mesmo de um enorme bate-papo muitíssimo descontraído.
Foram tantas homenagens que fica difícil lembrar de todos e de tudo o que foi dito, mas seguem os nomes da turma boa que estava por lá. De Pernambuco e compondo a mesa estavam Fernando Paiva, o Murrinha, que deu ótimas declarações do início do surf na região, onde no fim dos anos 60 já haviam registros de surf. Bem humorado, começou dizendo que “entre o ser e o estar, estamos aqui sendo a história. Não porque nós começamos, mas porque nós a vivemos. Tivemos o prazer de conhecer muitos de vocês quando ainda sequer havia energia nestas praias. O prazer foi nosso, a alegria foi nossa. E o retorno é estar aqui com vocês”.
Também de Pernambuco estavam o shaper Ricardo Marroquim e Napinho, de quem tenho a lembrança de ver muitos aéreos com uma prancha toda amarela quando fui em BF pela primeira vez, levado por Paulo Bala, por volta de 83. Na mesa também o shaper paraibano Eduardo Titi, incentivador do surf nos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte e que inclusive sorteou uma BF (marca de suas pranchas) entre os homenageados. Entre agradecimentos, Titi relatou a nação do surf como um dos esportes em que os praticantes seriam mais unidos, incluindo inclusive a hospitalidade dos nordestinos. Citou Fernando de Noronha e principalmente a hospitalidade dos formosenses, que sempre acolhem todos com muita alegria, tal como Dona Regina, Dona Raimunda e Dona Francisca, respectivamente mães de surfistas como Israel “Vibration”, Figueiredo e dos irmãos João Maria e Chicó, todos legends locais.
O espaço público foi representado pelo vereador Antônio Madeiro, que parabenizou todos e dispensou comentários ao surf, tendo em vista todos os relatos já citados pelos homenageados presentes. O fotógrafo carioca Nelson Veiga, também conhecido como “Bicho”, um dos primeiros a fotografar e publicar em revistas de surf uma foto de BF, estava como convidado especial. Mais uma vez boas histórias e aplausos. Nelson, além de nos saudar com sua presença, claro, do alto de sua profissão não poderia deixar de registrar todo o encontro, e diga-se de passagem, com enorme prazer.
Foi lido pelo mestre de cerimônia, Palitot, um texto de um dos grandes incentivadores do surf nordestino e enciclopédia viva do surf brasileiro em geral, Chico Padilha, que não pôde comparecer ao encontro. Carregado de “linkagens”, o texto fazia um passeio na história. Foi muito aplaudido. Saturnino Borges, da Federação e também grande incentivador do estado do RN, tomou a palavra e foi logo lembrando um dos homenageados, Luruca Soares, descobridor da praia da Pipa e que subiu ao palco emocionado e agradeceu pela lembrança.
O também potiguar e hoje “master” Almeida Junior agradeceu pelo aprendizado de vida e competitividade, citando o seu mestre, o legend shaper Ronaldo Barreto, das famosas pranchas Radical. Em sua fala, além de agradecer à iniciativa de Helder Amaral pelo encontro, Ronaldo aproveitou pra homenagear importantes nomes do surf no estado. Foi o caso de Claudio Pachá, Tibério e Quirino Maia, todos já falecidos. Barreto chamou todos os presentes da “família” e brincou que se ficasse contando histórias ali seria papo para uma semana, um mês.
“Tunino” Borges chamou ao palco a esposa de Claudio Pachá, que subiu emocionada para receber o diploma e logo depois aproveitou para homenagear também Gustavo Aguiar, promissor do surf pernambucano falecido em 96. Gugu, como era chamado por todos, venceu o primeiro evento da associação do estado no ano de 88, nas ondas do Pontal de BF.
Na sequência, apareceu de camisa de gola e engravatado numa estilêra danada o legend Pereira, que também segue shapeando. O alagoano lapidado nas ondas do Francês foi o primeiro profissional de sua cidade e falou sobre o início no surf, quando era desacreditado e marginalizado perante a sociedade, mas que depois de muito esforço honesto, chegamos até os dias de hoje provando totalmente o contrário, ou seja, que o surf era um esporte do futuro e que hoje colhe seus frutos.
O ferrenho competidor master na atualidade, Fred Vilela, assumiu o microfone e citou Jorge, outro alagoano presente, proveniente da segunda geração daquele estado. Ali fora homenageado Caiã Porto, falecido surfista talentoso que tinha uma linha muito bonita de manobras graciosas e fortes.
Marroquim volta à cena contando que em 82 havia ido pra Pipa, e na volta a Pernambuco deu um pit stop em BF, onde foi bem recebido pelos locais Zé Pretinho, Israel e João Maria, entre outros que disse não lembrar, mas reforçou a hospitalidade, dizendo que as coisas mudaram, mas a característica acolhedora da turma permanecia a mesma. E Fernando “Murrinha” entra em fala mais uma vez, e em tom de descontração, fala: “É necessário dizer que tudo o que nós vivemos valeu a pena. E a prova disso é que agora é que vai começar realmente a história do Brasil com essa façanha do Medina e os seus point breaks, entendeu? Porque ele surfando como nós fazíamos isso aqui, prova que o primeiro lugar que teve um aeroporto e o lugar que mais teve aéreo que eu conheci na minha vida foi Baía Formosa. Sempre um lugar que teve primeiro o aéreo foi Baía Formosa. Então Baia Formosa é uma marca e essa marca vai ficar na história”.
Bom, nesse momento foram muitas, mas muitas risadas. E aí entra em cena o baiano Fredão e diz “É isso aí, galera! Maior emoção estar aqui. Fiquei pirado quando soube desse evento dos legends. Pra começar esta história dos legends, tem que passar 55 anos de surf pra ser chamado de legend. E aí fui cavando daqui, dali, saiu uma foto aqui outra ali… Acho que minha primeira foi em 73 e isso despertou uma enorme curiosidade nos meus amigos de infância, da galera da minha praia. A turma pirou quando a foto saiu. Mas digo, né? A inveja rola mesmo, todo mundo quer ser legend, a verdade é essa, todo garotão hoje quer ser legend, brother! E essa união é massa, é difícil ser legend. Tô vendo aqui um monte de coroas e muita gente da minha geração já morreu (nesse momento as risadas foram muitas e um dos presentes disse “Eita, então passou dos legends!”). Outros estão coroas demais e não estão mais surfando, aí eles olham pra mim em Salvador e falam “Pô, meu irmão, você é o legend? Só sobrou você (muitas risadas)? Só! E aí virou até comédia, virou piada. Antes de vir pra cá, avisei a todo mundo na Bahia: Galera, tô indo pro legends (risos)! E neguinho ficou com a maior inveja (risos)! Bom, fico muito emocionado em estar aqui, pois aqui ganhei o meu primeiro troféu em 78 e depois comecei a ganhar outros em meu estado”, relatou Fredão sob mais aplausos dos presentes depois do seu discurso carregado de bom humor.
Na sequência, “Longarina” começou a chamar a turma da Paraíba quando Chicó Moura começa a falar que aquele pedaço de terra tem muita história e que não dava pra falar tudo ali, mas que a galera da PB tinha uma relação muito forte com BF, tendo em vista que muitos surfistas do estado tiveram residências ali muitos anos atrás. Chicó estendeu os créditos para os também pioneiros e primos Germano e Ronaldo Moura (GR Surf Boards) e seu irmão Joca Maguari, além de Adolfo Maia, na época conhecido como “Coqueiro”.
Moura homenageou Wellington Bandeira, atualmente com dificuldades de saúde, um dos pioneiros e que com certeza conseguirá se recuperar pra estar entre nós. O legend Klécio, da K&K, falecido este ano, também foi lembrado como paraibano, juntamente com seu irmão Kleber. Chicó disse ter muitas histórias boas pra contar, mas que algumas não poderia falar ao público e também não queria se alongar, pois ainda tinha muita gente que iria falar naquela noite.
É quando sobe ao palco Adriano Henriques, vindo de Miami com a família, onde reside há muito tempo, especialmente para o Surf Legends Nordeste. Além de um dos pioneiros nos picos da região, como, por exemplo, “as Cardosas” (PB) – juntamente com Joca Maguari -, onde precisavam abrir trilhas com facões para terem acesso, Henrique foi também presidente da ASPB (Associação Paraibana de Surf) nos primórdios da organização do surf na região.
Já próximos ao final, Paulo Bala, meu primeiro shaper e incentivador de minha carreira, entra em cena. Emocionado, relatou ter ido pra BF em 76, quando em um passeio de bugre pelas dunas com um amigo natalense chegou ao pico e ficou apaixonado. Bala lembrou do campeonato na praia do Farol, em 78,onde relembrou a vitória do baiano “Fredão”, que não via desde épocas passadas.
Joca Maguary tomou a fala com seu chapéu estilo panamenho, dizendo que em suas maiores expectativas nunca imaginou que depois daquela primeira vez que chegou a BF com uma prancha de madeira da marca Procópio (fabricante de mesas de ping-pong) amarrada com nylon na capota do carro de um amigo, o surf iria chegar a esse estágio. E aí foi quando seu irmão Chicó Moura resolveu falar sobre a pesada Procópio, relatando as duras caminhadas na cidade de João Pessoa entre os bairros Dos Estados e Bessa. “Éramos três caras carregando a ‘bicha’ e um certo dia resolvemos enterrá-la na praia, mas no dia seguinte nada de prancha e nunca mais a vimos”.
Encontro na Câmera finalizado, todos seguiram para a praça central, onde rolava um show de reggae da banda paraibana Pé de Côco, para receber os diplomas em frente ao grande público presente. Todos os legends postados para a foto histórica e depois foi só caírem todos no ritmo do reggae.
No dia seguinte, estava previsto um surf da galera no Pontal, mas as ondas estavam bem baixas. Como o mais importante tinha sido o encontro propriamente dito na Câmera Municipal, a galera acabou abortando a session. Mesmo assim, eu, Ronaldo Moura e Fred Vilela ainda surfamos, tendo a felicidade de ter também o legend Nelson Veiga fazendo o registro.
Chicó Moura optou pelo kite surf e Ronaldo Barreto remou de SUP com a esposa Vanessa. Os locais João Maria e Chicó, apesar das condições, estavam soltos na vala, juntamente com Chupetinha, Romário e outro moleque da nova geração, um regular magrinho que surfava com uma prancha com pintura que parecia uma cobra coral. Não lembro seu nome, mas tenho a certeza de que terá um futuro promissor, tal como seus antecessores recentes, Alan Jones e Italo Ferreira.
A surpresa foi a entrada no mar de Israel “Vibration”, que pegou um par de ondas desempenhando em seu estilo “old school”, pra delírio da rapaziada. Feliz demais por ter revisto muitos amigos, fiquei pensando: “que encontro!”. Que venham os próximos para que os que ficaram de fora deste também sejam homenageados e que sigam se formando os legends.
Mais uma vez agradeço o convite pra participar desta edição e parabenizo mais um vez Helder Amaral pela grande iniciativa.