Muitas Águas

Nos tempos da Kombosa

Kombosa estacionada na praia da Tiririca, Itacaré (BA) na década de 1980

Kombosa estacionada na praia da Tiririca, Itacaré (BA) na década de 1980. Foto: Arquivo pessoal.

A maioria das ?primeiras coisas? nos marca mesmo. É assim que me refiro à Kombosa, meu primeiro carro, a primeira barca.


Lembro-me como se fosse ontem, ainda garoto, aos 12 ou 13 anos de idade, entrando no carro de minha irmã Rosana, na época com recém-completados 18 anos, e viajar em meus pensamentos, imaginando como seria dirigir mundo afora atrás das ondas.


Isto era entre os anos de 1977 e 78. Ficava horas na Brasília dela, ouvindo um som, querendo adiantar o tempo e poder pegar a estrada com minha prancha.


Um carro realmente mexe com a gente. Qualquer garoto fica na fissura de poder um dia conquistar sua liberdade sobre quatro rodas.


De tanto ir escutar um som no carro da minha irmã, acabei tomando algumas broncas por me atrasar para o jantar e também a pior de todas, que foi por descarregar a bateria do carro dela logo no primeiro mês.


Bom, nada que o tempo não cure. Agora estamos em 1982 e com uma promessa a ser cumprida. Meu pai me garantiu que se eu passasse no vestibular, ganharia um carro. Acabei passando em 1983, mas já estava dirigindo o Chevette da minha mãe, com suas incríveis quatro marchas. É, não tinha cinco marchas naquela caranga e, olha que era um carro e tanto!


Mas o dia da minha entrada na faculdade chegou e com esta data a realização de um grande sonho: o primeiro carro.


Meu pai me disse: “Filho, parabéns pela faculdade, agora vamos escolher seu carro. O que você estava pensando como primeiro carro?”. Respondi: “Sério pai, meu sonho é uma Kombi”.


Ele quase caiu pra trás! Achou uma loucura, perigoso e estranho. Mas de tanto insistir, convenci que um grande amigo meu, o Bruno Alves (fundador da revista Fluir, fotógrafo, surfista e aventureiro) havia comprado uma e transformado num motor-home para rodar o país para surfar e que queria seguir o exemplo dele.


Bom, a Kombi zerinho chegou e aí começou a jornada para deixá-la toda equipada. Encomendamos um kit na empresa alemã Karmann-Guia que dispunha de um módulo especial para Kombi. Fui também numa empresa que fazia impermeabilização acústica e térmica para automóveis que transportavam alimentos e outros materiais.


Emborrachamos todo o veículo para evitar a corrosão que certamente viria, pois passaria com ela por muitas estradas de terra e caminhos que nem existiam na época e se faziam pela praia mesma, como parte da estrada Rio-Santos, ainda em construção.


Tiramos o estepe e colocamos na frente da Kombi. Uma funilaria na Vila Madalena ficou por conta de recortar a lataria e instalar uma janela lateral comprada de uma Saveiro e adaptada à lateral do carro.


Aí veio o som e demais acessórios. Dentro dela tinha uma cama de casal que virava sofá durante o dia, com armário, gavetas, geladeira, fogão duas bocas e toda decorada com altas fotos e visuais de ondas.


Ah, faltava o rack, que na época era o weekend. Brother, o carro ficou tão lindo que até meu pai quis dormir dentro!

 

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Kombi atravessa as puras e cristalinas águas de um riacho à caminho da praia de Castelhanos, Ilha Bela (SP). Foto: Arquivo pessoal.

Posso dizer que ali começou uma das fases de maior aventura de minha vida. São tantas aventuras, que precisaria de dias escrevendo para contar cada uma delas. São muitas fotos também, mas aqui vão apenas duas para dar mais asas à imaginação de cada um.


O que queria mesmo é agradecer a Deus pela oportunidade de vivenciar estas aventuras únicas que vivi numa época de um Brasil com muito menos violência.


Agradecer aos inúmeros amigos que fiz por boa parte do Brasil que estive com ela. Aos meus amigos Bruno e Alberto, que me inspiraram. Ao meu pai (hoje já falecido) e à minha família por terem me apoiado com algumas idéias inicialmente meio estranhas para eles.


Agradecer ao site Waves, ao Claudjones, Juninho e equipe da redação, aos internautas que compartilham minhas narrativas e, claro, a Kombosa, que me levou à tão sonhada liberdade por tantos lugares.

Acabei ficando com o carro por exatos 10 anos, quando então resolvi fazer a última viajem com ela de despedida.


Tinha o sonho de sair da praia da Joaquina, aqui em Floripa e após surfar umas ondas, guardar a prancha no carro (a Kombosa é claro!) e ir até o Oceano Pacífico, no Chile. Tirar então a prancha da capa, ainda com um pouco de maresia aqui do Atlântico e surfar ondas de sonho em Pichilemu e Punta Lobos (1993).


Depois seguimos até a Patagônia, Argentina, visitando alguns dos lugares mais belos do mundo, com geleiras, glaciares, montanhas nevadas e planícies sem fim.


As imagens ainda renderam uma exposição no shopping de Floripa, com direito a destaque em jornais e televisão. E quem era a grande atração? A Kombosa é claro.


Bom, na volta vieram os filhos e outras estradas. A vida continua sem a Kombosa, que sabe-se lá onde está, e o que poderia contar aquela querida Kombi, meu primeiro carro.

 

Veja mais trabalhos do fotógrafo Motaury Porto no blog Surfoto.

 

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