Em plena época de pesca da tainha, com várias praias fechadas no litoral catarinense, uma escapada até Jeffreys’ Bay caiu feito uma luva. Se para mim, o fato de apenas acelerar naquelas longas paredes para a direita já foi o ápice, para o guarujaense Victor Bernardo foi uma exelente oportunidade para conhecer e praticar em uma onda cultuada por milhares de surfistas do mundo inteiro.
A carreira de Vitinho é promissora e vem sendo bem preparada pela Hang Loose, que conta Paulo Kid, ex-surfista profissional e agora técnico. A viagem nestas duas últimas semanas de junho já estava programada havia meses, mas depois da conquista do título brasileiro sub 20 em Itamambuca (SP), recentemente, nada como um treino preparatório para o futuro no surf profissional.
Apesar da dificuldade atual do mercado, com tantas marcas balançando as pernas e a Billabong sem conseguir promover seu evento tradicional em Jeffrey’s, este parque é assediado, logo penso que não vai demorar para outra marca abraçar a etapa caso ela não aconteça no ano que vem.
Se existe um respeito à Billabong ou não, o segundo ano sem um WCT nas clássicas direitas não é sinônimo de adeus. Os interessados buscam Jeffreys para aprimorar o surf. “Adriano de Souza vem aqui desde cedo”, relatou Paulo Kid a Victor Bernardo. “E você viu o resultado dele no evento no ano passado? Campeão!”.
Nosso coro foi simultâneo ao relatarmos a dificuldade de se competir em J-Bay. A onda é veloz, o tubo é mais acima da parede na maior parte da extensão da onda. Manobrar com categoria, no crítico, com velocidade e sem perder o tubo, requer conhecimento, ou seja, muito treino.
Victor sentiu isso, apesar de sua enorme adaptação à onda. Em seu primeiro surf, já impressionou todos na água com sua velocidade e manobras aéreas. “De onde vem esse garoto? Ele é daqui da África do Sul”, perguntavam. O fotografo Jeff Munson, que vive no México e é cadeirante devido a um acidente no pico (fraturou a coluna cervical em 2002), estava de passagem por J-Bay quando viu o “furacão negro” voando baixo.
Quando descobriu que Vitinho era brasileiro. ficou maravilhado, soltou muitos elogios em um mix de inglês com um portunhol procedente de um casamento de três anos com uma brasileira e visitas a Maresias, litoral Norte paulista. “Você fantastic”, dizia o gringo.
Seu surf cativou todos, e rapidamente Victor fez muitas amizades, incluindo o hot grommet de 14 anos Adin Masencap, de Cape Town, que também estava em Jeffrey’s treinando. O moleque, que surfava com as pranchas da Safari, produzidas pelo legend Spider Murphy, era franzino, mas tambem dá sinais de que vai representar muito bem o surf sul-africano no futuro.
Desde 2006 eu não ia a Jeffrey’s. A cidade cresceu e um grande shopping center a uns 3 quilômetros do centrinho foi construído em um local que era apenas pasto. Muitas lojas e bancos rumaram para lá. No entanto, o cineminha (o proprietário cobrava o ingresso, vendia a pipoca e botava o filme pra rodar) ao qual costumávamos ir na Gama Road – principal via de Jeffreys e que corre paralela à praia – vizinho ao supermercado Spar, não exite mais.
“Faliu”, contou um senhor que me levou ao aeroporto de Port Elizabeth no dia de minha partida. “No inverno, J-Bay continua pacata, mas na alta temporada muitas famílias vêm do interior e fazem daquilo ali um frenesí”, disse. “Sem o evento de surf, perdemos um ‘extra’ na baixa temporada”, lamentou o senhor.
Umas das coisas que relatei para Victor foi que estava estranhando a temperatura em J-Bay. A água, apesar de gelada, estava boa e a temperatura agradável não me trazia boas sensações, pois nunca tinha visto aquilo ali quente e com ondas. Muito pelo contrário: só peguei clássico quando vinha tempo congelante. Lembrei até de uma vez em que eu e Peterson Rosa nos preparávamos ainda escuro para um treino antes de um evento.
Os pingos de chuva que caíam pareciam agulhas de estalactites congeladas despencando sobre nossas cabeças. Era engraçado, pois um ficava mandando o outro sair e quando botávamos o pé na varanda do apê, voltávamos tremendo de frio. De fato, a maior ondulação que pegamos nestes dias, cerca de 1 a 2 metros na série, entrou com tempo bom.
Não ficou o clássico, mas deu pra se divertir e praticar bastante. O vento na cara da onda dificultava as manobras e a permanência tranquila nos tubos, devido aos batentes que se formavam. De fora da água parecia clássico, mas de dentro estava bem difícil. Victor saiu da água mais cedo em determinado momento, reclamando da condição.
Paulo Kid, que nos filmava, disse-lhe para voltar, pois com aquelas ondas mesmo difíceis, se houvesse um evento, com certeza o dia de disputas estaria em ação. Quando Victor retornou ao outside, reforcei o palpite de Kid e até me pilhei mais um pouco, pois mesmo também achando as condições difíceis, pensei logo que dificilmente teria um dia como aquele no Brasil.
Ficamos um bom tempo na água e aproveitamos também que o crowd do dia anterior, quando as ondas estavam lisas, já não existia. Um dia antes do swell, havia levado minha prancha ao conserto por ter quebrado a quilha quando saía de uma onda no último segundo. Procurando uma antiga fábrica nos arredores de J-Bay, acabamos encontrando o legend Derek Hynd, que há anos vive no paraíso das direitas.
O australiano, que perdera um olho surfando em um evento em Durban em décadas passadas, ficou feliz em me ver e, é claro que nossa felicidade foi enorme – digo minha e de Paulo Kid, já que Bernardo não fazia a mínima ideia de quem era o “caolho”.
“Fabio! The style man!”, me elogiou. Agradeci envergonhadamente, quando Derek, ao mesmo tempo, me aprensentava a Mikey Meyer. “Hey Fabio, esse cara aqui é o melhor surfista da história de Jeffrey’s! Você precisa ver sua linha e estilo!”.
Neste momento, Kid nos chamou para uma foto e aproveitamos e apresentamos Vitinho a Derek. “Este é o grande sufista que eu estava assistindo em Jeffrey’s hoje?”.
Derek ficou simplesmente maravilhado com Vitinho e assombrou-se mais ainda diante de sua idade. “Ele só tem 16?”, exclamou em alto e bom som. Depois de contarmos parte da história de Hynd, Victor também maravilhou-se. E mais ainda ao ver Derek surfar com suas pranchas sem quilhas, apenas com as profundas canaletas. Ô negócio doido!
Algumas delas com rabetas assimétricas e só canaletas! A session da tarde rolou clean. Mr. Hynd vinha mais que deslizando, vinha voando em derrapagens e 360’s em alta velocidade. Que coisa maluca, nunca tinha visto Derek surfar com aqueles modelos ao vivo. Fiquei doido! Morria de rir, tal como outros surfistas no pico, que, mesmo acostumados, abriam sorrisos e exclamações.
Derek surfa agachado, para que o baixo centro de gravidade lhe dê um melhor balanço. Para pegar tubos, as pranchas “finless” funcionam apenas quando estão em alta velocidade, contou ele. Em determinado momento, quando Derek vinha a milhão em uma onda, um bump no meio da parede o desestabilizou. O “caolho” deu uma cambalhota em alta velocidade. Meu Deus, o cara de 56 anos parecia um guri! E haja joelhos! Quando o mar baixou, fomos ver a bicharada: leões, girafas, enfim, parte de passeios turísticos disponíveis nas proximidades de J-Bay.
Não faltou também o pulo em um dos maiores bungee jumps do mundo. A adrenalina estava a mil, dei meu segundo salto (já havia saltado em 2001) com bem mais tranquilidade. Vitinho pirou em queda livre, estava em êxtase. A essa altura, Caio Faria, irmão free surfer Junior Faria, chegara para também nos filmar. Caio havia vindo para J-Bay para gravar um programa do Canal Off e dali seguiria para gravar o WQS de Balito.
Já na plataforma abaixo da ponte, sob uma altura de 216 metros, Caio se instigou e depois de gravar nossos pulos também foi dar seu pinote e voltou incrédulo. Paulo Kid acabou não pulando, deixou para uma próxima vez e ficou nos filmando a longa distância.
Em mais um dia ensolarado, fomos dar um role até Cabo de Saint Francis. Por lá, a fama do rastro do Endless Summer. Surfamos em Seal Point boas marolas manobráveis de 1 metro. Vitinho havia comprado uma alaia e se encontrava em umas das regiões mais propícias para a prática.
Arrebentou, estava divertido vê-lo deslizar. Eu havia aproveitado para surfar com uma quadriquilha 5’6 que tinha uma rabeta serrada de uma prancha que havia inicialmente shapeado como 6’2”. A inspiração havia vindo de Dane Reynolds e Kelly Slater, e a prancha estava correndo muito, altas passadas e round houses cut backs.
Os aéreos ficavam por conta de Victor. Aliás, nesta session ele ficou sem conseguir voar quando o vento terral ficou ultraforte, nos levando ao almoço. A pizza de marguerita no Nina’s, ali atrás de Super Tubes, era o carro-chefe. Deliciosa!
Em nosso último dia, o mar amanheceu subindo. O nascer do sol estava bonito, mar liso, mas logo o vento maral e lateral entrou, estragando as condições. Mesmo assim, surfamos boas antes disso e Caio Faria nos filmou na água. Depois trocamos as funções para que Caio provasse Jeffrey’s. Com o tempo chuvoso e o vento forte a favor da “vaga”,o bicho deu boas passadas em alta velocidade.
Paulo Kid havia surfado na tarde anterior, quando botou pra dentro de backside sem as mãos em uma onda que fechou-se na sua frente. Pronto, foi o que faltava pra zoação do mascote Vitinho, que naquele momento documentava a session em vídeo e, antes dessa onda, havia captado uma vaca de seu técnico.
Desconectei-me um dia mais cedo da barca. A lembraça das duas semanas vinham à tona quando às 4:30 da matina o senhor que me levava ao aeroporto acelerava a 130, 150 quilômetros por hora em um Hyunday pequenininho. Achava que minhas pranchas iriam voar capota abaixo.
Gostaria de ter ficado para um evento especial que iria rolar em Jeffrey’s daqui a duas semanas. Tinha também outros afazeres no Brasil. No dia do meu regresso, as ondas ainda estariam boas, o sol iria raiar esplêndido em breve, tal como havia sido em todos os dias (só um dia chuvoso).…
Muitas lembraças, muitas fotos para viajar durante a jornada de volta pra casa. Passou rápido, e no último sábado já surfei boas ondas em Floripa. Os barcos já não estavam transitando ao fundo, acho que as tainhas vieram e foram embora mais cedo.