Leitura de Onda

O bastão está no ar

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Jordy Smith está pronto para se impor com arcos bem desenhados, manobras modernas e muita força. Foto: © ASP / Kirstin.

A Espanha venceu em Jeffreys Bay. A aposta do colunista, feita no texto da última semana, ganhou forma nos arcos bem desenhados de Jordy Smith, um surfista campeão como a Fúria: ainda não tinha um título, colecionava algumas derrotas inesperadas e vinha sendo incluído na lista de favoritos pelas performances modernas.

A vitória do sul-africano, na sequência à de Jadson, parece reforçar a tese da troca gradual de comando do circuito mundial. O bastão, agora, está no ar. Jordy foi julgado à altura de seu surfe, que equilibra o velho carving (necessário na direita de Jeffreys) com manobras aéreas. Numa ou noutra nota, pode ter sido sobrevalorizado na conta da mudança de critérios da ASP, mas mereceu levantar seu primeiro caneco em casa, ao som noisy das vuvuzelas.

Jordy assumiu a liderança num momento importante da temporada, antes de o circo chegar à Teahupoo, parada que tende a favorecer os mais maduros. Ali é preciso, além de talento e atitude, quilometragem. A nova geração experimentou um enorme avanço nesta temporada e começa a preparar o bote para assumir o comando, mas as etapas do circuito no Tahiti e no Hawaii dão fôlego extra às estrelas consagradas.

Sorte de Kelly Slater, que vinha na liderança e tropeçou nas pedras de Jeffreys, mas agora vai buscar a reabilitação numa onda em que ele toma cerveja dentro do tubo. O americano nem é o vice-líder, mas me parece o único realmente capaz de representar a velha guarda e roubar o caneco da nova geração – leia-se Jordy – nesta temporada.

O número 2 Taj Burrow também vem em boa forma, mas não é exatamente um super especialista no Tahiti, a despeito de ter feito final naquelas águas translúcidas ano passado. A recuperação e as vitórias seguidas entre o fim de 2009 e o início deste ano não me comovem a ponto de apostar na inédita conquista do australiano. Posso queimar a língua – e provavelmente a afirmação é um tanto precipitada – mas o talentoso aussie corre, sim, o risco de encerrar a carreira sem gravar seu nome no troféu da temporada.

Adriano de Souza surfou muito bem, mas pode acabar vendo a birra de Ian Cairns – que tachou o surfe do brasileiro de previsível – pegar na boca do povo. Mineiro tem utilizado uma rotina semelhante em suas ondas e variado pouco as manobras. Acredita – e tem motivos para isso – na eficiência de seu surfe. Mas, com uma performance programada, tem esbarrado em surfistas mais criativos e ficado quase sempre nas quartas. Para sair do eterno quinto posto no ranking, terá que subverter a ordem de seu surfe.

Jadson não se encontrou no pico e pecou nas últimas manobras, mas está no crédito. A onda exigente de Jeffreys expôs uma de suas principais lacunas: a linha. Precisa caprichar um pouco mais no desenho de seu trajeto na onda. Matar barata recorrentemente é quase um sacrilégio na elite do surfe mundial.

Neco Padaratz é uma máquina de competir. Do início da década. Incorpora o caso clássico do profissional que já foi top de linha e hoje não é muito valorizado. Ele tem as mesmas ferramentas com as quais já conquistou vitórias importantes no tour, mas muitas delas não são mais compatíveis com o novo sistema de julgamento da ASP. Só que Neco tem, além de talento, uma raça de Rondinelli. Enquanto ele estiver no tour, eu não duvidarei de sua capacidade de fazer o tal upgrade no surfe.

A situação de Marco Polo é mais complicada. Parece já ter sido rotulado pela ASP como surfista de segunda classe no tour, incapaz de fazer frente aos modernos. São as armadilhas do julgamento subjetivo: o juiz cola um selo de ultrapassado em você e, depois, para tirá-lo, é um inferno. Mesmo quando encontra as ondas certas e surfa com competência, como foi o caso em Jeffreys, vê suas notas sendo achatadas. Foi mal julgado na África. E terá que fazer muita força para descolar esse rótulo. 

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

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Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".