Não é Gabriel, nem Kelly. É compatriota de Adriano, mas tem pinta de jamais ter se arriscado além da arrebentação. Isso não faz dele menos corajoso: passou sete meses equilibrando-se numa onda monstruosa, na mais perigosa zona de impacto do país.
O herói do ano é Carlos Ayres Britto, sergipano, poeta, homem suave, conciliador e ético. Forçado a se aposentar pelo limite de idade, Britto entregou depois de sete meses a cadeira de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), onde comandou, com equilíbrio e distinção, o maior julgamento da história do país, o Mensalão.
Nossos filhos e netos certamente o conhecerão mais que nós mesmos, através dos livros e tablets
didáticos. Mas isso já é outra história.
O sergipano sereno foi sublime ao encontrar um sábio caminho do meio, que viabilizasse o equilíbrio de dois polos extremos, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski.
Conseguiu, com isso, esvaziar a acusação de linchamento político, feita pelos réus, e, ao condená-los na medida certa, escreveu uma das mais bonitas páginas da história do país. Tornou o Brasil mais democrático, justo e, acima de tudo, republicano, no seu sentido original.
Britto não viu nas constantes divergências entre Barbosa e Lewandowski qualquer sinal de desequilíbrio ou má fé. Aquilo era a democracia plena, a divergência de pontos de vista, fundamental à construção de novas ideias. Ele tratou de balancear, com jeito e delicadeza, o melhor de cada um dos argumentos, sempre a favor da sociedade e de sua Constituição.
O julgamento do Mensalão ainda não acabou, mas já está fadado a um final histórico, que ajuda sensivelmente a mudar a cultura do país.
Seremos, a partir de agora, um pouco mais públicos, mais republicanos, com uma noção um mais clara de que aquilo tudo é nosso, do cidadão, do pagador de imposto.
Teremos que aprender a distinguir a importância do público para o privado. Entenderemos que a moral que mais importa não é a dos bons costumes individuais, desde que esses não afetem diretamente o próximo, e sim a pública, a ética, a que te torna parte de um coletivo.
Ayres Britto foi além do Mensalão. Atuou decisivamente a favor da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, e na derrubada da velha Lei da Imprensa, que restaurou a liberdade de expressão pública de todos nós.
Assim, nas palavras dele, “ocorre no país o que há de mais importante, mais essencial: quem quer que seja pode dizer o que quer que seja. Responde pelos excessos que cometer, mas não pode ser podado por antecipação”.
E que Ayres Britto e o STF têm com o surf? Somos surfistas, somos cidadãos, somos parte de uma república. Não é preciso ir além: ele poderia ser o herói de todos nós.
Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.