O medo é um segredo ao qual temos muito medo de desvendar. O que nos espera atrás do véu escuro, da profundidade?
O medo é algo quase surreal. De tão praticamente inexistente, não se insere na verdade. Não está na água, não vive na terra, não existe no ar. Em 97,5% das vezes é imaginação negativa.
Só 2,5% dele são a expressão de um fato que pode levar à morte ou a alguma merda inadministrável. Mas, aí já é tarde demais para se preocupar.
Portanto, não vale a pena preocupar-se com o medo. Não vamos deixar esses míseros 2,5% custarem 100% de preocupação! Menos espaço para a fera.
A aceitação da morte e de todo o resto que compõe a vida é um antídoto mortal para o medo. Ele não gosta disso. Ele se nutre da não aceitação. O medo é um vírus tremendamente invasivo.
Contamina tudo: a comida, o amor, o sono, a vontade de viver, a confiança, a sombra, a coragem, a fé. Pior: paralisa.
Mas, afinal, o medo foi invenção de Deus ou do Diabo? Se foi, lá atrás, para nos proteger dos tigres-de-dente-de-sabre, foi de Deus; se foi para ficarmos as últimas centenas de séculos apavorados com a sensação de que um bicho extinto irá nos devorar, foi do Diabo.
Ou seja, o medo é parte da nossa própria imaginação traidora, que, lá dentro, conspira contra nós. Temos que de ser mestres da nossa mente. Saber primeiro discernir e depois escolher entre a imaginação que nutre e a que drena.
O medo não gosta nada nadinha dessa atitude independente.
Ela significa a sua extinção, como entidade e como ideia. É por aí que ele definha. Porque o medo, na verdade, é algo que não existe fora de nós. E embora grite muito tem a vontade fraca. Se você perceber direitinho, subsiste só lá dentro – com a nossa inocente e imbecil permissão tácita -, mas não é o que somos. Não existe fora de nós e não é o que nós somos. O que é, então, o medo?
Outra dica: o medo visceja na depressão do passado e se cria na ansiedade/pânico do futuro, mas derrete indefeso e enfraquecido no balsâmico presente. A Presença anula seu poder e cura o hospedeiro. Não há espaço para nada mais além da perfeição da paz no agora perfeito. O agora é uma combinação abençoada de ácido sulfúrico e sol para cauterizar e anular a lesma-medo.
Sim, sabemos que o medo é um mau hábito com mau hálito – claro, porque o medo destempera particularmente o sistema digestivo. Como bom penetra espiritual, dá a nítida impressão de que faz PARTE de nós, que é o que somos! Somatiza geral, gerando dores pelo corpo e sofrimentos pela mente. Tremendo cara de pau esse medo.
Só sobrevive se lhe dermos trela, e como boa e experiente criança mimada faz de tudo para nos chamar a atenção para a sua mísera – e aparentemente poderosa – existência. A real é que o medo tem um tremenda baixa autoestima.
E é por isso que é medo, e não coragem, e é também por isso que não sabe viver sozinho. Totalmente dependente. Vive ainda na casa da mamãe – a nossa mente. Alimenta-se e cresce à custa do nosso medo dele.
Do medo do medo. Sem esse leitinho emocional com chocolate amargo, definha e morre. Depende de nós darmos ou não o peito e o coração para a fera. É um puta vendedor de si mesmo – e nós somos seu único cliente ( erro administrativo básico ).
Corte o vínculo doentio e ele vai para o seu lugarzinho discreto nos cafundós da história ou arder purificado no magma incandescente do centro do planeta, ao lado da imagem de um bicho cheio de dentes que não mais existe, e de alguns outros monstros alucinados que nós, incautos masoquistas, criamos sob a sua influência e indesejada parceria.
Agora não é mais segredo: o medo tem medo de nós.
Sidão Tenucci é surfista há 45 anos. Viajou para 55 países e escreveu 3 livros. Enquanto conta palavras diz que não é viciado em números. De vez em quando tem medo.