Leitura de Onda

O novo e o velho, de novo

Kelly Slater, Billabong Pipe Masters 2010, Banzai Pipeline, Hawaii

 

Kelly Slater e Jeremy Flores, duas gerações de Pipe Masters. Foto: Rildo Iaponã.

O que eu mais queria mesmo era ver a última onda da família Irons, com um Bruce vingador homenageando o irmão. Mas a vida real é crua, não respeita os sonhos de um mundo ideal – do contrário Andy Irons não estaria morto, e sim dentro d´água.

 

Kelly Slater parecia destinado ao papel solo do tributo ao seu maior algoz: venceria mais uma vez o seu campeonato preferido e, do alto do pódio, onde se sente à vontade, pensaria carinhosamente em se aposentar, enfim saciado de títulos.

 

Mas, coisas da vida, o sempre vencedor Kelly parou diante de um garoto endiabrado das Ilhas Reunião, que conseguiu surfar por dentro dos tubos de Backdoor, colado na bola de espuma, em todos os dias da competição.

 

Jeremy Flores, de 22 anos, é um cara gente boa, que fala um português redondo e deu ao encerramento do inesquecível 2010 um símbolo diferente do óbvio. A última prova da temporada do décimo título mundial de um monstro de 38 anos, no palco dos gigantes, que homenagearia talvez o melhor surfista da história daquele pico, termina com a surpreendente primeira vitória de Flores no WT, para afirmar a nova geração. 

 

Ele despachou o ninja goofie Owen Wright nas quartas, ganhou com autoridade de Kelly na semifinal, reagindo nos momentos finais, na pressão por uma nota boa; e venceu na grande final o bom duelo com o também veterano Kieren Perrow, outro que lê como poucos a bem moldada onda de Backdoor.

 

A vitória do garoto Flores tinha tudo para ser um marco da troca de bastão de gerações, mas pode ter servido justamente para prorrogar o reinado da velha guarda, para desespero da geração criada à base de suco com alley-oops.

 

Kelly não levou a prancha que Gerry Lopez fez para o campeão de 2010. E o histórico mostra que o americano não gosta de derrotas e despedidas. Se quando pinta um dos dois problemas é difícil, imagine com os dois combinados. Posso estar redondamente enganado, mas a derrota provavelmente deu uma sobrevida ao monstro.

 

É capaz de ele querer deixar a troca de bastão para depois. Vamos ver.

 

Mas Flores não tem nada com isso. Em Pipe, deu uma estocada certeira no campeão. Se ano que vem Owen Wright, Jordy Smith, Jadson André, Adriano Mineiro, Alejo Muniz e outros tantos moleques estiverem com suas facas afiadas, podem adiar indefinidamente a despedida com champanhe de Kelly.

 

O problema é que, com o decacampeão, diferentemente dos outros mortais, a vida tem sido generosa, e quase sempre respeita os sonhos de seu mundo ideal. Por isso talvez ele queira realizar os derradeiros já na Gold Coast, daqui a alguns meses.

 

Ninguém ousa duvidar.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

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