Leitura de Onda

O outro lado

Brasil Surf Pro 2010, Geribá, Búzios (RJ)

Praia de Geribá, Búzios (RJ). Foto: Ricardo Altoé.

A pergunta ecoa – ou pelo menos deveria ecoar – nos corredores das grandes redações, sempre que algum repórter apresenta uma denúncia: “Ouviu o outro lado?” O mantra é parte de um princípio básico do jornalismo, de dar espaço a todos os envolvidos numa história.

 

Semana passada, publiquei uma coluna de uma experiência negativa na Praia de Geribá, em Búzios, contando que senti na pele os excessos da cultura do localismo. 

 

Embora o pivô do episódio não tenha sido identificado – até porque o objetivo da coluna não será jamais apontar o dedo para ninguém, e sim debater comportamentos – o site recebeu uma carta com a perspectiva do local, enviada por um amigo dele. 

 

Não sou o titular da verdade nem o covarde que monopoliza uma coluna apenas com a própria perspectiva. Decidi publicar a íntegra da carta, ainda que discorde de parte fundamental de seu conteúdo, porque o jornalismo ensina que o mundo é um enorme mosaico de versões. Cada um com a sua. 

 

Segue o outro lado:

 

“Tudo começou em um dia de poucas ondas na Praia de Geribá, em Búzios. Ao chegar à praia, percebi que havia apenas uma valinha surfável. Logo que entrei no mar, percebi esse rapaz, remando em todas as ondas e já de cara amarrada, além de estar resmungando horrores.

 

A praia estava lotada, e ele era o único turista no pico, desferindo algumas rabeadas sobre surfistas locais que já não pareciam muito contentes. Em certo momento, até amenizei o clima brincando: “deixa o coroa surfar galera!”.

 

Confesso que, em alguns momentos, deu vontade de voar no pescoço dele. Continuamos mantendo o respeito, e ele, ao contrário, continuou fazendo besteira e rabeou um amigo meu, que é um dos caras mais locais de Búzios. Mesmo muito bravo com a situação, meu amigo permaneceu calado.

 

Alguns minutos depois, eu já tinha esquecido a existência dele na água. Então, subiu uma das melhores ondas do dia. Logo, deparei com alguns locais remando na onda, que me viram e pararam de remar (alguns até gritaram “boa!”).

 

Então, remei com vontade e gritei para as pessoas que remaram na minha frente. Todos olharam e pararam de remar. Então, ele remou, me viu e, mesmo assim, continuou a remar e dropou. Eu  já estava atrás, olhando para a cara dele. Então ele saiu da onda e voltou ao outside resmungando um monte de besteiras. 

 

Enquanto eu voltava para o pico, muitos locais falavam que estava na hora de dar um “corretivo” naquele cara abusado. Pedi a todos se acalmassem, que não era nada demais.

 

Então, eu cheguei ao pico e percebi que ele reclamava muito, e sabia que ele estava se referindo a mim. Foi quando eu perguntei “algum problema, meu camarada?”

 

Aí, ele respondeu “você e seus amigos são abusados e não deixam ninguém surfar, e eu tenho idade pra ser seu pai e não tenho que ficar disputando onda com novinhos”. E continuou argumentando. Eu respondi a ele o que eu não tinha nada a ver com a vida pessoal dele e que tudo que falou e que estava falando não justificava a falta de respeito comigo e meus amigos. 

 

Aí, ele começou a tentar me dar sermão. Foi quando me irritei e fui grosso com ele.

 

Ao escutar as palavras de um amigo, me acalmei e resolvi esquecer a confusão, para que tudo terminasse bem. Até mesmo porque o Tulio também parecia bastante nervoso com a situação, o que não ajudava muito.

 

Após a confusão terminar, remei em uma boa onda e, novamente, deparei com ele remando, Mas, dessa vez, eu preferi não levar adiante e o deixei descer a onda. Ele (que por sinal surfa bem e tem um estilo maneiro) fez a onda até o final e voltou amarradão para o outside, desta vez com um sorriso no rosto. 

 

Nós ainda brincamos falando que agora o “coroa” parecia ter esfriado a mente.

 

Mas, ao abrir o site Waves, bati de frente com uma coluna escrita pelo Tulio, na qual ele contava a sua versão da história. Mesmo em nenhum momento citando meu nome, o texto me deixou sentido porque em diversos momentos eu procurei evitar a situação ocorrida. 

 

Eu me senti na obrigação de escrever esse e-mail não só de resposta, mas para que todos saibam a situação verdadeira que ocorreu naquele dia em Geribá. 

 

Os locais de Búzios só pedem para que as pessoas cheguem com respeito, como deve ser feito em qualquer praia do mundo. Se vários brasileiros surfam ondas como Pipeline, porque não poderiam surfar as valinhas de Geribá? 

 

Nós tivemos um caso grave há menos de dois meses na mesma praia, quando um turista agrediu um surfista local (menor de idade), de maneira covarde, em uma discussão por onda.

 

Pedimos apenas respeito e humildade, que é o que temos com todos turistas e surfistas que visitam a nossa região. 

 

Peço desculpas a todos por minhas palavras, e peço desculpas a você também, Tulio, se faltei com respeito a você. Saiba que, sempre que chegar com boas intenções, será bem recebido.”

 

Tulio Brandão é jornalista

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