Usar uma prancha nova é sair para o primeiro encontro. Nem os iniciados sabem o que vão encontrar por trás das curvas – seja o outline de um shape ou os ângulos insinuantes de uma mulher. Vivi, no último domingo, pela enésima vez, a sensação surpreendente do novo.
O encontro foi marcado com a ajuda do pai da criança, o shaper Claudio Hennek, o Alemão. Ele queria me apresentar algo diferente, e sugeriu uma exótica (para mim) 5´10”. Tentei argumentar que passei a vida sobre modelos mais convencionais, de no mínimo 6 pés e com bastante volume para segurar os mais de 80 quilos. Não seria depois dos 40 que eu viraria um moleque arisco.
Ele rebateu com ciência, e me explicou que os novos modelos encontraram meios de compensar o tamanho com área e borda, e que, sim, eu tinha surfe para encarar, as novas 5’10”.
Desconfiado, recebi a prancha mês passado, sem saber o que viria pela frente. O trabalho adiou várias vezes o primeiro encontro, mas, no domingo, encontrei a brecha para levar a baixinha tala larga a um passeio.
Escolher o local do primeiro encontro é muito importante, porque, sim, a primeira experiência a gente jamais esquece. Mas combinar a disponibilidade de um pai de família com as ondas do Rio é tarefa para matemático de Harvard. Portanto, fiquei com o que tinha: um raro dia sem muitas ondas em São Conrado.
É como levar a gata, na primeira saída, ao boteco que você bebe com os amigos em dia de jogo. Não é adequado, mas vai que ela curte aquele clima leve, sem compromisso, do balcão cheio de ovos rosas?
As primeiras remadas foram assustadoras, débeis. Eu me sentia sobre um chaveirinho de prancha, uma planonda de isopor. Ajeitei um pouco o corpo e, com o tempo, a frequência certa de remada.
Veio a primeira onda: remei e, no drope, caí para o lado como um pateta, um iniciante que não sabe o que é prancha. Desespero, desespero. Nas seguintes, passei pelo drope e consegui fazer a linha, mas eu ainda surfava sobre um chaveiro, sem potência.
Via meus amigos pesados flutuando levemente com pranchas convencionais. Já sentia saudades de meus tocos amarelados.
Sentia como se eu tivesse ido ao boteco com uma dinamarquesa, que só falava sua língua nativa. A linguagem de gestos começa simpática, mas depois perde o sentido. Só funciona em outro lugar.
Com a prancha, era o mesmo. Eu tentava de todo jeito me comunicar com ela, mas, ali, naquelas condições de mar, falávamos línguas diferentes. As ondas se sucediam sem uma boa lembrança.
Já estava desolado, quando veio a saideira. Era um pouco maior, mais alinhada. Remei e, num último esforço, dropei. Na base, ajustei o pé de trás no limite do deck e encontrei, num estalo, a base certa.
De repente, o milagre: a prancha acordou, nervosa, viva, sob os meus pés. E me levou, sem medo, aos atalhos de uma das melhores ondas do dia, variando manobras e pressão. Eu não estava mais sobre um chaveiro, estava sobre um skate veloz e fácil de pilotar.
Finalizei a onda na areia e sinalizei para o Pedro, parceiro na sessão, que o dia tinha acabado. Não faria mais qualquer movimento, para marcar o primeiro encontro com a última lembrança. Fora da água, meu amigo sugeriu que eu escrevesse sobre o dia para transformá-lo em eterno.
Disse a ele que eu temia criar muita expectativa em cima da prancha. Ainda preciso conhecer melhor suas curvas, seus caminhos e sobretudo, sua base. Mas acabei capitulando: afinal, não é todo dia que se encontra uma bela dinamarquesa num boteco e, do nada, ela começa a falar português com você.