Mano Ziul (à esquerda) durante etapa do WCT 2003. Foto: Arquivo pessoal. |
Depois de criar e desenvolver um programa pioneiro de transmissão e divulgação de notas nas baterias, em meados dos anos 80, Mano Ziul hoje desfruta de muito prestígio, a ponto de Wayne Bartholomew, presidente da ASP, tratá-lo por “gênio”, como ele fez durante o banquete de encerramento da temporada 2000, no Hawaii.
Além de trabalhar para a ASP, Ziul é proprietário da Beach & Byte, empresa que desenvolve o mesmo trabalho no Brasil para o Super Surf.
Como surgiu a possibilidade de você trabalhar na ASP?
Há uns 13 anos estou na ASP. Comecei a sério mesmo em 1990 e fui ficando. Em 87 eu já fazia os eventos brasileiros do circuito mundial. A grande oportunidade surgiu mesmo no Hang Loose. Eu não gosto de colocar nomes porque a gente sempre esquece alguém (e normalmente são os mais próximos), mas a confiança do Alfio Lagnado (proprietário da Hang Loose) ocorreu num momento crucial. Daí, os outros eventos foram mais fáceis porque já tinha feito um bom trabalho. O primeiro campeonato fora do Brasil foi em 89, na Califórnia. De lá, fui para a Austrália só com a passagem de ida, depois para a Europa e, no ano seguinte eu já fazia parte da ASP. Em 95, comecei a lidar com internet através da TELEPAC, em Portugal. Depois, foi só me manter atualizado.
A cobertura do Billabong Pro foi um marco na história de internet, com o uso de duas câmeras de vídeo. Quais as dificuldades para realizar esse trabalho e qual foi o impacto no site da ASP?
Fora ter que colocar – literalmente no braço – um cabo de 600 metros atravessando a bancada de coral, conectado aos computadores dentro de uma caixa de papelão numa torre no meio do nada, não tivemos maiores complicações. A companhia telefônica do Tahiti é de primeira linha e as dificuldades são do próprio local. Isso é que faz tudo ser diferente. Ser brasileiro (a galera que eu conheci era vidrada em capoeira, aí foi só mostrar uns golpes, levei um berimbau e pronto… tava em casa ) e falar o idioma , com certeza ajudou bastante.
A utilização das câmeras com sinal via RF é sonho antigo e já havíamos testado isso no Hawaii, porém, sem sucesso. A diferença é que tanto a tecnologia melhorou quanto a operação ficou mais fácil. Essa câmera no canal, filmando o pessoal dentro do tubo, é a grande diferença. Aquela visão do palanque cansa e tudo fica mais monótono. Do barco a visão é privilegiada e garante uma boa imagem. O cara nem precisa estar muito dentro do tubo. O ângulo ajuda? e muito. Além disso, o local é um paraíso!
A âudiência foi excelente, três vezes mais do que nos eventos da Austrália. Finalmente consegui provar o que, pelos modelos que já fiz, parecia viável, ou seja, que o ganho em audiência, mantendo o sinal de vídeo durante todo o evento, era maior do que o gasto para manter o sinal. Rola uma certa matemática nesses cálculos e é difícil colocar os números na vida real. Mas, apesar de nos dois primeiros dias a gente quase ter jogado a toalha, no final tudo deu certo.
Como é lidar com a cúpula do Tour?
Não podia ser melhor? começando pelo presidente, Rabbit Bartholomew, todo mundo na ASP tem uma história para contar. Ninguém está ali para brincar. As cobranças são grandes, mas a cobrança maior não é de ninguém em especial, mas de mim mesmo. Acho que sou meio paranóico com isso. Tudo tem que estar o melhor possível e pronto para funcionar antes do tempo previsto.
Nessa cobertura da qual falamos (Tahiti) – que foi considerada “a melhor” – enquanto todo mundo estava falando bem eu já estava reunido com o pessoal mostrando os pontos para melhorar e os defeitos que passaram despercebidos (e que eu não vou falar aqui hehehe). O que interessa é que o show não pode parar.
De que maneira a liderança do Tour encara o surfe brasileiro?
De que maneira ele poderiam encarar ? A gente simplesmente chegou e pediu passagem. E eles deram. Eles respeitam, gostam e confiam. No mesmo ano em que eu entrei, entrou o Xandi Fontes e o Renato (Hickel) veio no ano seguinte. Foi o ano do Fabinho, do Teco e do Piu. Também tinha o Burle, Vitinho e tantos outros, aí, tiveram as vitórias do Fabinho, do Teco e do Tatuí…
E, no mais, a ASP sempre foi receptiva. A essência da ASP, do surfe profissional, é viajar e conhecer outras culturas, locais diferentes. Muita gente do tour conhece e gosta do Brasil e dos brasileiros. Se tem mané? É claro que tem. Mané não tem nacionalidade. Mané tem em qualquer lugar. Ainda bem que a quantidade de manés no tour é mínima. Mas tem! Se existe barreira? Claro, a língua e a cultura diferentes criam a própria barreira. Fora isso, é coisa de cada um.
Como responsável pelo site da ASP, não dá para pedir para o Pierre Tostee colocar mais fotos de atletas brasileiros?
Hahaha! Essa pergunta é ótima. 10 entre 10 brazucas e amantes de brazucas pedem isso. Sinal de que tem gente olhando o site. Bom, se formos colocar os pedidos dos sul-africanos, com o dos australianos e isso e aquilo, acho que teríamos que colocar cerca de 100 fotos por dia. O Pierre coloca as fotos boas. Foto boa tem que ser foto com cor, momento etc e etc. Se pegarmos esse campeonato do Taiti, por exemplo, quem tirou as fotos foi o Aaron Chang. Bem, para quem conhece, o nome basta. Para quem não conhece, o cara é o Ronaldo da fotografia. Ele tem laços de amizade e é vidrado no Brasil. Então, qualquer teoria de que o fotógrafo não é bom ou que não gosta de brasileiros já vai pro brejo. O lance é que não tem como colocar fotos de todo mundo todas às vezes todos os dias.
Quais novidades a galera pode esperar nas próximas coberturas do Tour no site da ASP?
Uma a gente já viu, que é o vídeo durante todo o evento. A próxima é fazer a cobertura em outras línguas. Português, obviamente, vai ser a primeira. Não por ser o idioma que falo, mas sim porque é o que tem mais acesso e os brasileiros interagem mais do que todo mundo.
Vamos dar uma pilha forte também na interatividade com o público fazer o campeonato ser mais accessível para o internauta, que está a um ou até dois oceanos de distância do evento. É muito importante que o evento, o surfista e o surfe profissional como um todo seja mais accessível, mais palpável. Senão corre o risco de sofrer as conseqüências de um esporte elitizado.
Entre todos os lugares visitados, qual a melhor onda e qual o melhor surfista?
A melhor onda é aquela que vem na minha direção (hahaha). Onda boa tem que ser esquerda, tubular, e “mamão com açúcar”. Nada de Teahupoo. O lance é Saint Leu (ilha Reunião), Itacoatiara (Niteroi-RJ), Tavarua (Fiji), entre outras. Eu tinha muita vontade de ir a Chicama, no Peru, que não conheço.
O melhor surfista? Essa é fogo. Eu acho que no topo eu coloco o Tom Carroll, eu estava lá “in-loco” quando ele deu aquele “come” por dentro no Derek Ho para ganhar o evento do Pipe Masters. Tem o Tom Curren, dono de estilo inconfundível e uma estrela que poucos têm. Kelly também tem estilo e estrela. E Fabinho, que tem estilo próprio, coisa fina? bem é Fabinho! Ele já é até adjetivo.
Como analisa a performance dos brasileiros no tour?
É simples. Os brasileiros entram como competidores e não como “os brasileiros”.
Ou seja, é tudo de igual para igual. Não tem essa de “o brasileiro”. O que tem é um atleta preparado, em condições de ganhar qualquer evento em qualquer condição! Um por um, ninguém ali entrou pela “janela”. Todo mundo mostrou com resultados e com performance os requisitos para estar na elite. E ainda têm outros tantos no WQS com qualidade para estar no WCT.
Tem uma coisa engraçada. Todo mundo faz previsões, dá palpites etc. Os havaianos deram “glamour” e divulgaram o surfe que os peruanos inventaram. Levaram 20 anos para ter um campeão mundial. Quem acha que ser campeão mundial é coisa de matemática, tá errado.
Depois de três etapas realizadas, qual surfista tem chamado mais sua atenção?
Bem, o Kelly tá com tudo! Tem o Andy Irons, mas eu acho que o cara que vai chegar junto é o Danilo. Ainda tá muito cedo e muita água vai rolar. Mas, uma coisa é certa, o Kelly tá impossível ! O cara simplesmente não sossega!
Muitos internautas costumam reclamar que os brasileiros não são bem julgados. O que tem a dizer sobre este assunto?
Isso me deu uma idéia. Vou criar o lenço eletrônico “clique aqui” para mandar as suas lágimas de compaixão… hahaha! Acho que a gente carrega isso do futebol. Se o time leva aquela sova, corremos para explicar que o goleiro não prestava, que o juiz roubou, que o gandula matou tempo, que o bandeirinha é ladrão etc; eu uso isso direto se o Flamengo perde. E, quando o Flamengo ganha, todo mundo diz que o juiz foi comprado.
Enfim, falar que o brasileiro é mal julgado é, no mínimo, um insulto à qualidade do surfe de cada um deles. Se o cara acha que eles precisam deste consolo? digo logo que tá errado. Mas, como disse, isso faz parte do esporte. Se a gente não estivesse transmitindo a cores e ao vivo, ninguém ia ter a chance de ver. Que dirá de reclamar.