Leitura de Onda

O que está acontecendo?

Matt Wilkinson, Rip Curl Pro Bells Beach 2016, Austrália.

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Matt Wilkinson é a grande surpresa deste início de temporada. Foto: Lucas Palma / @skids.com.br.

 

Matt Wilkinson, em entrevista a Strider, disse não saber. Seus pares na elite, os jornalistas e mesmo os aficionados em surfe também estão repletos de dúvidas.

Como um surfista que, até ano passado, tinha alcançado como melhor resultado de temporada um modesto 18o lugar pode avançar furiosamente para a disputa do título mundial de 2016, abrindo um abismo de mais de quase 11 mil pontos para o resto do bando? Como um goofy pode vencer as duas primeiras temporadas do ano surfando de costas para a onda – na segunda, derrubando um tabu que se mantinha por 18 anos, desde que Occy brilhou com suas curvas refinadas na prova em 1998?

No Embalo Bar, um dos raros botecos ainda originais de um transformado Leblon, para onde costumo ir com amigos em fins de semana com etapas do WCT, o espaço costuma ser afeito às mais loucas teorias de conspiração: “Mostra a mala de dinheiro, Wilko!”, gritou um exaltado, ao ver a vitória sobre Wiggolly Dantas, entre gargalhadas dos mais equilibrados. Ali no balcão, de frente para uma gelada, o território é do torcedor. Espírito de Fla x Flu mesmo, sem qualquer compromisso com o mundo real.

As razões para o sucesso do australiano, claro, estão bem longe do Embalo.

Wilko não estava entre os melhores surfistas de Bells. Teve que passar por uma repescagem, quase perdeu para Guigui e sua prancha, na primeira disputa do dia final, não parecia estar entre as mais bem encaixadas no turbulento mar do sino.

Jordy Smith, Mick Fanning, Italo Ferreira e Guigui, só para falar nos surfistas que resistiram ao último dia de competição, vinham surfando mais que Wilko.  

Mas, é preciso dizer, ele fez mais pontos que seus adversários nos 30 minutos de disputa. E isso basta. Assumiu como seu o discurso de vencedores como Adriano de Souza, desde começou a trabalhar com Glenn Hall.

Kelly Slater é outro que cansou de vencer assim.

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Suas sapatadas de backside, com variações, surtiram efeito na hora certa. Foto: © WSL / Cestari.

Contrariando o histórico nas temporadas anteriores, Wilko se mostrou absolutamente letal nos momentos decisivos da prova. Suas sapatadas de backside, com variações, surtiram efeito na hora certa. Ele surfou magistralmente a semifinal e a final, não dando qualquer espaço para questionamento. Outro dedo do guru Micro Hall.

Ainda assim, na disputa das quartas, Wilko teve mais uma prova de que, este ano, conta com boa vontade dos juízes. Ganhou a nota de que precisava, um 5,83, numa onda infame. Depois de uma virada de Guigui, achou a onda que faltava a menos de um minuto para o fim da prova. E, ali, ganhou, sim, os pontos para vencer.

Muitos chamarão essa boa vontade de conspiração. Eu não. Surfistas de todas as nacionalidades já foram tratados assim, inclusive brasileiros. Às vezes, o critério parece encaixado ao perfil de determinado surfista, e não ao contrário, como deveria ser. Juízes relevam – ou simplesmente não percebem – possíveis falhas e entendem todos os movimentos do “iluminado” como valiosos.

Um surfista aposentado do tour, brasileiro que já esteve entre os melhores do mundo, chamava isso de “cair nas bênçãos”. Ele buscava tal dádiva mais que tudo. “Se você for bem visto por eles, nem precisa escolher a melhor onda para ser pontuado.”

Há, ainda, no ar um clima de reação australiana ao protagonismo alcançado pelo Brasil nos últimos dois anos. É como se os bons ventos estivessem levando a melhor escola de surfe do mundo de volta ao topo. Há uma brisa nessa direção, nada mais natural.

No fim, nada disso importa. Wilko venceu com méritos e é o líder mais legítimo que o circuito mundial de surfe poderia ter neste início de temporada.

Jordy Smith é, para mim, num dia de condições ideais de Bells, o melhor surfista daquela onda. O problema é justamente encaixar o cenário perfeito para o sul-africano brilhar. Teria que combinar com a mãe natureza. Embora tenha surfado muito durante todo o evento, ele ainda não me parece capaz de flexibilizar seu surfe à variedade de condições oferecidas nas etapas, além de ser mais surfista que competidor.

O destino e os erros teimam em adiar a badalada do sino do sul-africano.

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Italo Ferreira provou mais uma vez ser um surfista potente, capaz de brilhar e ser competitivo em uma enorme variedade de ondas. Foto: Lucas Palma / @skids.com.br.

Italo Ferreira provou mais uma vez ser um surfista potente, capaz de brilhar e ser competitivo em uma enorme variedade de ondas. Perdeu apenas para Wilko e para o fôlego, num dia de mar difícil. A semifinal em Bells o coloca pela primeira vez entre os cinco primeiros do mundo. Não ousem duvidar de sua capacidade de disputar, efetivamente, o título de 2016 – se o aussie de Copacabana Beach deixar, claro.

Guigui foi o surfista goofy mais vistoso da etapa. Polido, vertical, jogava água no céu sem fazer muita força. Martin Potter comparou-o ao mito Occy. Perdeu por uma onda a menos de um minuto do fim. A constância de performance deve ser seu norte em 2016. Tem surfe para brigar na ponta em todas as ondas da temporada.

Caio Ibelli fez um nono mais que merecido. Surfou contra a banca o tempo todo, especialmente quando derrotou John John Florence. A sensação era de que ele estava cometendo um crime ao vencê-lo tão claramente, a não dar margem para dúvidas. Ao havaiano, só restou bater na água numa demonstração de raiva, como aliás, tem sido uma constante em suas derrotas. Ibelli perdeu para a abordagem mais limpa do sul-africano, embora tenha sido muito mais agressivo num dia de ondas grandes.

Margaret River é a chance de surfistas como Adriano de Souza, Gabriel Medina, Julian Wilson, John John Florence, Joel Parkinson e Kelly Slater diminuírem um pouco a distância para Wilko. Convém ficar atento: em duas das outras oportunidades que alguém venceu as duas primeiras etapas do ano, com Kelly Slater, em 2006 e 2008, a temporada terminou com o surfista campeão mundial. A ver.

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