O surf pacífico de Fernanda Guerra

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#A carioca Fernanda Guerra Clausell foi a primeira surfista do Brasil. Acostumada a ficar dentro da água pegando jacaré na década de 60, começou a surfar com as famosas madeirites.

Vivendo em uma época marcada pela repressão do Governo, Fernanda sempre teve apoio para surfar, tanto dos amigos, como dos pais. Ficou cerca de 15 anos sem pegar onda e voltou quando passou a morar novamente na Barra da Tijuca.

Você foi a primeira surfista no Rio, no Brasil ou Arpoador?

Pelo que eu sei, foi do Brasil. Até porque o surf começou no Rio, no Arpoador. Se teve outra antes, não sei, e nem questiono isso. Mas na época só tinha eu.

Quando você começou a surfar?

Eu tenho a impressão de que foi por volta de 61. Mas, com certeza foi no começo da década de 60. Eu não me lembro bem.

Como surgiu a idéia de surfar em uma época que o surf era marginalizado – ainda mais para uma menina? Você sofreu algum tipo de preconceito?

Não, comecei com uma turma de meninos e meninas criados juntos. Eu pegava jacaré, já havia feito curso de salvamento. Então, estávamos sempre dentro da água. Todo mundo começou junto mesmo. As pranchas eram de madeira e eu não tinha uma. Surfava com pranchas emprestadas pelos meus amigos que me ajudavam, me empurravam com ajuda do pé-de-pato – que ainda era usado na época.

Qual foi a sua primeira prancha?

Minha primeira prancha foi feita pelo Arduíno Colassanti. Se não me engano, foi a terceira prancha que ele fez no Rio. Por existirem pouquíssimas pranchas, os meninos não podiam implicar comigo porque precisavam pedir a prancha emprestada. Eu era uma aliada deles (risos). Depois viajei para a França e comprei uma Barlan Rout, na época uma novidade para a galera. #

Como você lidava com a repressão ao surf imposta pelo sistema autoritário da época? O que os seus pais achavam de você estar “transgredindo” a lei? Bom, meu pai sempre me apoiou muito. Inclusive, quando foi fundada a Federação Carioca de Surf, meu pai era o vice-presidente. O Yllen Kerr, jornalista esportivo, foi o presidente e o Arpoador era uma praia vazia. As praias não tinham essa loucura de hoje. O que o governo proibia era que nós pegássemos onda antes das 14 horas. Para mim, não afetava muito porque eu saía do colégio às 13:30 e só podia surfar à tarde. Depois, conseguimos um decreto assinado por Negrão de Lima, governador da época, dando 200 metros livres para o surf, da pedra do Arpoador em direção à Ipanema. Com isso, ficou tudo tranqüilo para a galera. Não existia crowd naquela época? Você se lembra de incidentes dentro da água? Existia rivalidade entre a galera do Leblon e Arpoador?

Não. Não existia galera do Leblon, ninguém surfava em outro lugar que não fosse o Arpoador. Alguns começavam a se aventurar indo para a Macumba. Não existia nem estrada para a Prainha. Quem ia tinha que subir o morro a pé. Quanto às discussões, sempre existiram, mas todos eram amigos dentro e fora da água. Naquela época, até nos campeonatos podiam descer três ou mais surfistas em uma onda, não existia interferência.

Você chegou a participar de algum campeonato junto com a rapaziada?

Não, a galera fazia competições separadas. Participei de três que eu me lembre. Muitas meninas sufavam?

Havia umas cinco ou seis que faziam parte da turma, como eu. Inclusive, a menina que competia comigo treinava com a minha prancha, estudava comigo e até dormia na minha casa. Eu que a levei para pegar onda.

Fale como foi sua ida para fora do país com seu marido. Você viajou para surfar?

Não, naquela época ninguém aqui do Rio viajava para pegar onda. A dificuldade para carregar uma prancha era muito grande. Elas não cabiam em baixo do braço e eram pesadas. Tínhamos que carregar a prancha na cabeça. Quando eu ia surfar, sempre aparecia um amigo para ajudar, segurando na rabeta ou no bico.

Você chegou a fazer alguma viagem para surfar?

Nessa época não. Eu era muito jovem, tinha 14 anos e não podia viajar. Já viajei para Costa Rica para pegar onda quatro vezes, uma inclusive com a Andréa Lopez; e também para a Austrália. Hawaii e Bali também conheci, mas não peguei onda. Eu costumo ir por conta própria, sem pacote de agências de viagem. Meu marido também pega onda de pranchinha e sempre viajamos juntos. Eu o conheci no Arpoador, naquela época.

Quanto tempo você ficou sem surfar?

Acredito que uns 15 anos. Só voltei quando vim morar na Barra. Uma vez, quando voltou a moda do pranchão teve um campeonato que o Rico organizou no Quebra-Mar e eu fui assistir. Chegando lá, encontrei uma galera das antigas e, de sacanagem, meu marido me inscreveu como alternate. Chamaram-me e eu não acreditei, falei que não ia, que não pegava onda havia muito tempo, que a prancha tinha mudado, que eu não tinha braço. Havia 15 anos que eu não surfava, mas nada do que eu disse adiantou. Fiquei lá dentro com cara de imbecil, só homem na água. A sorte é que o mar estava pequeno e eu ia empurrando a prancha. Consegui pegar duas ondas e ainda desclassifiquei um cara (risos).

#Quais eram os expoentes da época?

Quem pegava muito bem na época era o Jaime, o “Persegue”, o Mário Bração.

O Mário Bração já era shaper nessa época?

Não, a galera fazia as pranchas em um estaleiro na Ilha do Governador. Rolavam uns segredos de onde eram as fábricas.

Eu te encontrei no WCT, vi você acompanhando a bateria do Yuri Sodré. Você disse que acompanha ele há um tempão. Hoje em dia tem a Willa, associação feminina de longboard, várias meninas competindo. Como é a sua relação hoje com o surf?

Procuro acompanhar sempre porque gosto. Coloco os programas para gravar, de noite eu assisto, nada com outro interesse. Não participo de competição. Eu gosto é de ver e vou assistir pelo prazer de estar olhando. Gosto de estar informada para meu conhecimento próprio. Os campeonatos que posso vou assistir, acho gostoso.

E aqui no Fernanda (seu restaurante), no Barrashopping, a galera vem aqui fazer o rango… como é que é?

A galera vem bastante. Eu tinha uma loja também no Barramares e fechei. Lá na época do WCT, até os internacionais – que se hospedavam em cima – iam muito. Fiz muitas amizades porque eu ficava no restaurante e sempre dava orientação, apoio para eles. No Barra Shopping continuam vindo bastante. Vem o Carlos Burle o Phill Rajzman. A galera sabe que aqui tem sucos saudáveis.

Você ainda dá uma remadinha ou uma nadada?

Eu pego onda ainda. Tem mais ou menos um ano e meio que estou mais parada do que gostaria. Problemas de saúde, necessidade, trabalho, tudo isso fez com que diminuísse bastante o meu ritmo. Não estou pegando como gostaria, mas ainda pego. Espero no ano que vem estar pegando todo dia.