Passei algum tempo na tela branca do computador atrás de um jeito de relativizar os feitos do surfista Gabriel Medina. Mas não como escapar do superlativo diante de tantas performances avassaladoras em tão curto espaço de tempo.
Defina a onda como uma esquerda que varia de 1 a 6 pés, mais afeita a manobras que a tubos, perfeita. Agora, encaixe no contexto o atual modelo de julgamento da ASP, que valoriza e estimula as manobras aéreas mais progressivas.
Neste cenário, não há como fugir do óbvio: Gabriel Medina é o melhor surfista do mundo.
Ele está absolutamente fora da curva média de rendimento. Decide quase todas as suas baterias com combinações humilhantes e pontuações que muitas vezes ultrapassam os 19 pontos. Descarta, com freqüência, notas superiores a 8 pontos. Parece um Tyson no auge.
A sensação é que os juízes já não sabem mais como julgá-lo, tamanha é a quantidade de ondas fora de série apresentadas pelo brasileiro.
Em Lacanau, Medina mostrou a todos os que assistiram em casa ou na praia que era o melhor surfista da praia. Estava descolado dos outros no Júnior e manteve-se descolado no qualificatório para o WT.
Todos ali perceberam a diferença do brasileiro para o resto do mundo – do fraco comentarista francês da transmissão online à gatinha que aproveitava o verão para fazer um topless na gostosa Lacanau Ocean, além dos juízes.
Agora, está na semifinal no WQS, que tem chamada prevista para domingo. Pode confirmar o favoritismo ou ficar pelo caminho, mas já terá sido o melhor surfista de Lacanau.
Já ouvimos outras vezes essa perigosa ladainha de um brasileiro melhor do mundo. Certa vez, nos anos 90, Kelly Slater disse que Plínio Ribas, o irmão prodígio do grande Vitinho, era o melhor surfista do mundo em ondas pequenas. Não era exagero, mas Plínio não manteve a mesma performance por muito tempo depois das palavras do americano.
Medina vive um tempo diferente, em que há mais meios de proteger um talento. Profissionais de diversas especialidades cercam os melhores surfistas para reduzir os riscos da carreira.
O Super Surf, etapa prime deste ano realizada na praia da Vila, foi um evento fundamental à consolidação da imagem de Medina. Nas finais, disputadas em esquerdas poderosas de até 6 pés, ele mostrou ao mundo que pode ampliar a velha e restritiva ideia que prevaleceu por muito tempo no circuito mundial, de que “brasileiros estão entre os melhores surfistas do mundo apenas em ondas pequenas de beach break”.
Eu diria que, na Vila, Medina foi além: mostrou ao mundo um novo jeito de surfar ondas de 6 pés, que até então não tinha sido apresentado por nenhum outro surfista do mundo.
O garoto também surfa muito bem de backside. Não o vi muitas vezes em ondas tubulares, mas é sempre saudável para surfistas brasileiros, nascidos em picos de areia, um internato nos tubos do mundo. Adriano de Souza aprendeu assim – apurou sua técnica, que hoje é diferenciada, nos intervalos entre as temporadas, quando já estava na elite do esporte.
Medina já conhece os ônus de estar sob os holofotes da mídia, de ser considerado um freak. Lembro de assistir na praia a uma etapa do WQS, o Oakley Pro, no Arpoador, em que ele foi marcado de perto, na pressão, por vários surfistas, até perder para Simão Romão, vencedor da etapa.
Simão, surfista que combina talento e espírito guerreiro, sabia das qualidades do adversário, mas brigava, ali, pelo sustento da família. A marcação sob pressão faz parte do jogo. Todos terão uma ou outra razão para fazer carga sobre Medina, por um motivo simples: ele é o surfista a ser batido, o atleta que vencerá quase tudo se conseguir surfar com liberdade.
Medina vai entrar no World Tour após o corte de Nova York, daqui a algumas semanas. Lá, encontrará um ambiente menos selvagem que o das disputas de onda em sucessivas baterias de quatro surfistas em picos irregulares.
A pressão é mais sofisticada e psicológica, mas não menor: na elite, o mercado e o mundo inteiro esperam por uma resposta do surfista.
Estou convencido de que Medina, com seus aéreos espetaculares, vai responder à altura.
Errata diferentemente do que a versão original do texto afirmava, Simão não estava na Expression Session em que Medina foi marcado de perto.
Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.