O tiranossauro do surf brasileiro

Duas épocas, o mesmo espírito


Duas épocas, o mesmo espírito. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Tinguinha e Marcela na Joaquina, durante o SuperSurf 2002. Foto: Ricardo Macario.

Tinguinha é o surfista mais velho do circuito brasileiro e continua arrepiando. Foto: Ricardo Macario.

O ainda garoto Tinguinha em 78, no primeiro campeonato. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Estilo e pressão. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Desde pequeno surgiu a vocação para voar. Foto: Bruno Alves/Reprodução Fluir 3.

Beto Fernandes e Tinguinha a caminho das ondas em Maresias (SP). Foto: Ricardo Macario.

Surf total no Hawaii durante o Monster Much, em 89. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Tinguinha em Pipeline, Hawaii. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Tinguinha e Paulo Rabello. Foto: Alexandre Andreatta/Reprodução Fluir 3.

Revista Fluir. Foto: Reprodução Fluir.

Os aéreos fazem parte do repertório do atleta desde o início. Foto: Alberto Sodré/Reprodução Fluir 3.

Tinguinha cumprimenta Wagner Pupo ao final de mais uma disputa: companheiros e veteranos de circuito. Foto: Ricardo Macario.

Tinguinha conversa com Jojó de Olivença, outro veterano do surf brasileiro, em Itacaré (BA). Foto: Ricardo Macario.

Caminhada com a esposa em Camburi, onde vive. Foto: Dodô.

Sequência em Ubatuba. Foto: Alberto Sodré/Reprodução Fluir 3.

Revista Trip. Foto: Reprodução.

Tinga posa para campanha de um antigo patrocinador. Foto: Reprodução Fluir.

Orelhinha, Almir, Tinguinha e Feio em Ubatuba, durante o brasileiro de 79. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Ano: 82. Local: Joaquina, Florianópolis (SC). Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Tinga cheio de jinga. Foto: Alberto Sodré/Reprodução Fluir 3.

Batida vertical em Ubatuba. Foto: Alberto Sodré/Reprodução Fluir 3.

Tinguinha na praia do Félix, Ubatuba (SP). Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Emoção em mais uma vitória, com Jojó à esquerda. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

O velho Tinga costuma dar trabalho em qualquer tipo de mar. Foto: Ricardo Macario.

Tinguinha em Bananas Point, São Sebastião. Foto: Dodô.

Aqui ele vira com força num mar de responsa em Saquarema (RJ). Foto: Ricardo Macario.

Tinguinha em 78. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Entocado em preto e branco. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Tinga rasga a parede com força. Foto: Bruno Alves/Reprodução Fluir 3.

Tinguinha comemora o primeiro título paulista profissional, em 78, com Picuruta, Orelhinha e Neno no palanque. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Cavada em Itamambuca, Ubatuba (SP). Foto: Alberto Sodré/Reprodução Fluir 3.

Cutback em Camburi, quintal de casa. Foto: Dodô.

Mais um título para a coleção, cercado pelos irmãos Amaro e Neno Matos, com Taiu à esquerda e Elton Preiss à direita. Foto: Alberto Sodré/Reprodução Fluir 3.

Radicalidade desde cedo. Foto: Alberto Sodré/Reprodução Fluir 3.

Mesmo depois dos 30, Tinguinha continua com surf de grommet. Foto: Arquivo pessoal Tinguinha.

Tubão em Maresias. Foto: Dodô.

Tinguinha em seu escritório de trabalho: a praia. Foto: Dodô.

Alguém conhece maneira melhor de se referir a um “coroa” de 38 anos que ainda compete e dá trabalho à afiada nova geração do surf brasileiro? Com certeza não. O nome dele é Carlos Gonçalves de Lima, mais conhecido como Tinguinha Lima, apelido que herdou do pai, Tinga. Eterno garoto, sempre cheio de energia e modernidade no estilo polido e radical de surfar, ele possui o verdadeiro espírito de Peter Pan e hoje é o surfista mais velho do circuito brasileiro profissional.

 

Nascido em 19 de fevereiro de 64, na cidade de Jacarezinho, Paraná, Tinguinha veio para São Paulo aos 2 anos com os pais, Carmelino Lima e Maria Mendes Lima, para a cidade do Guarujá, litoral do Estado, onde morou até os 30. Foi lá que o garoto franzino começou a praticar o esporte que iria mudar a vida dele e o próprio surf no Brasil. Com 28 anos de surf nas costas, ele foi um dos maiores precurssores do que se conhece por surf moderno.

 

O que a garotada mais radical faz hoje, como dar três aéreos numa onda, aéreo 360 e desgarradas de rabetas, Tinguinha já fazia há vinte anos. Os títulos também acompanham a carreira do atleta desde o início. Em 75 ele começou a pegar as primeiras ondas e, já em 77, ficou em quinto no primeiro campeonato que participou. Começou a competir profissionalmente em 78 e, no ano seguinte, aos 14 anos, se tornou vice-campeão brasileiro. O mesmo aconteceu em 80. Ainda em 78 e 79 foi campeão paulista profissional. Em 82 se tornou campeão brasileiro profissional.

 

Repetiu o feito nos dois anos seguintes – época em que nem havia um circuito nacional -, depois de novo em 90 e 93, quando se tornou o mais velho campeão da história, aos 29 anos, ambos já pela ABRASP (Associação Brasileira de Surf Profissional). Também já integrou a elite mundial, em 94, quando ainda eram os Top 44 da ASP (Association ofSurfing Professionals), mas teve de abandonar tudo devido à problemas particulares.


Quando jovem, Tinguinha tinha fama de rebelde e também ficou conhecido pela difícil relação com os patrocinadores, tendo passado por diversas marcas nos mais de 20 anos de carreira. Além disso, é uma pessoa que possui forte ligação com a natureza – suas caçadas no mato se tornaram famosas na década de 90. Uma das explicações para isso pode ser a descendência indígena herdada da avó, uma representante da tribo Guarani.

 

Sujeito simples e tímido, dono de um sotaque quase caipira, Tinguinha também é duro nas críticas quando o assunto é surf profissional. Para ele, o cenário atual precisa de mudanças urgentes, e é isso que ele pretende fazer no caso de ser eleito o novo presidente da ABRASP, cargo que disputará nas próximas eleições da entidade, ao término da última etapa do circuito, em novembro, na Prainha (RJ).

 

Casado pela segunda vez, há quatro anos com Marcela Gagulim, ele é pai de três filhos, sendo que a mais velha já possui 15 anos. A entrevista a seguir foi feita durante a etapa de Florianópolis (SC) do SuperSurf 2002, entre os dias 28 de agosto e 1 de setembro na praia da Joaquina.

 

Como começou seu envolvimento com o surf?


Comecei pegando onda na praia das Astúrias, no Guarujá, com uma pranchinha de isopor. Depois de alguns anos ganhei uma prancha de fibra de um amigo, que também me ensinou os primeiros passos no esporte, o Zé Roberto “Caiçara”. Na seqüência ele fez minhas sete primeiras pranchas e dois anos depois eu já estava competindo. Ele fazia minhas pranchas, inscrições e atuava como técnico, acompanhando minha carreira.

 

Em quem você buscava inspiração?

 

Na década de 80 eu me inspirei muito no Mark Richards, depois o Paulo Rabello, que era também um amigasso. Ele foi um cara que me espelhei muito. Tinha vezes que eu tava treinando nas Astúrias e meus amigos falavam que ele tava surfando no Tombo. Eu saía da água, ia pro Tombo e passava o dia todo observando ele surfar, porque as manobras, a linha dele era diferente de todo mundo na época. Ele era minha principal referência e é uma pessoa que admiro até hoje e surfa muito ainda, não compete porque não quer. E tenho ele como exemplo de pessoa também fora da água, como atleta. Nunca usou drogas, é uma pessoa íntegra.

 

Como você entrou para as competições?

 

Quando corri os primeiros campeonatos eu era bastante tímido, tinha vergonha de me expor ao público. O Zé Roberto (Rangel, ex-proprietário da Town & Country, falecido há alguns anos)foi quem fez a inscrição no meu primeiro evento, em 77, e fiquei em quinto, como Junior. No seguinte, em 78, era o paulista profissional… Não, acho que corri na Master. Aí ele me colocou pra competir contra os veteranos e venci, fui campeão paulista pela primeira vez em 78. Na seqüência fui vice-campeão brasileiro, em 79, com o Rabello vencendo. E aí foi, nunca programei nada, as coisas foram acontecendo na minha vida. E o mais legal é que nunca almejei o que sou hoje, os títulos, as coisas foram fluindo e eu acompanhei.

 

No final dos anos 70 e meados dos 80 você surfava de uma maneira que ninguém tinha visto antes, fazendo manobras de vanguarda como aéreos 360, desgarradas. De onde você tirava tudo isso?

 

É como eu falei, as coisas foram acontecendo na minha vida, inclusive as manobras. Eu entrava na água às 7 horas da manhã e saía 3, 4 horas da tarde. A prancha fazia parte da minha vida, era uma extensão do meu corpo, minha alma. E eu fazia o que queria em cima dela. Aéreo 360 eu dou até hoje, mas não em competição. Uma vez um juiz disse que eu fazia palhaçada, que aquilo que eu fazia era ridículo. Aí o Kelly Slater foi campeão mundial fazendo exatamente isso, 15 anos depois, com as manobras que o palhaço aqui fazia. Agora eu pergunto: quem era o palhaço, eu ou o juiz? Agora, o que mais me indigna é que esse juiz atua até hoje, trabalha nos eventos do SuperSurf e tá em todas.

 

Mas você se inspirava em alguém?


Não… Eu cheguei até a inventar manobra, mas era uma coisa minha, que vinha de dentro mesmo. À noite, na cama antes de dormir, eu ficava imaginando o que poderia fazer de diferente, pensava na onda… E era incrível, porque muitas vezes eu pensava nisso e no dia seguinte eu tentava executar e conseguia, mas às vezes eu nem queria fazer. Tinha um parceiro meu, o Luis Neguinho, que era chamado de “mister aéreo”, mas ele só fazia aéreo. Eu também dava aéreo, mas criei o “cut-tinga”, que no final do cut-back eu chutava a rabeta e invertia o sentido da prancha. A primeira vez que fiz essa manobra foi em 79, em Saquarema (RJ). O floater, que na época não tinha nome, eu chamava de corridinha no lip. Tinha outra que chamava “slalon”, que era uma batida no lip, aí eu jogava a rabeta e corria de borda na onda, acho que hoje chama “rock-slide”. E também o “lay-back”, uma batida na junção onde eu girava o tronco e inclinava as costas na água, coisas que a gente não vê o pessoal fazendo hoje em dia.

 

Faz um retrospecto da sua carreira, títulos e conquistas.


Fui campeão paulista profissional a primeira vez em 78 e 79 de novo. Aí fui vice-campeão brasileiro em 79 e 80. Nessa época tinham dois campeonatos: em Ubatuba e Guarujá, onde fui vice. Aí em 81 eu sofri um acidente de moto no Guarujá… Bati num ônibus e fui direto com a cabeça, me quebrei inteiro. Fiquei três meses em coma, pouca gente sabe disso… No total foram seis meses me recuperando. Aí voltei a competir e fui campeão brasileiro em 82, 83 e 84. Depois fui de novo em 90 e 93, já pela ABRASP. Em 94 eu fui Top 44 do circuito mundial, mas acabei abandonando por falta de estrutura.

 

Como foi essa fase?


Acabei desistindo porque, na época, eu tinha patrocínio de pranchas do Joca Secco, tinha sido campeão brasileiro no ano anterior, campeão paulista e top 44. Aí, em 94, perdi meu patrocínio, me separei da mulher do meu primeiro casamento e o cara não entregava minhas pranchas, tava competindo há um ano e meio com a mesma, uma 6 pés. Então não tinha condição, tava com a cabeça bem bagunçada e parei de competir em 94, mas voltei em 96.

 

Você ainda tem alguma pretensão de voltar pro WCT?


Vou falar pra você: se eu tivesse um patrocinador que me bancasse no WQS, com certeza em um ano eu estava entre os Top 46. Do que eu estou vendo no circuito, dava pra voltar fácil…

 

Você casou de novo há quanto tempo?


Eu estou casado pela segunda vez já há quatro anos, com a Marcela. Do primeiro casamento tenho três filhos, duas meninas e um menino. Agora eles estão com 15, 12 e 11 anos respectivamente. Mas nenhum pega onda, minha ex-mulher é evangélica e não gosta dessas coisas. Aliás, por conta disso, das brigas e etc, já faz um ano que não vejo meus filhos, resolvi deixar eles quietos lá com a mãe.

 

Sua esposa atual é argentina, certo? Como vocês se conheceram?


Essa é uma história muito interessante. Eu a conheci num campeonato em Mar Del Plata, em 96. Aí ela veio pra cá em 96 mesmo e ficou dois meses. Depois eu fui pra lá e conheci a família dela. Namoramos uns dois anos, ficamos noivos e casamos. Mas teve uma passagem que me marcou muito. Quando ainda estávamos namorando, brigamos e ficamos separados por seis meses, sem ver nem falar um com o outro. Aí fui correr um campeonato na Argentina e fiquei em segundo. Quando uma mulher lá veio me entregar o prêmio, ela tomou o troféu da mão dela e veio entregar pra mim, foi demais, todo mundo aplaudiu (rs). Depois disso a gente voltou e não separou mais. Pretendo ter filhos de novo, até porque não curti a fase legal dos meus filhos, pois estava sempre viajando, competindo… Minha segunda filha nasceu, eu tava na Europa e só fui vê-la depois de 25 dias…

 

Quem são seus amigos pessoais?


Olha, eu tenho poucos amigos de confiança mesmo, dá pra contar em uma mão e sobra dedo… Tem o Zé Roberto (Caiçara), que me ensinou a surfar, tem o João, um amigo que mora perto de casa, e o Pit, um cara de Santos que, quando eu morava no Guarujá, a gente ficava se mordendo, um queria pegar o outro… Aquela rixa Santos e Guarujá, sabe? E hoje o cara é um puta amigo meu, tá sempre junto, pega onda junto…

 

E no circuito, tem alguém?


Não, não… Meu, é difícil… A gente tem companheirismo, não amizade. Existe muita concorrência, a gente viaja junto, fica no mesmo hotel, mas não tem amizade, entendeu? A menos que eu não saiba o que é amizade, mas, pra mim, é o que eu sinto por essas pessoas que citei acima. É quando um deles me liga pra contar de um problema, eu saio da minha casa e vou ajudar, ou quando o cara pede tua opinião sobre um lance importante na vida dele, essas coisas… E vice-versa. Isso eu acho legal, isso é amizade.

 

E a caça, você continua fazendo? Como é essa tua relação com o mato?


Putz, eu parei com isso faz tempo, sabia? Tenho feito muita trilha, levado o pessoal da Florestal pra conhecer o mato, que eles não sabem andar no mato, não sabem nada… Mas isso é um lance muito louco, muito bom. A minha avó é índia da tribo Guarani, sabe, vive no interior do Paraná. Hoje ela vive em casa, mas tem a tribo que ela vai direto. Eu já fui lá com o meu tio, mas saiu todo mundo correndo (rs). Eles não estão acostumados com estranhos. Então eu sou descendente direto, minha mãe ainda é mais… Toda minha família tem essa relação com o mato. Tive várias experiências legais no mato… Hoje, se eu precisar disso pra salvar minha vida, numa guerra, ou algo assim, ta tranqüilo.

 

E como era sua rotina de caçador? Você ia pra caçar mesmo ou tinha outro propósito?


Na verdade eu ia pro mato pra meditar, adquirir paciência. Porque bateria de campeonato nada mais é do que um jogo de paciência. Você tem de vinte a trinta minutos pra pegar quatro ou cinco ondas boas. Então tudo isso era uma terapia pra mim, ficar em cima da árvore, concentrado, esperando o bicho… Muitas vezes o bicho vinha e eu deixava ir embora, porque era uma terapia mesmo. Mas já faz uns cinco anos que não vou mais pro mato caçar. Mas ali eu conheço tudo. Se me largar em Bertioga saio lá em Caraguatatuba.

 

Qual é sua comida favorita? E a que menos gosta?


Gosto muito de churrasco e feijoada, mas como de tudo. Na verdade, não tenho muito o costume de comer frutas, o que acabo substituindo por legumes, nem de beber água. Bebo pouquíssima água no dia-a-dia, às vezes fico até uma semana sem beber um copo de água. Minha mulher inclusive começou a me forçar a tomar chimarrão, pra compensar um pouco. Tamo sempre lá na praia e ela fala: toma, toma um pouco. Ah, e não gosto de comer quiabo, isso eu não me amarro.
 
Qual tipo de som você curte pra relaxar, ou pra ouvir antes de competir?


Gosto muito de sons tipo Enia, Enigma, bons pra relaxar… Mas também me amarro em coisas mais pesadas, como Raimundos, Dazaranha (banda do Sul), e reggaes como Tribo de Jah e vários outros. Mas antes de competir prefiro ficar concentrado, sem música.
 
Você faz algum tipo de preparo físico e/ou dieta alimentar para manter a forma?


Não tenho nenhuma dieta especial, apenas o que como no dia-a-dia… Atualmente pratico caça-submarina e capoeira, que já faço há um tempo, além de surfar sempre que tem onda… Também costumo nadar quando está flat e fazer bastante abdominal, em casa mesmo, pois o abdômen é o lugar que concentra boa parte das necessidades do físico em relação ao surf.

 

O que gosta de fazer quando não está no mar, como forma de lazer?


Quando não tem onda gosto de ficar em casa vendo TV com a mulher, ir ao cinema em Santos… Programas bem família mesmo. Às vezes vamos meio que ‘escondidos’ à São Paulo para passear, pegar um teatro e coisas do tipo.

 

Pratica outros esportes que não o surf?


Eu comecei a fazer snowboard há um ano, na Argentina, graças a minha mulher. Ficamos 25 dias numa estação em Ushuaia, onde uma amiga dela tem uma pousada. A sensação é demais, em alguns momentos é quase como pegar um tubão surfando. Ainda não tenho a base, mas já estou pegando o jeito. Quero praticar mais e evoluir. Também fiz jiu-jitsu durante oito meses e me amarrei. Só que não tem professor em Camburi, temos essa carência lá. Não dava pra ir todo dia pra Santos treinar, então acabei desencanando e estou parado.

 

Qual é sua disposição para pegar ondas grandes? Gosta ou apenas cai em campeonatos? E o Tow-in, já praticou?


Olha, eu realmente gosto de pegar mares grandes. Teve uma época que inclusive pensei em parar de competir para me de dedicar às ondas grandes. A última barca que peguei grande foi para o México, tinhas uns 10, 12 pés. Mas não estou bem preparado para isso agora. Porque para competir tem de ser leve, rápido, né. Já para ondas grandes precisa estar mais sarado, com as pernas mais fortes. Quando começaram a aparecer caras como o Burle, Eraldo, o Resende, falei pra minha mulher: olha aí, posso me dar bem nisso. Mas ela não gostou da idéia (rs). Também não tenho condições de me bancar, pois é um esporte caro, um jet-ski custa cerca de 17 mil dólares. Mas se pintar um patrocínio, posso pensar no caso. O Romeu (Bruno) me convidou pra fazer Tow-in, há uns anos. Teve até uma barca com a equipe dele pra uma laje em São Sebastião que tem uma onda animal, um tubão cabuloso. Eles tavam de jet e todos os equipamentos. Ele chegou a me oferecer a prancha dele, mas preferi ir na remada mesmo. Ali é um bom local pra treinar. Digo isso porque aqui no Brasil só podemos nos preparar para praticar em outros lugares. Infelizmente aqui não existem ondas ideais para Tow-in.

 

E qual foi a maior onda que você já pegou?


Foi no Hawaii, em 89. Peguei um mar em Phanton’s com uns 18 pés. Tava bem grande. Tava o Marcus Brasa, Léo Chinês, Kias de Souza e Eric Miyakawa. Eles caíram e eu fui um tempo depois. Perguntei: pegaram onda? Eles disseram que não, então falei para entrarmos de novo, fiquei botando pilha. Aí caímos e peguei logo uma bem grande, de uns 18 pés. Depois todos se deram bem, foi muito legal. Não vou ao Hawaii desde 94. Depois que tive alguns problemas pessoais, dei um tempo. Mas quero ir em breve, é importante estar no Hawaii. É lá que o surfista projeta seu plano de marketing para o próximo ano.

 

Cite algumas de suas ondas preferidas.


Jeffrey’s Bay, na África do Sul, Winkipop, na Austrália, Puerto Escondido, no México, Backdoor, no Hawaii, Maresias, Camburi e Montão do Trigo, em São Sebastião, Pitangueiras e praia do Tombo, no Guarujá. No Brasil, as mais pesadas são Paúba e Maresias.

 

Um fato marcante na carreira.


Bem, por incrível que pareça foi em fevereiro deste ano, em Camburi, onde moro há dez anos. Já viajei por muitos lugares do mundo, peguei Sunset grande, México grande, mas nunca imaginei que ia passar o sufoco que passei em Camburi. Tomei um caldo nervoso e fiquei quatro ondas embaixo da água… Quando saí, minha língua estava dormente, o corpo todo formigando, vendo estrelinhas… (rs). Pô, eu acho que só agüentei porque estou fazendo treinos de apnéia, senão acho que tinha apagado.

 

Na sua opinião, o que representou a mudança do circuito brasileiro com a entrada do SuperSurf?


Olha, no começo eu gostei da mudança, mas depois cheguei à conclusão de que o Brasil é um celeiro muito grande de talentos, e fechar o circuito para 44 atletas é desperdício. Tem muita gente boa que não está na elite e teria condição de ser campeão brasileiro. Acho que pro ano que vem já pode acontecer de abrir. Pra mim seria bom manter assim, venho aqui, passo duas baterias e tô garantido pro ano que vem. Mas não acho justo. Nem disputo as provas do SuperTrials para dar chance pra galera que ta lá ralando. Teve até uma reunião da ABRASP no começo do ano e falei que achava que quem estava garantido pelo SuperSurf tinha que correr a triagem desde o início, e quem corre o Trials e não tem pontuação teria os pré-classificados pra dar oportunidade pro pessoal. No conselho acharam que eu estava louco.

 

Em quem da nova geração brasileira você apostaria suas fichas como um futuro campeão mundial?


Dos que competem aqui, no SuperSurf, eu aposto no Trekinho. Acredito que ele seja o melhor surfista carioca no momento. Ele ainda é novo, falta experiência de competição, tem que amadurecer. O Bernardo Pigmeu também é muito bom, além do Jihad (Kohdr). E tem uma garotada no sul, entre 8 e 12 anos, que arrebenta. Quando essa molecada crescer, vai ser difícil segurar. Só não fomos campeões mundiais ainda porque os juizes não deixam. Mas uma hora “eles vão ter que nos engolir”.

 

Como você avalia o julgamento dos eventos atualmente?


Esse é um ponto delicado. Eu acho que deve haver uma reformulação geral na forma de julgamento. O que acontece hoje em termos de circuito mundial… Na década de 80 o julgamento mudou por causa do Martin Potter, ele era super prejudicado. Tinha o Dave Macaulay, que fazia a onda certinha, enquanto o Potter era explosivo, dava aéreo e outras manobras radicais e ninguém dava nota pra ele. Então, o que adianta ser um surfista inovador, um talento, e não ter nota? Aí vem o outro, no esquema batida/cutback, batida/cutback, e ganha de você…

 

A que você atribui isso? Acha que os juizes não acompanharam a evolução natural do esporte?


O problema é que não houve uma renovação no quadro de juizes. Os que estão atuando hoje são os mesmos que estavam na minha época de garoto. E se eu sair, se o Jojó e o Pedro (Muller) saírem, eles ainda vão ficar por muito tempo. Então a gente está lutando por uma chapa nova pra mudar isso aí.

 

Explica melhor essa história. É pra concorrer à eleição da ABRASP, no final do ano?


Essa chapa ainda não está totalmente definida, estamos conversando pra definir quem ocuparia os cargos e etc. Mas estamos a fim de fazer uma renovação benigna pro esporte de uma forma geral. Os envolvidos são, além de mim, o Guga Arruda, o Falcão (Pedro) seria uma pessoa, mas parece que não tem tempo, o Bira (Schauffer), aqui do Sul, uma pessoa super organizada e responsável pelos melhores circuitos já realizados no Brasil, o catarinense. Aí o presidente e o vice indicariam os outros cargos… A eleição rola no final do circuito, no Rio de Janeiro, depois da última etapa, na Prainha, acho que no dia 7 de novembro.

 

Quem vota nessa eleição?


O conselho dos surfistas vota, as federações – catarinense, paulista, gaúcha e carioca votam. Quem faz campeonato tem direito de voto, paga taxa pra ABRASP, essas coisas… A gente quer fazer uma mudança no esporte para melhor, tirar essa situação de comodismo. Existem pessoas novas querendo trabalhar, com boas idéias…  Tá bem legal o negócio.

 

E vocês manteriam alguém da atual diretoria no caso de uma vitória?


Algumas pessoas sim, que são influentes e conhecem bastante o esquema, como o Klaus Kaiser, por exemplo. O Pedro Muller também, só depende dele. Precisamos saber se ele quer continuar, quais são os planos dele para o futuro. Entre os juizes ficariam o Papel (irmão do Binho Nunes) e o Paulo Mota. Mas pra fazer essa renovação dos juizes é preciso mudar a atual diretoria da ABRASP, pois são eles que mantém os que estão aí, e há um comodismo generalizado de ambas as partes.

 

O que a nova chapa pretende fazer pra retomar os circuitos regionais do país, que estão falidos e servem de base para o brasileiro e mundial?


Eles realmente são a base para a renovação dos surfistas nos circuitos brasileiro e mundial. Pretendemos dar nova vida à tudo isso, valorizar o surf do jeito que ele merece. Eu chamo isso de incompetência de vender um produto alucinante, no caso o surf. Hoje existe uma pessoa na federação que ninguém aceita, e foi eleita por unanimidade pelas associações locais porque manipulou a votação na Federação Paulista. E essas mesmas pessoas pertencem à APS (Associação Paulista de Surf). Então, eles não têm aceitação no mercado de surfwear e não conseguem elaborar um projeto para vender para outras empresas. Aí ficam batendo de porta em porta e recebem não atrás de não. Enquanto não houver uma modificação nessa diretoria não vai haver campeonato…

 

Você acha que a Abril vai renovar o SuperSurf pra o próximo ano?


Bom, é uma coisa difícil de dizer, porque eu não sei quais são os planos da Abril… Eu acredito que a Volkswagen vai pressionar, porque está lançando um modelo de carro com o nome do circuito (a Saveiro SuperSurf), tem a SunCoast que acabou de entrar como patrocinadora. Mas eu acho que ainda tem muito o que melhorar no circuito. No primeiro ano tava demais, eu melhoraria um pouco a premiação apenas. Eu acho que se você vende um circuito rico, ele será sempre rico, e a recíproca também é verdadeira. Então eles estão vendendo uma coisa pobre e estão enriquecendo sozinhos. Se estivessem vendendo uma coisa rica, ficariam milionários…

 

Mas vender um circuito rico significa vender mais caro?


Sim, mais caro… Suponhamos que a premiação por campeonato fosse em torno de R$ 1 milhão. Ficaria muito mais fácil vender um pacote por R$ 5 milhões. Quanto mais renda de premiação, maior o ganho… Isso é óbvio, se um produto é rico, ele vai valorizar todos os envolvidos. Eu elaborei e estou vendendo um projeto por um milhão e meio, e já existem várias empresas interessadas… E fora do surfwear, é um projeto totalmente desvinculado das empresas de surfwear.

 

Como é esse projeto?


É um campeonato brasileiro de seleções, que aconteceria paralelo ao SuperSurf, com quatro etapas e totalmente independente. Cada Estado entra com dez atletas e um técnico. Acredito que a partir de janeiro já teremos algo em termos de calendário. Na minha opinião, o grande problema da ABRASP é que eles se acostumaram com os patrocínios sempre caindo no colo, mas nunca duraram muito, as marcas acabam sempre caindo fora, não há uma continuidade. Eles nunca foram à uma agencia de propaganda, ou de repente licenciar a marca ABRASP, que é alucinante, pra vender um produto, ter um ganho financeiro em cima disso… Tem tantas coisas a serem feitas, eu não entendo porque não fazem. Eu acho a sede da entidade deve estar em São Paulo e no Rio de Janeiro, que é onde estão a mídia e o dinheiro. Aqui no Sul é tudo muito bonito, bacana, mas falta alguma coisa.

 

Tinga, você já está quase na casa dos “enta”. De onde tira motivação para continuar competindo?


Acho que o amor pelo esporte faz com que você prolongue por muito tempo a carreira, principalmente se você vive do esporte, se é sua profissão. E se você tem êxito, se corre atrás dos seus objetivos, sua vida vai longe.

 

O que pretende fazer quando parar de competir?


É difícil dizer. Eu e minha esposa temos alguns negócios imobiliários em São Sebastião, e também costumo investir em terrenos. Mas não dá pra prever, às vezes a gente planeja uma coisa e acontece tudo diferente. Até 95 tudo o que eu planejei se concretizou, mas de lá pra cá foi rolando tudo ao contrário, então decidi deixar rolar. Tudo vai depender também do que acontecer após as eleições da ABRASP. Mas eu tenho vários planos, e não vou me afastar do surf, isso é o que eu sei fazer melhor. Eu sou presidente da Liga Brasileira, pouca gente sabe que a liga existe, mas ela ta aí. Se não me engano é o único órgão nivelado às federações registrado na Receita Federal, é uma empresa, sem fins lucrativos…

 

Quem integra e o que faz a Liga?


A Liga é como a ABRASP, só que eu não posso fazer circuito brasileiro porque a ABRASP faz. Estou organizando as coisas e pretendo fazer esse circuito (seleções) pro ano que vem, que seria feito pela Liga. Depois quero fazer um campeonato de Masters e, se a Federação Paulista continuar ruim, quero fazer o circuito Paulista pela Liga também. A Marcela, minha esposa, é a secretária, o Renan (Rocha) é o vice-presidente, o Jojó (Olivença) é o tesoureiro e o Guga Arruda é o diretor-técnico.

 

Quero falar de um ponto delicado com você, sobre teus patrocinadores ao longo da carreira. Você nunca parou em lugar nenhum e muita gente te chama de mercenário. O que você tem a dizer?


Cara, você me fez uma pergunta que nunca ninguém fez e eu queria muito esclarecer isso. Vamos começar pelo início. Meu primeiro patrocinador, a OP, foi onde fiquei mais tempo, foram oito anos. Mas acabei tendo que sair porque a marca, do Sidão (Tenucci), de quem sou amigo, tava meio mal. Na seqüência fechei com a Wrangler, fiquei um tempo, aí o Sidão melhorou e voltei pra ele e fiquei mais dois anos. Aí ele quebrou de novo e saí fora, fui pra Sundek, isso em 89. Fiquei quatro anos lá, fui campeão paulista e brasileiro em 90. Na época eu tinha um técnico que sabia tudo o que rolava na equipe, inclusive foi ele que me levou pra equipe. Aí eu tava indo negociar meu salário e fui conversar com ele. Falei: olha, vou pedir tanto, você acha que é muito? Ele disse: não, acho que é ideal, vamos fechar. Aí cheguei na empresa, fomos pra reunião e falei com os donos. Eles concordaram com o valor que eu pedi. Não é que o técnico vira e fala: eu acho que é muito. Isso no meio da reunião. Pô, se os donos concordaram, como é que ele vira e fala isso? Foi uma situação muito constrangedora, porque eu era o patrocinado, ele era o técnico e me levou pra equipe. E eu tava vendo que a gente podia sair na porrada a qualquer momento. Ele era meu amigo, desde 79 viajávamos juntos. Depois de um mês e meio pedi para sair antes que acontecesse isso. Eles chegaram a pedir pra eu ficar, dizendo que desmanchariam a equipe e ficariam apenas comigo, mas não topei. Então saí e fechei com a 775. Tinha um patrocínio alucinante, o dono era uma excelente pessoa. Só que ele contratou um cara chamado Alex, um alemão. Na época eu ganhava um ótimo salário, e esse cara começou a me “tisorar”. Depois de ser campeão brasileiro pela 775, ganhar um carro da marca, eu tava no WCT e tinha que viajar e tal. Aí falei pra ele que o visto pra Austrália demorava pra sair, pra ele agilizar isso pra mim. No dia do embarque, meu passaporte tava na gaveta dele, sem o visto. Não acreditei, e a situação só piorou depois. Um dia, começamos a falar da vida pessoal, falei que ganhava muito bem, e ele não se conformou que um surfista que passava o dia na praia ganhasse dez mil dólares, enquanto ele, que era formado em Nova Iorque, ganhava mil e quinhentos (na época). Começamos a nos estranhar, e como ele ficava doze horas por dia com o proprietário falava o que queria sobre mim, me queimou na empresa. Saí mais uma vez e fechei com a Onbongo depois de um tempo. Depois de um ano e meio lá, me mandaram embora sem nenhum motivo. Eles me pagaram viagens pra Europa, pra tudo quanto é lugar. Quando voltei, fui conversar com o dono, agradecer, dizer como tinha sido e ele nem quis me receber, me deixou três horas esperando e outro cara veio me dizer que ele não ia me atender, que eu tava despedido. Três meses depois, fui pra um campeonato em Recife e vi um pôster gigante com foto minha, camisetas com quadricomia minha… Isso foi em 97. Em 2000, três anos depois, comprei em Santos uma camisa da Onbongo com foto minha. Entrei com processo na Justiça. Aí ele começou a ligar pra todo mundo e queimar meu filme. Teve uma vez que eu tava praticamente fechado com o Álfio (Lagnado), depois de um vice num campeonato Hang-Loose, ele ligou lá e não fechamos, começou a perseguição. Não sei qual é o problema comigo, não fui eu que quis as coisas assim. Fiquei um ano correndo pela The Realm sem receber nada, sabe por quê? Ele falou que não tinha como pagar, eu falei: não tem problema, nós vamos trabalhando, eu te ajudo e quando as coisas melhorarem a gente acerta. É difícil, cara… Isso é uma coisa que eu queria muito esclarecer. Eu nunca tive ninguém, nenhum patrocinador que investisse na minha imagem, que me pegasse e fizesse um trabalho sério, profissional. Tudo o que eu consegui até hoje, os títulos, as vitórias, foi sempre graças ao meu próprio esforço.

 

E como está o patrocínio atual, com a The Realm?


Tá meio complicado. Eles já passaram pro Guga (Arruda) que talvez não renovem pro ano que vem, não sei. Eles me pagam um salário pra fazer free-surf, não querem que eu esteja competindo. Mas também não pagam viagem, então vou ficar em casa fazendo o quê? Pego o dinheiro e venho competir… Preciso arrumar outro patrocínio forte pra ficar estabilizado. E eu me amarro em estar aqui, não consigo ficar em casa. Mas hoje são  poucas as empresas do surfwear que investem em atletas, tirando o Álfio, né. Eles preferem fazer páginas de anúncio, essas coisas. Mas isso acontece porque não se investe em ídolos. E porque não existe uma emissora como a Globo envolvida no negócio, tá faltando isso. Nas reuniões eu sempre falo: tá gastando quatrocentos mil em algum canto? Pega esse dinheiro e paga pra Globo cobrir no Esporte Espetacular, por exemplo.

 

Pra encerrar, tem algum lugar no mundo que você ainda gostaria de conhecer?


Tem, em 27 anos de surf eu nunca fui pra Indonésia nem pro Tahiti (rs). Gostaria muito de conhecer esses lugares, são alucinantes, parques de diversões pra todos os tipos de manobra. Tá faltando um patrocinador pra dizer: vai, vai e se diverte, faz a mala (rs).

 

Algum nome pra levar o SuperSurf esse ano?


Acredito que o Wagner Pupo pode se dar bem. Ele tá bem consistente esse ano, tem bons resultados, está focado e merece.

 

Deixe um recado pra galera.


Acho importante dizer que com dedicação e amor pode se conseguir tudo na vida. E paz de espírito também, isso é fundamental para ser feliz. Se você estiver em paz com você mesmo, com Deus, tudo é possível, e o universo acaba conspirando a seu favor.

 

 

*Colaborou: Salvador Anselmi Neto, Dodô.

 

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