Gustavo Kronig

O último shaper

Gustavo Kronig, Indonésia

Gustavo Kronig testa seus modelos na Indonésia. Foto: Arquivo Pessoal.
Shaper não pensa em voltar tão cedo ao Brasil. Foto: Arquivo Pessoal.

Para o experiente shaper carioca Gustavo Kronig, a melhor forma de testar uma prancha é surfando nas melhores ondas do mundo. Hoje, aos 53 anos, ele não mede palavras quando fala deste mercado no Brasil.

 

“No Brasil, muita gente que nunca viu, nem sequer dropou uma onda de verdade, quer se passar por shaper”, exclama Kronig, especialista em pranchas para ondas grandes e com muitas temporadas em lugares como Hawaii e Indonésia.


Criado nas ondas do Arpoador, Rio de Janeiro, Kronig atualmente mora em Bali, onde desenvolve novos modelos e concedeu esta entrevista exclusiva para o repórter Bruno Lemos, correspondente do Waves no Hawaii.


Entre outros assuntos, ele fala do começo da carreira, amizades feitas ao longo do caminho e ainda alfineta os shapers da nova geração brasileira: “No nosso país, um cara faz umas dez pranchas e já se acha o tal”.

 

Quando e como você se envolveu com o surf e a arte de fazer pranchas?

 

Tudo começou em 1969, quando ganhei minha primeira prancha, presente da minha mãe. Era uma single fin mini-model, tamanho 7’8”, que ela trouxe da Califórnia (EUA).

 

Quatro anos depois, por uma questão de necessidade, comecei a brincar de fazer pranchas na garagem do prédio onde ela mora até hoje, no Leblon, Rio de Janeiro (RJ). Naquela época não existiam tantos fabricantes e muito menos um moleque de 15 anos ter condições de comprar ou mandar fazer uma prancha.

 

Foi mais ou menos assim, sem reparar muito bem, eu já me vi fazendo pranchas para os amigos mais próximos como Gui Gama, Roberto Valério, meu irmao Lele Kronig, Tico Cavalcanti, entre outros.

Nesta época, quais ferramentas eram usadas para fazer pranchas? E como eram estas pranchas?

 

Os blocos eram horríveis, bem grossos e com muita pouca curva, só existia a marca Clark Foam. Quanto às ferramentas, era tudo bem rústico mesmo, tudo improvisado.

 

Para ter uma noção, eu tinha um ralador de coco que usava para arredondar as bordas e usava um pedaço de madeira com uma lixa de calafate bem grossa colada para ajudar a afinar o bloco e tentar dar uma curva. Mas na realidade as pranchas ficavam todas empenadas por conta desse processo.

 

As primeiras foram elaboradas rigorosamente com o deck flat, e as bordas com o formato do ralador, bem quadradas. Só adquiri minha primeira plaina em 1976, na minha primeira viagem ao Hawaii, quando conheci um excelente shaper chamado Bill Barnfield, que me ensinou o manuseio e me fez comprar uma. Vale ressaltar que até hoje eu tenho e uso essa mesma plaina.

 

Quando você começou a fazer pranchas, quem já trabalhava na área? De onde vinha a sua inspiração para fazer as pranchas?

 

Existiam muito poucos shapers. Aqueles que eu me identificava mais eram Carlos Mudinho, Rossini Maranhão, o Maraca, que fazia pranchas “esticadas” alucinantes, com o bico bem moderno e mais envergado. Bem diferente dos usados na época.

 

Tinha também o mestre Ricardo Wanderbilt, além de Tito Rosenberg e Henrich Schulemburg, atualmente dono da Rhyno Foam, que para mim é o melhor bloco de poliuretano do mundo.

 

Já pelo lado dos gringos, ressalto a figura do Barnfield, pois foi ele quem me ensinou muito sobre o papel do rocker nas pranchas de surf. Também gosto do Barry Kanaiaupuni quando o assunto se restringe as gunzeiras “sunseteiras” ou para ondas volumosas.

 

Como você descreve a evolução do esporte e da indústria em geral?

 

Uma pergunta difícil. A indústria da surfwear cresceu muito e se tornou milionária. Em contrapartida, hoje nós shapers, a essência do esporte, evoluímos tanto quanto os atletas e suas manobras inovadoras, porém continuamos na mesma, sem o devido reconhecimento e respeito.

 

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Aos 53 anos, Gustavo Kronig mantém o rip e surfa diariamente. Foto: Arquivo Pessoal.
Para ele, Bali é a Meca do surf mundial. Foto: Arquivo Pessoal.

Muitos da sua época já pararam de surfar ou viver do esporte. Por que isso acontece e, no seu caso, como conseguiu se manter no surf por tanto tempo?

 

Da minha época muitos já partiram e como sempre digo, sou um sobrevivente. Persistente e perfeccionista no que faço. Amigos e contemporâneos que pararam pode ter sido pela falta de vontade de vencer no surf, ou até mesmo de não serem verdadeiros watermans.

 

Desde criança vivia ligado no mar. Velejo desde os 6 anos e quando me levaram para o Arpoador me encantei com a coisa. Já sabia que mais cedo ou mais tarde iria fazer pranchas devido à minha experiência em velejo e hidrodinâmica com os barcos. Sempre me interessava pelos tipos e modelos dos barcos.

 

Tive uma marca nos anos 80, até 1988, chamada Get It. Isso no auge do surf no Brasil. A partir daí comecei a viver do surf e me mantenho até hoje, sempre viajando e buscando mais conhecimento e experiência em ondas de verdades e com surfistas muito bons como Pepê Lopes, Roberto Valério, Felipe Dantas, Fred D´Orey, entre outros.

 

Passei alguns anos com Carlos Burle desenvolvendo gunzeiras e mais recentemente com Gabriel Sodré, que está  aqui na Indonésia e testa um novo modelo para tubos. Eles souberam me ajudar no desenvolvimento dos meus arcos de pranchas.

 

Graças a isso, hoje conto com apoio da Osklen. Eles usam minha imagem de um verdadeiro surfer /shaper e posso mostrar minha experiência em outros países, onde valorizam um bom designer. Espero ainda viver muito para o surf, mas pena que no Brasil sou considerado velho e desatualizado (risos).

 

O que te motivou a deixar o Brasil por um tempo e ir para Bali? Existe um mercado aí?

 

O que mais me motivou foi que no Brasil muitos não sabem da minha história e o quanto lutei para que hoje alguns se beneficiem mundo afora. No Brasil me consideram velho e desatualizado e olha que talvez seja o shaper que mais viaja de todas as gerações e que continua surfando em ondas de verdade, não só essas marolas safadas do Brasil.

 

Como as revistas não informam isso, resolvi mostrar o que sei realmente fazer em um mercado maior e sério, graças aos bons contatos que fiz nesses meus 42 anos envolvidos com surf e 38 em fabricação de pranchas.

 

Escolhi Bali pelo seguinte fato: tive a oportunidade de vir há 30 anos e hoje é minha décima segunda vez aqui. Bali se tornou a maior Meca do surf mundial, onde todos os melhores designers do mundo vêm para testar seus novos modelos. Sem contar que aqui tem surfista de todos os cantos do mundo. Até russo tem agora (risos).

 

Como é o seu dia-a-dia?

Muito surf, boa comida, muita informação e aprendizado em tudo: tubos, pranchas e quilhas. Você não testa um carro de Fórmula 1 nas ruas! Se quiser saber o que uma verdadeira prancha faz nas ondas, venha testá-la na Indonésia. Isso que tenho para dizer aos que se acham shaper.

 

Como você analisa o mercado de pranchas atualmente? Não só no Brasil, mas também no mundo.

 

No Brasil, o mercado de pranchas se caracteriza por uma bagunça total. Muita gente que nunca viu, nem sequer dropou uma onda de verdade, quer se passar por shaper. Esses que nunca deram uma virada ou ficaram horas e horas em Sunset, Waimea ou Pipeline, que não possuem algumas temporadas no Hawaii ou na Indonésia e que na minha opinião tiram equivocadas conclusões sobre o tema a partir do funcionamento de suas próprias pranchas.

 

Ao meu ver, isso afeta o desenvolvimento do mercado. Não é à toa que cada vez mais vemos sedas mágicas e não pranchas mágicas. No mundo afora a evolução come solta em termos de novos blocos, novas tecnologias em material e fabricação de pranchas, resinas e fibras.

 

No nosso país, um cara faz umas dez pranchas e já se acha o tal. E tem outra, a nova geração dos que se dizem shapers conseguiu fazer o produto prancha de surf perder o real valor no mercado, que é o pior. Isso por não conseguirem se firmar, vendem uma coisa parecida com uma prancha e dizem que é melhor de quem tem muita experiência em ondas surfadas com suas próprias pranchas. É complicado.

 

Quais seus planos para o futuro?

 

Surfar muitas ondas de verdade com meus filhos, amigos e atletas, como fiz há 20 dias com meu irmão Lele Kronig e meus melhores amigos. Desenvolvo ao lado do Gabriel Sodré um modelo de prancha para tubos e aqui não tem lugar melhor. Além disso, continuar desenvolvendo meus arcos em designer de pranchas e viver um pouco mais na Meca do surf mundial.

 

O que você poderia falar aos shapers que estão no começo ou aqueles que gostariam de um dia ser shaper?

 

Primeiramente, que peguem muita onda de verdade, que aprendam a surfar e a ‘shapearem’ muito na mão. Pois hoje as máquinas de shape estão aí e não operam milagres, e sim a mão experiente do shaper. Em vez de se acharem shapers, aprendam com os mais experientes e não com os marqueteiros de plantão como vejo no Brasil.

 

Qual recado você manda para os internautas do Waves?

 

Que sejam mais patriotas, que valorizem os verdadeiros designers de pranchas brasileiros, que reconheçam aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram para evolução do esporte e de muitos atletas. 

 

Nossa historia não deve em nada a dos gringos, nós só não temos um marketing tão forte como eles. Acesso o site Waves no meu dia-a-dia sempre, e vejo as condições das ondas quando elas rolam. Também gosto das matérias do Marcos Conde e do Darcy Guimarães.

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