Outubro: 20 dias de altas ondas

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#O mês de outubro de 2001 recebeu um dos melhores swells da história de Santa Catarina. Depois de mais de vinte dias de ondas grandes, entre 1,5 e 3 metros, o mar abaixou completamente no dia 26. Na verdade, foram quatro ondulações, que emendaram uma na outra. Cheque o que rolou com o cara que faz o Wavescheck na Ilha e que dispunha da tarde inteira livre pra surfar onde quisesse.

Fazer o boletim das ondas para o site Waves me deixou mais antenado nas mudanças do mar. Não posso prever, mas é possível farejar um bom swell. As ondas começaram a rolar num campeonato Pro/Am na Mole, dia 22 de setembro. Lembro de ter dito ao bodyboarder Zé Lucio Cardim: “Esse swell vai durar uma semana”. Não durou uma, mas quatro semanas, com ondas em 90% dos dias.

#Foi internacional, melhor que qualquer viagem ao exterior. Você chegava, pegava altas com poucos amigos, depois almoçava, dava uma enganada no trampo, enquanto fazia a digestão do rango, e voltava pra mais um pouco de surf no fim de tarde. Sempre via o tuberider Ricardo Azevedo checando as ondas da Galheta, lá no alto do estacionamento na Mole, e perguntava pra ele: “E aí, vamos trabalhar?”.

Pegávamos as gunzeiras e íamos para o batente, entubar na praia da Galheta, o pico mais constante e com menos correnteza nesses últimos swells. “Prefiro surfar aqui nessa praia a sair da Ilha, quando tem essa condição”, revelou Azevedo. Muito crowd se formou na “Gaylhetas”, mesmo nos dias de 1,5 metros. Antigamente, parece que a galera tinha preguiça de andar 15 minutos da praia Mole até lá.

#Numa manhã com ondas grandes que ventou terral o dia inteiro, vi um cara no mar que me pareceu familiar. Olhei de novo e achei que fosse o Cachorrão, dono do bar na praia Mole. Mas o Cachorrão surfa de long e o cara tava de pranchinha. Só depois de um tempo me liguei que era o australiano, ex-top da ASP, Glen Winton (Mr. X), que passou mais de um mês por aqui. Mas parecia mesmo com o Cachorrão!

A praia da Galheta oferece uma espécie de canal pra varar, no canto norte. Nos dias de ressaca, com vento leste/nordeste, a Galheta proporcionou surf quase sem ninguém na água. Eram tempestades de leste. Como dizem os pescadores por aqui: “Venta leste e chove como peste”. E choveu mesmo, muito. Cada vez mais acredito que são as tempestades as melhores formadoras de swells no litoral do Rio Grande do Sul até o sul da Bahia. Quero dizer chuva mesmo.

#Tow-in na Joaca

No início do mês, durante o período da lua cheia, o swell aumentou de tamanho e chegou a três metros, em picos como a Joaquina. As duplas Romeu Bruno/Saulo Lyra e João Capilé/Dê da Barra pegaram seus jet-skis e foram lá atrás da laje na Joaca fazer Tow-in. Rebocaram alguns surfistas lá pra fora, como Adriano Matias, Diego Rosa e outros.

Eles se dedicaram a pegar as ondas que rolavam lá fora. Com ajuda do jet, botaram feras como Teco e Guga Arruda com velocidade suficiente pra pegarem umas ondas que até então quase ninguém surfara. Trata-se daquela esquerda que vem lá da ponta de pedras, bem pra fora do costão. “Dê da Barra pegou um tubão”, contou Capilé. “O mar estava igual ao Hang Loose 86”, declarou o folclórico Capila – por sinal, o Hang Loose foi realizado na mesma época do ano.

No dia seguinte, a galera também fez Tow-in na Joaca. A correnteza continuava insana e só mesmo com jet-ski pra varar e curtir. Na semana seguinte rolou outro bom swell de leste. Mais uma vez estava todo mundo lá, com os jets preparados. A forte correnteza dificultava muito pra quem insistia em surfar no braço.

#Um dia de Sunset no Brasil

Na minha opinião, o melhor dia de surf foi num domingão, dia 7, com 7 pés plus de ondas à la Sunset no Gravatá. Foi no mesmo dia de um campeonato da Associação dos Surfistas e Amigos da Praia Mole, que rolou no outro canto da praia e foi vencido por Davi Jesus.

Nunca vi uma condição tão parecida com Sunset no Brasil. O drop era daquele que faz a face da onda dobrar de tamanho, quando ela acertava na bancada. A textura do mar, a formação dos tubos no inside, a cor, a temperatura da água e o vento eram idênticos ao Hawaii, porém, com um detalhe: só meia dúzia no pico.

#O fotógrafo James Thisted caiu comigo na minha segunda bateria. Minha 6’9″ ficou pequena. A cópia da minha Gerry Lopez 7’6″, feita por Mark Jackola, estava trancada na casa de Flávio Vidigal. Fez falta. Minha cordinha tinha 8 pés naquela manhã. Terminou o dia com quase 10 pés de comprimento.

“Levei o pior caldo de minha vida quando tentei sair de uma onda à tarde”, afirmou o veterano Adriano Matias, que já tinha quebrado uma pranchinha na mesma manhã. Outro que se deu mal foi o amigo Vicente Neto, que pegou um tubo de manhã e teve que sair do mar, pois o teto desabou nele.

Lesionou os ligamentos dos dois joelhos e teve uma das pernas engessadas. Neco Padaratz também caiu no fim de tarde com uma 9 pés e se divertiu nesse pico fabuloso que é o Gravatá. Quando está do jeito, com mais de 7 pés de onda, é um dos três melhores mares da Ilha, na minha opinião.

#Vila das ondas

Neguinho de Floripa também pegou a Vila clássica. Arnaldo Spyer e Roberto Perdigão fizeram uma barca na última terça-feira (dia 24 de outubro) e ainda surfaram altas ondas, com até 1,5 metros. Perdigão se recuperava de uma fratura na costela, mas disse que conseguiu surfar na boa. O acidente ocorreu num dos dias que rolaram ondas grandes, lá mesmo na Vila. Arnaldo disse que foi um dos dez melhores mares que pegou naquela praia. “A água estava quente”, comemorou ele, que odeia surfar com roupa de neoprene.

Neste mesmo dia, fui sozinho pra Naufragados, a outra onda que mais gosto nesta Ilha. Pra variar, estava fechando tudo. Você tem que ir lá uma dúzia de vezes pra pegar do jeito certo, que eu já vi quebrando. É raro, mas é um Backdoor havaiano, com fundo de areia. Pergunte ao Fê Correa, que é um dos melhores lá, ao lado de Peterson Rosa, que impressionou a todos que viram detonando a direita cascuda e tubular.

A onda Bin Laden

Pra não encerrar o texto assim, sem dizer qual é o terceiro melhor mar aqui na Ilha, na minha opinião, vou dar algumas dicas. Chamei a onda de Bin Laden, pois vinha de lado com o reflexo do costão, em frente a umas pedras, sobre fundo misto. Peguei essa onda, rara aqui em Floripa, pela primeira vez no dia 29 de setembro, só com o casal Jorge Baggio e Gabriela Araújo. Foi incrível, porque ela é no estilo double drop, com três bowls cascudos pra passar. Apenas dois bodyboarders e eu nesse pico terrorista, com essas direitas pesadas, emendando seções de tubos de lip carregado. É famosa por triturar ossos e pranchas.

Hoje o vento é nordeste fortíssimo, deve trazer um swell quase de norte, daqueles marrons e gelados, aí quando virar pra sul vai rolar o Matadeiro, minha quarta onda preferida. Ainda não rolou aquele clássico nesse ano, pode ser que seja agora, no próximo swell. Só falta pegar aquelas esquerdas ocas com terral, pra terminar a primavera com a cabeça mais do que feita e altas histórias pra contar.