Overdose na Joaca

Paulo Moura, praia da Joaquina, Florianópolis (SC)

Paulo Moura na esquerda clássica na praia da Joaquina. Foto: Christian Herzog.
Vou tentar descrever com emoção o que rolou neste final de semana na Joaquina.

 

Quem esteve lá sentiu a vibe. Mas, para quem não compareceu, tento explicar neste texto o fato histórico.

 

Este ano está um dos mais constantes, todos os dias dão umas ondas em algum lugar.

 

Mas ninguém esperava o maior mar na Joaquina com perfeição total. Os big riders estavam fissurados, pois desde 15 de novembro de 2004 não rolavam ondas tão grandes em Santa Catarina.

 

As direitas também quebravam pefeitas mais para o meio da praia. Foto: Christian Herzog.
Como de costume, olhei o Gravatá e estava bastante passado e correnteza jogando pra cima do costão direito.

 

Na véspera, caí lá e havia redes de pesca, pois é época de tainha. Ali sempre tem onda grande, onde surfei os maiores mares que já peguei na Ilha nesta mesma época do ano, além de uns dois dias na ponta da Feiticeira com o Zé Negrella e o Basílio fotografando.

 

Lembrei de que isto já fazia 10 anos lá no fundo, quando tinha passado uma arrebentação com ondas acima de 10 pés na Joaquina.

 

E lá estava eu de novo, num mar grande só surfando com a força dos braços. Nem percebi que aquele feito depois renderia tantos parabéns, porque foi uma coisa quase natural, uma obrigação.

 

Se eu quisesse realmente pegar aquelas morras, tinha que ir no braço, do jeito que eu sei fazer e gosto: botar pra baixo nas rainhas e curtir a camaradagem que tem no outside num dia desses.

 

A verdade é que cheguei à praia da Joaca de 6´8? na manhã de sábado. Steweson Cripa saiu do mar adrenalizado e dizendo que tinha conseguido passar no braço uma vez. Depois, um cara de jet puxou ele pro fundo.

 

Cripa estava de 6´8? e disse que era pouco. Fui em casa trocar de prancha, aproveitei para mais um café pra ligar e voltei. Paguei o estacionamento, botei o long e fui direto pra água. Não tinha mais ninguém na remada.

 

Não varei e ninguém mais tava varando. Saí e fiquei ali com a turma do jetski, meio de bode, observando os caras detonarem as clássicas esquerdas de até 12 pés no canto.

 

Fiquei tranqüilo, só esperando um momento pra tentar de novo. Conversava com antigos parceiros de big surf na remada, mas que agora aderiram ao motor do jet. Todos estavam amarradões e felizes pelas ondas surfadas. E eu ali, decepcionado por não estar lá fora.

 

Mas não tenho a menor vontade de ter um jet e cuidar do motor o ano inteiro, para a possibilidade de um dia não conseguir varar e ter que ficar olhando de fora. Achei que seria bem aquele dia e já estava me redimindo quando vi Yuri Sodré tentar varar e também ser jogado no meio da praia.

 

Ele é bem mais novo e faz parte do Circuito Mundial Eu não me considero velho, mas tenho 40 anos. Faço natação na academia do Marcelo Amin e me mantenho em forma, mas estava me conformando.

 

Enquanto escutava alguns amigos do tow-in dizerem que a natureza impôs limites e blá-blá-blá… olhei e vi ele, Yuri, vindo do meio da praia sem ter conseguido.

 

Naquela hora, Raphael Becker, campeão catarinense profissional de 2003 e outro cara que parecia local, iam com suas pranchas em direção à Careca. A maré estava bem baixa. Eles aproximaram-se da pedra o máximo possível, até sair remando. E Yuri juntou-se a eles.

 

Eu que estava ali com a prancha 7´7? do Schllickmann ao lado, ainda conversando com os amigos, saí andando para seguir os caras e formar uma parceria com um único objetivo de fazer um surf naquelas paredes incríveis de esquerdas perfeitas no outside.

 

Eles se adiantaram e, quando saí de trás da proteção da Careca, a galera tava novamente sendo jogada mais para o meio da praia. Daí, Alex Herdy surgiu com a prancha de tow-in numa onda meio que vinda do nada, e me olhou sem botar muita fé porque tava mesmo pesado.

 

Eu já estava meio desistindo, pois meus parceiros pareciam ter sido derrotados pelas séries. Mas, que nada, eles já estavam passando e eu não ia perder aquela oportunidade.

 

Passei mais algumas espumas dando joelhinho e já estava numa zona onde iria sofrer se fosse pego por uma série. Fui indo, acreditando e cheguei lá fora. Era um teatro, com os jets passando na nossa orelha, mas nós quatro lá fora.

 

Adriano Matias, que faz o Wavescheck em Floripa, pegou uma onda enorme vindo lá de trás do Costão, passando por com muito estilo por nós que tentávamos bravamente dropar no braço.

 

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A galera foi ao delírio com as ondas na Joaca. Foto: Christian Herzog.
Lá fora, o visual era de perfeição absoluta. O ruim era a arrebentação. Entrou uma série gigante. Remei forte e passei no alto do lip, tranqüilo. Raphael e o outro local não tiveram a mesma sorte e levaram a onda na cabeça.

 

Àquela altura, eu já tinha conversado com o local que entrou junto e ficamos brothers. A prancha dele quebrou ao meio com a rainha da série e a situação era crítica.

 

Pedi então ao amigo Ricardo, que rebocava alguém, para tirar o cara e levar pra praia. 

Yuri manteve-se nas direitas no meio da praia e, depois de pegar umas duas ondas, veio para junto de mim e do Raphael, atrás da Careca.

 

Entre surfistas de remada e praticantes de tow-in, todos fizeram a cabeça no big swell. Foto: Christian Herzog.
Mais umas ondas passaram e Raphael já tinha dropado algumas esquerdas. E veio outra grande série. Remei e fui na maior. Desci naquela esquerda que parecia Sunset, só que invertido.

 

Lembro de Yuri passar a onda na remada e gritar amarradão com meu drop. A prancha ficou levinha, cheguei à base e fiz uma longa cavada para tentar recuperar a parede que se desmanchou toda.

 

Sem enxergar direito a espuma atrás de mim, fui contornando até conseguir ir para a parede e seguir um pouco mais até a junção. Infelizmente, não consegui voltar mais para o fundo, apesar de outras duas tentativas. Numa delas de jetski, rebocado pelo experiente Dudu Schultz.

 

Nem assim consegui. No momento que tentamos havia muitas séries e a situação de ficar deitado no sled não era nada confortável, com uma prancha 7´7? e o bico na minha cara, pulando as espumas com muita violência.

 

É uma situação tão perigosa que mais tarde, Guga Arruda tentou e perdeu oito dentes da boca num acidente muito triste. Eu não estava lá, mas me contaram. Dudu e eu tentamos por três vezes até que eu desisti e saí do mar.

 

A galera do jet continuou detonando e mais cinco caras conseguiram varar. Ainda fiquei olhando com muita vontade de voltar ao fundo, pensando: ?Se eu tivesse saído antes da onda e voltado para o outside…?, mas já tinha conseguido a minha onda de honra e que me proporcionou tanto prazer como um orgasmo.

 

Tanto é que chamei aquela minha rainha de Nanda, em homenagem ao Dia dos Namorados. Muitos amigos vieram me parabenizar pela onda grande que dropei. Eu só acho que não fiz nada, só fui lá pegar as ondas no braço porque acho a coisa mais natural do mundo.

 

É só ter a prancha, parafina, cordinha, um long, estar com disposição e acreditar.

Quero elogiar todos os caras que detonaram com ajuda dos jets. Eles mandaram muito bem: Dê da Barra, Diego Rosa, Abacaxi, Ricardo, Adriano Matias, Celso Furtado de Mendonça, André Barcelos entre outros. E até o doutor Joel, que também pegou uma boa.

 

O top Paulo Moura, capa de nosso Jornal Drop, detonou mesmo. Na minha opinião, detonou mais que todo mundo. Foi o mais destemido e ao mesmo tempo certeiro, mandando belas manobras nas esquerdas e nas direitas no meio da praia, aproveitando a velocidade projetada pela força da máquina.

 

Mas eu quero elogiar principalmente a coragem de todos que surfaram na remada e tiveram a manha de passar a arrebentação da Joaquina.

 

Com certeza, foi um dos cinco maiores swells que vi no Brasil até hoje.

No dia seguinte, o mar subiu mais, quebrando mais pra fora. Tinha ondas de 12 pés com séries maiores.

 

Ninguém conseguiu varar no braço. Só o local que entrou com a gente na véspera conseguiu chegar lá fora, rebocado pelo jet. Chegou lá sem o bico da prancha, quebrada de tanto bater na popa do jet. Ele entrou com uma 7´6?, chegou lá fora e só tinha uma 7´2?.

 

Mas foi o mais casca grossa. Ficou ali no meio servindo de bóia para os caras dos jets durante duas horas. Só pegou duas ondas, mas uma delas logo no início tinha fácil seus 12 pés. Ele ficou pendurado no lip e conseguiu fazer a esquerda toda, com o conhecimento de um local do pico.

 

Seu nome é Marcelo Tonon. Quando dropou, a praia toda gritou como se fosse um gol do Brasil na Copa. Jorge Baggio, de bodyboard, também foi rebocado lá pra fora e pegou uma boa direita. Outro rebocado lá pra fora rebocado foi Gui Ferreira.

 

Pela péssima experiência de ser rebocado e de não ter conseguido chegar ao fundo na véspera, no domingo tentei varar duas vezes no braço, sem sucesso.

 

Fiquei triste por não ter conseguido, mas tentei e tentaria novamente se tivesse um brother a fim de encarar o longo caminho até o outside. Mas ninguém sequer tirou uma gunzeira das capas.

 

Cheguei a uma conclusão. Prefiro pegar menos ondas e passar a arrebentação remando, do que ser rebocado pelo jetski e correr o risco de quebrar o bico da prancha ou perder meus dentes.

 

Pra mim, isso é o que eu curto no surf, a remada também é legal, mas respeito meus amigos que aderiram ao tow-in e vi que no domingo o dia foi só deles.

 

Porém, nos outros 364 dias do ano estarei surfando no braço com a galera da remada em qualquer condição. Pelo menos vou tentar.

 

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