Mahalo Eco Festival

Perdigão dá a letra

Roberto Perdigão, Mahalo Surf Eco Festival 2014, Tiririca, Itacaré (BA).

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Roberto Perdigão, Mahalo Surf Eco Festival 2014, Tiririca, Itacaré (BA). Foto: Ader Oliveira
 

Em entrevista ao Waves concedida durante o Mahalo Surf Eco Festival, Roberto Perdigão, diretor regional da ASP South America, comenta o atual cenário do surf brasileiro e as novidades no calendário de eventos da América do Sul.

Nesta entrevista, ele comenta assuntos como a escassez de eventos no Brasil, falta de patrocínios aos atletas e os critérios para determinar a quantidade de estrelas nas etapas do WQS.

Como avalia a temporada?

Nos anos anteriores nós ficamos devemos em termos de calendário. A ASP South America sempre teve um calendário recheado, mas de uma época pra cá eles sumiram. Tentamos, de uma certa maneira, equilibrar isso, abrindo fronteiras em outros países.
Este ano, talvez em função dessas mudanças da ASP, o mercado se estimulou de novo e as pessoas envolvidas se mobilizaram e trabalharam arduamente para trazer novos eventos.

No ano passado tivemos só o Prime em Saquarema e o Pro Junior na Joaquina deu uma fortalecida, mas este ano, em função de toda essa visibilidade que o Tour está dando para o surf e também devido à boa campanha que os brasileiros estão fazendo, tivemos de volta um calendário reforçado. Pessoas como Fred Leite (presidente da Federação Catarinense e promotor do Santa Catarina Pro), Railton Lemos (organizador do Mahalo Surf Eco Festival), Xandi Fontes e Tuzino (organizadores do O’Neill SP Prime) foram extremamente substanciais para que isso acontecesse. Ganhamos um 6 estrelas em Santa Catarina, um Prime em Maresias e mantivemos a etapa em Itacaré. Foi uma vitória coletiva trazer essas etapas no fim do ano cruciais para muitos que brigam pela classificação ao WCT.

É importante destacar também o foco que demos ao surf feminino. Tivemos a etapa em Florianópolis e aqui na Bahia, depois teremos uma novidade, a etapa de nível 3 estrelas em Pichilemu, no Chile. As meninas estão num nível impressionante, como podemos acompanhar nas etapas do WCT, e o Brasil sempre teve uma tradição nos eventos femininos. No ano passado nós perdemos a Silvana, mas ela está voltando este ano.

Muitas pessoas envolvidas com o surf no Brasil questionam a falta de eventos e de patrocínio aos atletas. Algumas delas acreditam que parte disso seja em função dos investimentos de muitas empresas na Copa do Mundo e nas Olímpiadas. Acredita nessa hipótese?

Com certeza todo o investimento corporativo das grandes empresas já está programado para esses dois grandes eventos. Parte foi consumida na Copa do Mundo e a outra parte será consumida nos Jogos Olímpicos. A gente não tem como concorrer com esses eventos. O aspecto positivo é essa trajetória do Gabriel Medina no Tour, essa liderança durante todo o ano, o que isso gerou de retorno de mídia, de visibilidade. Isso abriu os olhos das empresas do segmento. Com a qualidade da web, do conteúdo das entrevistas, ele se tornou uma bola da vez. O Gabriel Medina surge como catalisador de todo esse movimento. Acho que as participações dos brasileiros no WCT são responsáveis por todo esse upgrade que o surf teve na América do Sul.

Diferente de parte de um planejamento no Brasil de gerar campeões, de criar uma estrutura para o desenvolvimento do surf – uma coisa que não está acontecendo -, de uma certa maneira a salvação da lavoura dos surfistas tem sido a ASP nestes dois últimos anos. Então é uma responsabilidade muito grande você ter que atender a essa expectativa, você ter noção do que está acontecendo no Brasil, que não tem um circuito amador decente, não tem um circuito profissional que gere emprego, que gere visibilidade, que fomente o esporte, que incentive a garotada. Então toda essa expectativa dos seguidores do Gabriel Medina, dos seguidores do Mineirinho, da garotada que está começando agora, essa responsabilidade toda recaiu sobre os ombros da ASP South America. E graças a Deus, nestes últimos 22 anos nós conseguimos criar uma credibilidade entre organizadores, mercado, empresas, órgãos públicos, pois são eventos que geram muita exposição. E parece que as coisas voltaram a convergir. Este ano eu acredito que seja a retomada de calendários mais fortes, com mais oportunidades para os nossos surfistas, juízes, enfim, de pessoas que gravitam em torno disso tudo.

Ainda falando nessa falta de investimentos, acha que estamos passando por uma peneira no surf? Acha que, entre os atletas, somente quem está no WCT consegue viver bem?

O esporte profissional, queira ou não, é elitista. Você não consegue proporcionar o mesmo padrão ao primeiro do ranking e ao septuagésimo do circuito. Sempre vai haver uma diferença. O cara vale o quanto ele pesa. É difícil o mercado hoje poder absorver essa demanda imensa de surfistas que temos no Brasil, ávidos pela carreira profissional. O perfil geopolítico do Brasil é ímpar. Nós temos mais de 9 mil quilômetros de costa, verão o ano inteiro, uma população jovem, então potencialmente temos uma capacidade de criar uma demanda imensa em relação ao que hoje é a bola da vez dessa juventude, que é o surf, com Gabriel Medina e outros fatores que já citei. Então cada vez mais os surfistas vão valer o que eles pesam, a posição deles no ranking, e é por aí. Não existe mais todo aquele paternalismo que havia nas décadas de 80 e 90, quando o cara tinha toda aquela equipe com 10 surfistas, cinco eram irmãos. O mercado era muito mais fértil, muito mais rentável naquela época. Hoje a competição é maior e acho que é a lógica. Quem tem mais valor deve ter mais lugar ao sol.

Você é a favor de um circuito brasileiro independente ou com etapas válidas pelo WQS?

Não faz sentido você criar um circuito brasileiro, japonês, chinês, que não vá levar o surfista a lugar algum. O fato de o circuito ter uma continuidade está ligado à carreira profissional que esse garoto vai fazer.  Eu me lembro de quando a gente fundou a ABRASP (Associação Brasileira de Surf Profissional), em 1986, até antes do SuperSurf, que foi quando os surfistas brasileiros do Conselho, grandes conselheiros da ABRASP, fecharam o circuito brasileiro para o WQS, foi a época mais fértil do surf brasileiro. Chegamos a ter 11 surfistas brasileiros no WCT, toda hora havia troca de guarda entre os brasileiros no WCT. Os surfistas que corriam o circuito nacional não estavam tão preocupados com o circuito, e sim com o fim da trajetória, de estar entre os Top 44 do WCT naquela época.

Acho que foi uma grande perda quando os conselheiros cerraram as portas da ABRASP para os pontos do Circuito Mundial. A gente andou para trás. Acho que é fundamental essa ideia de retomar aquele formato, porque ele linka uma realidade nacional com uma perspectiva de projeção internacional, e isso está bem claro hoje. Alguns anos atrás, Gabriel Medina venceu uma prova contra Neco Padaratz na praia Mole e hoje ele é um dos maiores surfistas do Circuito Mundial. Acho que temos que trabalhar não pra gente ou para as entidades, e sim com um plano direcionado para a carreira do surfista, para que esse plano possa levar o garoto a algum lugar.

Quais os critérios para determinar o nível de uma etapa do WQS? Basta o organizador bancar a premiação necessária ou outros fatores influenciam?

O procedimento de homologação obriga o pretendente a enviar uma carta de intenção para a ASP South America. Nessa carta ele diz o lugar, a data, número de estrelas. A partir dessas informações nós vamos estudar a viabilidade daquele evento ser do jeito que o cara quer. Certos lugares não comportam nem uma etapa de 4 estrelas. Então você segue um critério de qualidade. Nós restringimos a opção do postulante de acordo com o lugar em que pretende fazer o campeonato, salvo uma o outra exceção. O principal é você manter a qualidade técnica, oferecer o espetáculo, porque é isso que vai atrair a mídia, o patrocinador, isso que vai de uma certa maneira separar o joio do trigo. Há surfistas que não têm tanta habilidade, mas em determinado tipo de onda ele produz mais do que o outro, então acho que a seleção tem que ser pelo aspecto técnico, pela qualidade da onda, não pelo dinheiro.

Aqui em Itacaré, por exemplo, houve a proposta de uma etapa 5 estrelas, mas vetamos, pois acredito que, apesar de já ter sido sede do WCT Feminino, esta época do ano não seja a mais propícia para você colocar tantos pontos em jogo numa situação de onda que talvez não atenda à expectativa dos surfistas. E não há nada pior do que você promover um evento que não atenda à expectativa dos surfistas.

Se fosse na época ideal, até que nível esta etapa em Itacaré poderia chegar?

É difícil dizer, mas acredito que podemos chegar até a um 6 estrelas, mas é preciso encontrar a época certa. Aqui na Bahia, por exemplo, tivemos um campeonato na Praia do Forte e todo mundo adorou. É uma onda definida, não um beach break que muda o tempo inteiro. É isso que todo mundo busca, é esse padrão de qualidade. Não só aqui, como em qualquer outro lugar. Em alguns lugares você não tem disponibilidade para isso ou o custo é muito alto.

Podemos ter novos eventos no próximo ano aqui na América do Sul?

A princípio, o nosso maior desafio em 2015 é manter o mesmo cardápio, o mesmo calendário. Existem propostas na mesa para um 6 estrelas em Punta Rocas, Peru, no verão, e também de upgrades para outros eventos, como a etapa em Arica, no Chile. Estamos trabalhando, em fase de negociação, mas não posso dar nenhuma perspectiva ainda para 2015, pois tem muita coisa acontecendo, muito evento rolando, mas aos poucos estamos construindo o calendário da próxima temporada e acredito que ele fique no mesmo patamar, talvez um pouco melhor do que o atual.

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