Quem está a fim de curtir uma trip pelo litoral catarinense, é bom dar uma checada no roteiro e ficar atento a alguns detalhes. Senão, em vez de boas ondas, você pode pegar uma boa dor de cabeça. Várias praias conhecidas pela excelente qualidade das ondas, principalmente nesta época do ano, fecham para que ocorra exclusivamente a pesca da tainha. Isso já trouxe muita confusão. Para os pescadores, os surfistas espantam os cardumes próximos à praia.
Por isso, de 1 de maio a 15 de julho o surf fica proibido nas seguintes praias de Florianópolis: Brava, Ingleses, Santinho, Canto das Aranhas, Barra da Lagoa, Campeche, Morro das Pedras, Armação, Matadeiro, Pântano do Sul, Açores e Naufragados. Para que fique bem claro, as únicas praias liberadas são meio de Moçambique, Galheta, Mole e Joaquina. Picos alucinantes como a Guarda do Embaú estão fechados desde 15 de abril. Garopaba também está interditada. Na Silveira, só é possível pegar onda com o mar muito grande, correndo o risco de ser repreendido ou até agredido pelos pescadores.
Os primeiros confrontos entre pescadores e surfistas na ilha e na região de Garopaba ocorreram na década de 70. A violência foi aumentando paralelamente ao número de surfistas, de crescimento vertiginoso nos últimos anos. Um dos atuais destaques catarinenses, o amador Diego Rosa presenciou um conflito e conta que há três anos foi surfar com uns amigos no Campeche, sabendo da proibição.
“Não fazia idéia da atitude que os pescadores poderiam tomar. Não ficamos nem 15 minutos na água. Um grupo de pelo menos 20 pescadores – um deles armado com uma foice – veio atrás e corremos para o meio das dunas. Um de nós não fugiu, não sofreu nenhuma agressão, mas teve a prancha toda quebrada”, conta.
Para Guilherme Ferreira, surfista profissional e morador do Campeche, falta comunicação. “Os pescadores não mandam sair, nem proíbem entrar. Os problemas ocorrem quando vamos embora, aí querem brigar. Não queremos deixar de comer tainha. É um dos meus pratos favoritos. Queremos surfar e mostrar que surfista não interfere na pesca. Outros fatores, como a poluição, agridem mais o meio-ambiente e faz com que a tainha diminua”, analisa.
Na realidade, o maior inimigo dos pescadores artesanais – que utilizam tarrafa e canoas a remo – são barcos de grandes companhias de pesca. Utilizando sonares e técnicas modernas, pescam um número imenso de tainhas na saída da Lagoa dos Patos (RS). A pouca que resta é disputada pelas comunidades pesqueiras espalhadas pelo litoral catarinense.
A época da pesca ocorre justamente no período de desova, portanto, deveria ocorrer um período de defeso da espécie. As ovas são justamente o que mais se vende. Ajax Bustamante, pesquisador do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) com sede em Itajaí, município na região sul de Santa Catarina, afirma que não ocorrem pesquisas científicas sobre o assunto.
“O Governo nunca se preocupou com isso. A sede do IBAMA em Brasília é que determina as espécies controladas. Por enquanto, não há interesse em acompanhar a tainha, como já acontece com a sardinha. Antigamente, eram feitas reuniões para que determinassem os peixes que deveriam ser pesquisados e preservados. Hoje, isso acabou. O desequilíbrio ecológico que essa pesca pode ocasionar nunca foi discutido. Provavelmente, se a pesca da tainha ocorresse o ano inteiro, ela já teria sumido”, avalia o pesquisador.
Já houve muitas tentativas de acordo entre a Federação Catarinense de Surf (FECASURF) e a Federação de Pesca. O uso de banderias em algumas praias é o que tem dado mais resultado: a verde libera o surf; branca sinaliza a presença do peixe.
Segundo Ivo da Silva, presidente da Federação de Pesca, houve um avanço muito grande na relação entre surfistas e pescadores. “Ontem (8/5), tivemos uma reunião e houve elogios sobre o comportamento dos surfistas, principalmente no Campeche. Eles estão respeitando as regras estabelecidas por sinais. Agora, vamos tomar medidas para inibir outros tipos de pesca”, diz. Entre outros casos de pesca predatória, ele cita a pesca amadora com explosivos.
Em locais onde não há acordo, a vontade do pescador prevalece. Silva explica que praias como o Rosa, Guarda do Embaú e Santinho poderão ser incluídas na lista das disponíveis para o surf – quando não houver cardumes de tainha à vista.
Segundo Bira Schauffert, diretor-executivo da FECASURF, muitas regiões se desenvolveram por causa do surf, como a Guarda e Garopaba. “Elas poderiam ganhar mais com o surf do que com a pesca. Mesmo a tradição sendo respeitada, a tendência é a pesca artesanal ir perdendo cada vez mais espaço. Enquanto que um exército de surfistas crescerá assustadoramente, tornando impossível proibir a presença do surf nas praias 365 dias por ano no Brasil”, especula Schauffert.