O título parece nome de remédio, mas é só uma solução para fazer caber as histórias neste pedaço de papel digital. Não precisaria mesmo medicação, já que a etapa que começa dia 8, em Pipeline, desta vez não testará torcedores hipertensos.
É pena, não há um título mundial em jogo. O anticlímax não acontecia desde 2011, quando Kelly Slater venceu por antecipação em San Francisco. A descarga de adrenalina, portanto, fica restrita aos surfistas, que dividem, sem crowd, o inestimável presente de surfar na bancada mais emblemática e poderosa do mundo.
John John Florence entra na água recém-coroado rei do esporte, com uma pontinha de pressão nas costas: conquistar sua primeira vitória em provas da elite na onda que lhe projetou para o mundo, no quintal de casa. E, quase certamente, a conquista ainda viria com o bônus do Tríplice Coroa, depois da vitória em Haleiwa. Mas, para muito além de uma cereja óbvia num ano espetacular, a vitória em Pipeline seria uma espécie de acerto de contas com a sua história.
Talento naquela onda, não lhe falta.
Só precisa combinar com os russos. Sobra gente disposta a carimbar o colar havaiano de campeão do mundo, tomando-lhe pelo menos a vitória na tradicional etapa em memória a Andy Irons. Gabriel Medina, por exemplo, que bateu na trave nos últimos dois anos, vai chegar faminto para finalizar bem a temporada.
Poderia ser ele com o caneco na mão, ou perto dele, não fossem os descaminhos de 2017. Erros de julgamento, derrotas em momentos-chave e um adversário constante, consistente e talentoso agora são página virada.
Se vencer, o brasileiro segue a máxima do próprio rival havaiano, que certa vez disse que o campeonato começa a ser vencido no ano anterior, se possível com uma grande apresentação na etapa de encerramento. Uma vitória em Pipeline seria um remédio e tanto para Gabriel, sobretudo depois de um ano tão desgastante.
Indicação da pílula da vitória: recuperar o brilho dos olhos do brasileiro.
Tem também o maior vencedor, Kelly Slater, que anunciou a despedida de sua carreira para o fim de 2017. Estratégia de enxadrista. Jogou a pressão para os juízes a uma etapa do encerramento do ano anterior. Deu-lhes o tempo necessário para refletirem sobre o peso de sua ausência e, assim, valorizar a presença na temporada derradeira.
É, talvez, o maior favorito ao título em Pipeline, por tudo o que fez na vida e pelo que fez este ano em Teahupoo. Se vencer, infla ainda mais seu espírito e – vai saber do que esse cara é capaz – renova seu surfe. Aumentariam as chances de um 12o déjà vu em 2017. Você duvida? Até o americano pendurar a lycra, apostar contra ele é risco.
Pipeline é também o último suspiro de quem luta contra o rebaixamento, o palco certo para veteranos habilidosos sem pressão de resultado como Jeremy Flores, uma onda boa para trialistas destronarem tops e, mais que tudo, a arena mais emblemática do nosso esporte. O pico que concentra os arquétipos do surfista. Todos nós, mesmo sem ter tirado tubo naquela bancada, temos uma baforada de Pipeline em nosso caráter.