Torcedor Fanático

Pós-frenesi

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Filipe Toledo faz história com vitória sensacional no Rio de Janeiro. Foto: Keale Lemos / Lemosimages.com

 

Ótimo, galera. Filipe ganhou, fez história, se consolida como o melhor surfista de ondas de meio metro, meio metrão, um metro, do mundo, em condições de beach break. Fato!

Campanhas louváveis na Gold Coast, em Trestles e agora no Postinho. Não deu chance, aniquilou, passou o rodo.

Deixou seus adversários até constrangidos em constatarem que realmente estavam um nível abaixo do garoto de Ubatuba.

O público deu um show à parte no Rio e fez com que o surf inflamasse de vez o frenesi por ídolos de que o Brasil tanto é carente. Entrevistas na praia do público não deixam mentir: muitos não estavam ali pelo surf, mas sim pelos seus protagonistas. Mas, isso importa? Sim, não, talvez. Depende o grau de “exigência” e “crítica” que cada um tenha. Foi bacana de ver e se emocionar.

Mais um fato é que essa empolgação vai gerar (e já está gerando, desde o caneco de Medina de 2014) dividendos ultrapositivos na indústria de surfwear e ainda fomentou que outras empresas não diretamente ligadas ao setor investissem pesado no surf.

Medina, campeão do mundo, foi um divisor de águas e essa empolgação comercial e emocional tem afetado muita gente, até mesmo muitos profissionais. Tenho visto análises tão otimistas que têm deixado até o Torcedor Fanático um tanto desconfiado.

O Brasil é o país do surf? Não! O Brasil é o país que vive o momento do surf. Para ser o país do surf teríamos que ter formação de base de surfistas, teríamos que ter ondas de melhor qualidade, teríamos que ter estrutura nas praias, praias com baixíssimo índice de poluição, segurança, etc. Isso sim é ser o país do surf.

E digo mais, basta um eventual insucesso de nossos atletas, que gradativamente eles pararão de ter suas imagens no canal do plim plim e metade dos fãs clubes fecham as portas ou perdem 50% de seus seguidores. Estaríamos sujeitos a voltarmos ao nosso quadrado só dos apaixonados pelo surf, seja qual for o protagonista. Voltamos aos canais de TV por assinatura, sem precisarmos de “legenda” para entender a diferença entre um drop e um floater.

Calma, pessoal, o frenesi está alto demais. Estamos colocando alguns tijolos, mas ainda falta muito para termos uma casa sólida.

Sim, encabeçamos os rankings, temos o primeiro e o segundo colocado na primeira divisão, temos o segundo e o terceiro no QS e vários outros vindo no pelotão intermediário. Ganhamos quase tudo de importante de campeonatos da primeira e segunda divisões da WSL, é verdade. Hoje somos os melhores. E agora, os campeonatos passarão por estradas onde os que hoje encabeçam não têm tanto retrospecto positivo.

Temos que ficar atentos ao ressurgimento de nomes que talvez estejamos esquecendo, como Parko, Slater, CJ, ou mesmo o firmamento de algumas promessas que estão prestes a vingar, como JJ Florence, que anda dando só uns beliscões, mas ainda não subiu ao topo.

Voltando a falar de Medina. Vejo que a expectativa de um segundo ano seguido arrasador tem deixado muitas decepções. Muitos têm perdido a cabeça e condenado o surfista a imagem de que está só curtindo a boa vida, saboreando ainda a fama e o título de 2014, e assim por diante. Classifico isso como parte do frenesi. Um “joga pedra na Geni” só porque o rapaz não anda lá muito bem das pernas, ou melhor, das manobras.

Na reta final do circuito de 2014, mesmo aparentando serenidade em suas entrevistas, o atleta nitidamente esteve nervoso na água. Manteve o foco do título, mas abalou-se pela pressão. Revirou a mesa em Pipeline e levantou a taça. Ponto!

Minha visão particular, até como graduado em educação física, é de que tem havido um certo exagero em utilizar todo esse aparato de suplementação alimentar e de preparação física. Além do crescimento natural que a idade tem dado a Gabriel, essa gana de contratar os melhores e ele consumir o melhor, parece que tem dado a ele mais força do que jeito, e antes ele tinha mais jeito do que força.

Hoje ele não volta mais com tanta facilidade daqueles aéreos bizarros. Falo isso dentro das baterias, mas quando é no freesurf, onde o que se vê pela TV é um clipe de 5 minutos, onde levou-se mais de horas para capturar as imagens, sim, ele ainda volta e ainda voa muito alto. Só que Medina é competidor e não freesurfer.

O surf é hoje um nicho no qual temos um monte de profissionais ainda testando técnicas e as adaptando ao surf. Os resultados práticos ainda são recentes. Os objetivos precisam ser melhor avaliados, senão transformaremos artistas da ginga em cyborgs engessados.

Um equilíbrio dessa preparação, vejo, é o mais indicado. Assim como um equilíbrio da parte física e psicológica, não só para Medina, mas para todos os atletas.

No mais, deixem os meninos curtirem. São atletas, estão alcançando seus apogeus, mas tirando Mineiro, ainda são meninos.

Mineiro terá a grande chance de segurar essa lycra amarela nas próximas três etapas, mas vai precisar ficar sempre entre os cinco primeiros, subir em algum pódio e torcer contra Mick, Filipe e John John. Passando essa tormenta, pode sim ser campeão mundial. Mas, se descambar e amargar resultados menores do que esse, as chances de dar adeus são grandes.

Todos têm que ficar de olho também em Kerr, Young e Wright, que são respectivamente quarto, quinto e sexto colocados e estão doidos acabar com a farra dos brasileiros. Aliás, dos gringos, quem não está?

Ainda faltam sete etapas, dá tempo de sobra pra haver mil reviravoltas no ranking. Nossa torcida pelos brasileiros é imensa, mas vamos com calma, vamos viver o momento, saboreá-lo, mas uma coisa de cada vez.

Uma outra grande expectativa de todos, tenho certeza, é saber como se portarão e qual será o desempenho do fantástico Ítalo Ferreira e do hawaiian barrel feelings, Wiggolly Dantas, tanto em Fiji, como Teahupoo. Bem como tirarmos à prova se Jadson continuará sendo o surfista “gangorra” – ora resultados expressivos, ora resultados bem abaixo da média.

Será Ítalo capaz de ser tão gênio nos tubos e em ondas de consequência?

Será Wiggolly capaz de ser tão destruidor nos tubos em uma bateria da WSL, como mostrou no QS de Pipeline?

Será Jadson capaz de transformar toda sua vontade em qualidade, assim como mostrou na lapidação de seu surf em Teahupoo ano passado? Fiji é um meio termo, onde tem tubo e manobra. Será a prova de fogo.

Enfim, passado o frenesi, agora é hora de continuar trabalhando. Muita água ainda vai rolar debaixo das pranchas.

“Taca-le pau nessas pranchinhas, galera!”