Espêice Fia

Quads ao quadrado

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Fábio Gouveia enterra as quilhas nas ondas de Pipeline, Hawaii. Foto: Bruno Lemos / Lemosimages.com.

Quando eu era moleque, olhava com curiosidade umas pranchas da marca K&K, eram vendidas em minha cidade nas extintas lojas de departamentos Mesbla. A época remetia ao início dos anos 80 e o auge era o começo das triquilhas.

Eu era recém-saído das biquilhas e tive certa dificuldade em usar o modelo criado pelo australiano Simon Anderson.

 

As  K & K chamavam realmente atenção e levavam assinatura de Ricardo Bocão, que também era shaper naqueles tempos.

Não cheguei a obter nenhuma naquela época. Em parte por não ter grana para prancha nova e em parte por não ter feito por onde adquirir, por ter visto algumas pranchas que amigos haviam comprado, criarem bolhas de ar com frequência.

 

 

Uma pequena amostra do quiver de Fábio Gouveia. Foto: Arquivo Pessoal.

Talvez alguma série daquelas pranchas tenha enfrentado problemas na composição do material usado na fabricação – este fato acontecia também com outras marcas, eram problemas enfrentados na época. Mas o fato é que, além das triquilhas, pra mim também o momento era de celebração pelo invento das quadriquilhas, que creditava Bocão como inventor.

 

 

Na época eu devorava as revistas de surf de cabo a rabo várias vezes, vendo inclusive as estranhas pranchas com bico de pato criadas também pelo Bocão. Deviam ser muito ariscas nas batidas, imagino eu agora. Anos depois, já correndo o circuito mundial, soube que a criação das quadriquilhas também dava crédito ao australiano Glen Winton, o mister X.

 

Não sei da história da inspiração do Glen sobre as quads, mas sabendo da invenção do Ricardo, acredito perfeitamente que ele, o brasileiro, foi o pioneiro. Mas, este fato  não impede Glen de ter criado também ao mesmo tempo, apenas em país diferente.

 

Sei que na época Bocão teve seu quiver de quads no circuito mundial, estando também presente na temporada havaiana. E, segundo ele, só depois o australiano apareceu em foto publicada em alguma revista americana, Surfer ou Surfing, não lembro ao certo.

 

Lembrei deste episódio em recente viagem que fiz a Indonésia, quando em lugar remoto encontrei com surpresa o surfista carioca Gabriel Pastori. O mar era de tubos e, ao observar sua prancha, vi que usava uma Joca Secco quadriquilhas.

 

Frequentador assíduo dos tubos, Pastori relatou estar usando as quads há cerca de três anos e, recentemente, com muita frequência. Durante o bate-papo entre uma série e outra, surgiu sua curiosidade sobre a história do Bocão e sua criação.

 

Debatemos e reforcei o lance da criação, talvez mútua, tal como uma criação minha na época de moleque, em ascensão em meu estado de origem, Paraíba.  

 

Em minha cabeça havia criado o “trezentoscat”,que seria um cutback emendando um 360. 

 

Na mesma época, ao abrir uma extinta revista Visual Esportivo, ou uma recém-criada Fluir, estava lá o Tinguinha Lima, executando o que chamavam de “cutinga”. 

 

Mas, este “leriado” todo é para chegar a uma observação que não é de agora e que já é sabido pela grande maioria, o uso cada vez mais frequente das quadriquilhas. 

 

Atualmente, não sou daqueles que vive cutucando material em revista e sites especializados (me falta paciência e tempo) e talvez esteja até sendo injusto ou desinformado. 

 

Mas, a meu ver, esse “boom” deve-se em grande parte a Kelly Slater e alguns big wave riders, como Nathan Fletcher, entre outros. 

 

Nesta ultima temporada havaiana, Danilo Couto abriu meus olhos ao relatar que a maioria dos big riders está usando quads. 

 

O relato era de que o surf na categoria XXL mudou, pois hoje em dia não é apenas o drop e a virada, nego sai é botando pra baixo e correndo dentro dos salões gigantes. 

 

Shane Dorian que o diga. 

 

Como já citado, não obtive uma quadriquilha no passado, apenas usava algumas vezes as dos amigos. 

 

Adorava as biquilhas e observava as quads na época. Elas pareciam apenas mais seguras, ou seja, eu não gostava tanto, pois não conseguia executar com facilidade meus “tresentoscats”. 

 

No entanto, acho que por volta de 2006, me peguei usando uma quadri emprestada do shaper Gregório Mota em Fernando de Noronha. 

 

Ao completar um tubo insano de backside, travei a prancha pra mim e usei em outras ocasiões. Ali, na ocasião do tubo, a velocidade já estava consumada, mas em manobras não desempenhava tanto. 

 

Era divertido, mas a triquilha falava mais alto. Em 2009 testei uma prancha do MDio, shaper de Guilherme Herdy, entre outros . 

 

O protótipo era de uma quad que o Kelly havia usado naquele Pipe Master com chuva e água barrenta, onde incrivelmente bem, atravessava sessões aparentemente impossíveis nos tubos. 

 

Naquela altura, o posicionamento das quilhas traseiras já havia mudado. O que era comum no passado, ou seja, quilhas traseiras acompanhando os ângulos das dianteiras, deu lugar às quilhas mais  rentes à longarina e mais espaçadas. 

 

Com isso, ganhou-se ainda mais velocidade e drive. O próprio Kelly recentemente declarou que sua vantagem nos dois anos recentes havia sido descoberta, sorte a dele, que descobriu primeiro. 

 

O fato é que na troca de borda durante o encaixe no tubo, liga-se um turbo automático, tal a velocidade extra que se obtém. O drive na parede cilíndrica também é notado. Hoje, é comum os competidores pedirem aos seus shapers cinco sets de plugs em suas pranchas, principalmente por esta questão, não apenas para brincar de trocar jogos de quilhas.

 

Venho observando também já há algum tempo a velocidade idêntica nas biquilhonas que venho confeccionando e usando. 

 

Maiores e postadas mais atrás na rabeta, elas geram muita velocidade e segurança nos tubos. Cheguei a competir com uma destas twin quando ainda usava pranchas do Gregório Mota em uma bateria no Super Surf, que rolou no Canto do Recreio (RJ) em 2007. 

 

Mas, tal como as quads, em algumas ocasiões de manobras, elas não têm a mesma resposta das triquilhas. Nesta recente viagem à Indonésia, levei de tudo – Single, Twin, Thrusters e Quads, Curve e Star Fins, entre outras. 

 

Testei todas para tirar minhas dúvidas e chegar às minhas próprias conclusões e nada melhor que as pistas da Indonésia. 

 

Hoje, me dou ao luxo de testar qualquer tipo de equipamento, mas enquanto competidor ficava comprometido ao uso dos modelos convencionais, tendo em vista as pranchas usadas não saírem do pé e nem causar a tal da “pranchofobia”. 

 

Usei bastante as quads na Indonésia, tanto em mares tubulares quanto em manobras de back ou de frontside. 

 

Cada surfista tem uma característica e nada pode ser regra para todos. Mas, meu relato é que, para mim, as quads funcionam muito dentro do tubo.

 

As pranchas correm mais, sim! No entanto, não curti tanto para as manobras. De backside, elas até que se saíram bem e, vez ou outra, encaixava boas rasgadas e batidas. Mas, de front, na maioria das vezes, sentia falta de uma triquilha.  

 

Daí veio em mente, por isso o careca está usando o estabilizador traseiro compondo o conjunto para cinco quilhas.

 

Vale ressaltar que as pranchas em que usei as quads eram normais, no entanto, tenho uma 5`4“ round pin com bico redondo que funciona melhor com quatro quilhas do que com três. Mas, aí também já é outro caso, outra dinâmica. 

 

Em determinado momento da minha carreira, tive problemas com prancha até achar o equipamento ideal. 

 

Se hoje eu estivesse no Tour, acho que estaria com um belo dilema na escolha de equipamento e com a capa ainda mais lotada. 

 

Algumas ondas do dream tour ficam muito melhores com quads e outras com tri.

 

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.