Leitura de Onda

Quando começa a vida?

Edu Savine

Edu Savine conta com a ajuda dos amigos para voltar a surfar depois do acidente que o deixou tetraplégico. Foto: Arquivo pessoal.

 

Imagem de Edu no Brasileiro de Rugby revela a seus amigos um atleta pleno, sem qualquer traço de incapacidade, pronto para praticar o esporte escolhido no mais alto nível. Foto: Arquivo pessoal.

A foto que ilustra esse texto motivou a coluna da semana. Uma foto simples, de álbum de Facebook, uma lição. A imagem é de Edu Savine, amigo de infância do Leblon. Escrevi um texto sobre a história dele há uns cinco anos no meu blog, que reproduzo aqui.

 

“Quando começa a vida? Essa era maior dúvida na cabeça dos ministros togados do Supremo Tribunal Federal, durante a discussão sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança. Santo Agostinho, lá no século quinto, já passava noites em claro por isso.

 

A tal lei autoriza a pesquisa em células-tronco extraídas de embriões produzidos in vitro. Até então, nenhum problema. A questão é que, para as células serem obtidas, os embriões têm que ser destruídos. Daí, a polêmica: a Igreja considera a fecundação como o início da vida.

 

Para o designer-surfista Edu Savine, a vida não teve apenas um início. O primeiro foi nascer nas ondas do Leblon, onde passou bons momentos da infância. Moleque, usava sua força superior à dos amigos para maltratar os lips nada tímidos da área. Tinha um surfe firme, cheio de patadas.

 

Cresceu, casou, teve filhos e ainda surfava com frequência quando o acaso bateu à porta. Foi em Itacuruça, num dia de lazer com a mulher e os filhos. Um mergulho num mar não muito profundo lhe rendeu duas vértebras cervicais fraturadas: a C6 e a C7. Tetraplégico. Uma encruzilhada para qualquer um, especialmente para um surfista.

 

Foi um novo início da vida. Ao lado da mulher, Fernanda, e dos filhos, Edu passou por cima de tudo. Durante a recuperação no hospital, aprendeu com quem vivia em situação pior. Ganhou novos amigos sem perder os velhos. Adaptou-se.

 

Um dia, meses atrás, os velhos amigos o convidaram para surfar de novo. Dariam um jeito. Afundariam juntos, se fosse preciso. Edu já tinha recuperado parte dos movimentos dos braços, mas teria que descer a onda deitado. “Pô, nunca gostei de bodyboarding, sabe como é…”. A pilha dos camaradas falou mais alto que a velha implicância. Amarrado à prancha com um cinturão que fecha com velcro, ele foi levado para o outside de um dia pequeno na Barra da Tijuca. O golfinho era dado em equipe, sob a coordenação do próprio Edu. Depois de algumas tentativas, conseguiu pegar quatro ondas. Entrou no corte e tudo.

 

Mais um início de vida. Edu ficou amarradão, como todo bom surfista, e quer mais. Foi à fábrica da Wet Works, onde conversou com um amigo designer sobre as possibilidades de adaptação de uma prancha à sua deficiência. Em três dias, o equipamento estava pronto.

 

Dias atrás, ele comemorou outra vitória: a da ciência sobre os dogmas religiosos, no STF. A pesquisa com células-tronco foi liberada e, daqui em diante, cientistas brasileiros poderão encontrar uma solução para o problema dos cadeirantes. Edu sabe que a cura não virá amanhã, mas comemora a estrada aberta rumo a mais um entre tantos recomeços de vida.”

A rotina não permitiu que eu acompanhasse de perto os caminhos do Edu. Para isso, existem as santas mídias sociais. Eu já sabia de suas novas incursões nas ondas, com o apoio da ONG Adaptsurf, e de sua descoberta do rugby para cadeirantes.

O mesmo Facebook me mostra agora uma foto de Edu no Brasileiro de Rugby. A imagem revela a seus amigos um atleta pleno, sem qualquer traço de incapacidade, pronto para praticar o esporte escolhido no mais alto nível, no meio de uma partida pelo Brasileiro.

Edu tratou de inventar mais uma vida. E, por vivê-la de verdade, foi longe. De novo.

Exit mobile version