Visual de sonho em Pontal do Atalaia, Arraial do Cabo, Cabo Frio (RJ). Foto: Motaury Porto. |
No começo dos anos 80, quando eu tinha 17 anos, fiz uma viagem para o Nordeste do Brasil. Eu, Deus, minha mochila, barraca, umas poucas mudas de roupa e minha prancha, lógico!
Ah, e de ônibus, não estes confortáveis de hoje, mas naquele ?latão? que saía da rodoviária do Glicério, em São Paulo (embaixo do viaduto – quem conheceu sabe exatamente do que estou falando).
Pontal do Atalaia, Arraial do Cabo (RJ). Depois de ver essa imagem durante uma barca ao Rio Grande do Norte, Motaury sonhou com essas ondas até encontrá-las. Foto: Arquivo Eloi Melo. |
Acabei por ficar numa ?pousada? que me indicaram, a casa do anão Deda. Passei vários dias indo surfar na Lajinha, passeando nas dunas, tomando altos sucos de frutas nativas.
Apesar de ser filho de médico e ter um sem número de recomendações, acabei dando um vacilo… Os sucos que falei agora pouco obviamente não eram feitos com água mineral e acabei por ter uma desinteria, decorrente de uma tal ameba que me deixou mal por alguns dias.
Naquele período, enquanto me recuperava deitado no quarto, olhei melhor para a parede e vi uma foto de uma onda perfeita. Perguntei se alguém sabia onde era. Ninguém soube me informar exatamente onde era, mas um cara me disse ter escutado que era em algum lugar em Cabo Frio, litoral norte Fluminense.
Minha viagem seguiu adiante e depois de muitas ondas surfadas por ali e também em Baía Formosa e Serrambi, segui de volta no ?latão? pra São Paulo.
Sempre que chegava de viagem meu pai me dava vários remédios, inclusive vermífugos, pois pelos meus relatos ele imaginava que tipo de medicamento eu precisava.
Na verdade o meu ?remédio? era o surf, as surf-trips, onde liberava minhas energias do stress da selva de pedra, da sociedade ingrata.
Passaram-se os anos e numa outra trip, viajando com um amigo, o Ramon Gómez, de Kombosa (uma kombi-trailer, tema para uma próxima coluna), voltávamos da Bahia depois de muito surf na região de Morro de São Paulo, Itacaré e Olivença.
Passamos pelo Espírito Santo, Regência etc, quando me deparei com uma placa na estrada indicando a cidade de Cabo Frio.
Uau! Tive um flash-back de uma informação que eu havia esquecido, mas na verdade tinha guardado no fundo do cérebro.
Falei pro Ramon que tínhamos que dormir lá, pois eu precisava encontrar uma onda. Acredite se quiser, o swell estava enorme de Leste, a praia do Forte estava bombando e comecei minha busca dirigindo por todos os lados, até irmos parar em Arraial do Cabo.
Sabe aquela brincadeira de criança ?está esquentando…?, então, estava esquentando mesmo.
Depois de procurar o caminho para a tal da onda, com apenas uma imagem na cabeça guardada havia anos e uma informação mínima, creio que Deus viu meu empenho e me conduziu até ela.
Chegamos ao topo de um penhasco, com uma escadaria de pedras, e, lá embaixo, estavam aquelas ondas maravilhosas quebrando sozinhas.
Só que estava bem no fim de tarde. O mar realmente grande (1 metro a mais que a visão desta foto) e não conhecíamos o pico, que estava sem praia para entrar e sair.
Olhamos aquelas ondas realmente grandes, afinal estávamos bem acima do nível do mar, já ia escurecer e tivemos que abortar o surf.
Dirigindo de volta pra São Paulo, pois o Ramon tinha um compromisso inadiável com o pai dele ? e, com todo respeito, o pai dele era muito rigoroso e eu não estava a fim de encrencas ?, bateu um baixo-astral e a gente nem se falava. Foi quando de repente parei o carro e falei: ?Ramon, não podemos ir embora sem surfar estas ondas amanhã cedo!?.
?Fale qualquer coisa para o seu pai, mas vamos voltar!?, eu praticamente implorei. Ele abriu um sorriso e disse: ?Cara, eu não parava de pensar na onda e ia te falar a mesma coisa?.
Demos meia-volta e seguimos de noite para Arraial do Cabo. Pedi a Deus para o mar manter a condição no dia seguinte. Foi muita ansiedade mesmo.
Logo cedo, depois de um reforçado café matinal, dirigimos pro pico de novo e pra nossa grata surpresa: bingo! Lá estavam as ondas, mais perfeitas e alinhadas que no dia anterior, com um azul-turquesa maravilhoso, um vento terral deixando as ondas muito bonitas e fotogênicas. Olhe e viaje nesta foto.
Descemos as escadarias e uma pequena praia foi a nossa salvação para entrar e sair do mar. O swell havia abaixado bem pouco e não tinha ninguém na água. Naquele dia tive a melhor sessão de ondas da minha vida no Brasil.
Foram muitas e muitas ondas surfadas, sem nenhuma testemunha ocular. Apenas eu, Deus e meu grande amigo Ramon, um vibrando com a onda do outro. Depois de horas de surf e muito cansados, sentamos na escadaria e começamos a rir muito, com uma alegria irradiante.
Deste episódio, ficou a lição de que vale a pena persistir. Acredite e viva seus sonhos, busque e encontrarás. Siga adiante e que Deus te acompanhe. Ah, e boas ondas. No Brasil tem altas ondas sim!
PS (do Forum) A foto do Deda…
Caro Motaury,
Envia-lhe essa mensagem o Eloi Melo aqui de Floripa. Visitando o site do WAVES hoje chamou minha atenção a foto que ilustra sua matéria pois o lugar me pareceu familiar. Qual não foi minha surpresa ao ler o texto ! Explico porque.
Durante a década de 70, eu e meu irmão Duda (que vive numa fazenda em Alagoas desde 1980) exploramos as praias do nordeste brasileiro a procura de ondas surfáveis. O esquema era bem do jeito que você disse: mochilas, barracas, pranchas, pouco dinheiro, mas muita diversão… Uma das paradas obrigatórias desses nossos “surfaris” era a Praia da Pipa onde sempre contávamos com a hospitalidade daquela figura ímpar que era o “anãozinho” Deda.
Numa dessas paradas, levei um pequeno souvenir para que o amigo Deda pudesse apreciar a beleza do local onde eu estava morando na ocasião: uma cópia duma foto que eu tinha de um dia clássico no Pontal de Atalaia (em condições bem parecidas com as da foto da matéria).
Na época eu tinha acabado de me mudar para o Arraial do Cabo pois estava trabalhando no Instituto de Pesquisa que a Marinha tinha – aliás, tem até hoje – lá no Cabo. Acredito que essa deve ter sido a foto que você mencionou !
Eu tenho até hoje uma outra cópia dessa foto “adornando” minha sala aqui na UFSC. Estou olhando para ela no momento… Ela já está desbotada pelo tempo (não dá mais pra ver quase nada…) mas eu insisto em mantê-la na parede pois ela me traz recordações mágicas.
Fico feliz em saber que essa foto te inspirou a visitar o Cabo e que você pode desfrutar das ondas desse lugar tão especial da costa brasileira. Tenho certeza que nosso amigo Deda também ficaria feliz.
Um abraço!
Prof. Eloi Melo – UFSC