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Reflexões de coragem

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Moscou entocado em Puerto Escondido, México. Foto: Ivan / Puerto Escondido.

Marcos ?Moscou? Credie, 24, pega onda desde os sete em Itamambuca, Ubatuba (SP). Mora em São Paulo, capital.


Já realizou expedições em busca das melhores ondas em países como México, Argentina, Chile, Peru e Austrália, onde morou um ano. Está terminando a faculdade de Direito e estagia em um escritório de advocacia.

 

Durante um momento de flat no trabalho, “Moscou” preparou esse texto maneiro com exclusividade para os usuários do Waves.Terra.

 

Outro dia, aguardava em frente ao meu prédio alguns amigos para viajar quando foi exclamada a seguinte pergunta vinda da portaria: ?Marquinho, você não tem medo de surfar essas ondas gigantes, não??

 

Às sextas-feiras, geralmente espero algum amigo me buscar para irmos para a praia no fim-de-semana. Na maior parte das vezes, tenho que esperar mais do que o conveniente e aproveito o tempo perdido para conversar com a figura que zela na portaria pelo conforto e nem tanto pela segurança do prédio, o mesmo que avidamente sempre me pergunta sobre as entranhas, as origens, a cultura e crenças do surf.

 

Acreditava que já havia desmistificado grande parte de suas curiosidades tornando-o um expert em ?surfologia?. Porém, diante da onda gigante, fiquei sem saber o que responder, só me restando repassar a pergunta a ele: ?Como assim, Tonhão??.


?Essas ondas gigantes, que os caras são rebocados por jet-ski, que os pés ficam presos na prancha com uma tira de chinelo?, disse ele.

 

?Ah, bom?, respirei aliviado. Então, fui eu explicar que em nosso litoral, essas ondas gigantes que ele viu na televisão, provavelmente uma brecha em algum programa futebolístico ou em alguma atração sensacionalista de domingo, não existem.

 

Como o cabra é macho, ficou decepcionado em saber que a única referência dele em um universo tão distante e envolvente, não desceria uma onda do tamanho do prédio em que ele trabalha: ?Mas se tivesse você desceria, né??.


?Acredito que sim, só na hora em que ela estivesse a minha frente para saber ao certo, mas acho que sim?. Respondi, com um ar de incerteza, esboçando uma risada envergonhada ao canto da boca que praticamente negava a afirmação, o que o deixou refletindo muito mais sobre a ?montanha de água?, como depois ele mesmo disse.

 

Enfim, durante as três horas de viagem, refleti sobre o nosso esporte e o que o tornava tão interessante e curioso ao ponto de fantasias e expectativas serem criadas por um leigo.

 

Primeiro o sensacionalismo que envolve o surf. Quando passamos a vivenciar o surf, semanalmente ir à praia, acordar cedo, ser acolhido pelo mar e caminhar sobre as ondas, perdemos a noção do quanto que isso é sensacional. Estamos em cima de um bloco de poliuretano coberto por resina e fibra andando em cima das águas, dançando de acordo com as formas que o mar cria.

 

O surf domina cada vez mais a força do oceano, o que deixa grande parte da população ainda mais deslumbrada com nosso esporte.

 

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Marcos Credie dropa em Puerto Escondido, México. Foto: Ivan / Puerto Escondido.

Ao nos tornarmos íntimos do oceano, conhecemos seus movimentos, prevemos seus passos (ultimamente com a ajuda cada vez mais precisa dos satélites e computadores) e passamos a entender o que muitos temem por não conhecer.

 

Tirando os que vivem na costa do país, muito mais da maioria da população brasileira está no interior. É esmagador o número dos que não conhecem a cor do oceano, sendo que apenas uma pequena parte da população viu o mar ao menos uma vez e poucos tem o prazer de vê-lo com freqüência.

 

O surf, para muitos, ainda é um esporte distante.


Diferente seria se em nossas represas tivessem ondas. Se assim fosse, Mazzaropi poderia ter sido um pioneiro no surf, com seu jeito despojado e ?easy going? de levar a vida, Pelé poderia ter se tornado o rei do surf sem sair de Minas Gerais, e a moda do surf talvez fosse usar chapéu de cowboy.

 

Mas essa é uma outra viagem muito longa para esse texto. E enquanto lagoa não tem ?swell?, vemos esportes inusitados em nosso país ganharem ênfase pelos jogos Pan-Americanos.

 

O surf também poderia crescer muito se fosse incluído como modalidade do Pan. Mas nosso esporte sofreu seu ?boom? há uns dez anos atrás. Acho que pela TV a cabo, que tratou de mostrar a energia positiva que é viver nesse universo repleto de gente saudável e bonita, mostrando um estilo de vida promissor e diferente dos padrões da época. E foi visível a força como a moda do surf passou a ser disseminada, como a gíria do surf conquistou espaço e como o físico dos surfistas se tornou padrão de beleza.


Mesmo assim, o surf em jogos e olimpíadas parece ainda não ter vez. É distante a possibilidade de famílias lotarem as praias para ver o surf como um esporte olímpico. Crianças se emocionarem com o abandono de Teco Padaratz, que por gerações defendeu nossa pátria, assim como aconteceu com a Janete, do basquete, Galvão Bueno se esgoelar ao ver o surfista da gota serena lhe dando ?febre nos zóio? ou por ver a medalha de ouro para Pablo Paulino por ter dado um aéreo insano.

Mas imaginem se mais pessoas fossem ao litoral para surfar ou se o esporte se tornasse a paixão nacional como na Austrália: aqui ficaria impraticável. Não sei se nossas praias agüentariam mais surfistas disputando as ondas, mais carros lotados de pranchas nos ?racks? com seus motoristas se olhando uns aos outros como se fossem inimigos e nem acho que nessas condições o surf seria o que é hoje.

 

Pois é, prefiro que o Tonhão continue somente me imaginando descer um Jaws com 40 pés.