Simão Romão

Remada contra o sistema

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Simão Romão é bicampeão da etapa do WQS no quintal de casa, a praia do Arpoador. Foto: Aleko Stergiou.

Depois de três anos sem patrocinador, atleta apela para a fé. Foto: Harleyson Almeida.

Nascido na Baixada Fluminense, subúrbio do Rio de Janeiro (RJ), o atleta Simão Romão, 25, anda desiludido com o surf depois que perdeu seu principal patrocinador de maneira polêmica há três anos.


Na época, perto de conquistar uma vaga no World Tour e pouco antes de embarcar para a perna havaiana do circuito, Simão foi avisado pelo seu empresário que seria mandado embora pela empresa caso conquistasse um lugar na elite mundial.


Dono de títulos como o bicampeonato do WQS no Arpoador (2008 e 2009), campeonato carioca (2009), circuito paulista (2005), brasileiro Júnior (2002), sul-americano Profissional (2007), entre outros, o carioca ficou sem entender nada e desde então não consegue outro patrocínio.


Fora do mundo das competições, Simão é um cara humilde, batalhador, pai de família e embaixador do projeto social Favela Surf Clube. Casado com a apresentadora Diana Bouth, ele não recomenda a profissão de surfista para ninguém, nem para seu filho Pedro, de 4 anos, que inclusive já recebeu uma chuteira do pai como presente.


Na entrevista abaixo, concedida durante o SuperSurf Internacional na praia da Vila, Imbituba (SC), o carioca fala como perdeu seu patrocinador de maneira trágica em 2008, como começou no esporte, sua mudança para a zona Sul do Rio de Janeiro e o trabalho no projeto social Favela Surf Clube.

 

Como começou sua história no surf?

 

Foi uma grande coincidência ser surfista profissional. Eu morava a duas horas da praia, tinha que pegar trem e ônibus para surfar. Meu irmão mais velho já praticava. Foi ele que me introduziu no surf.

 

Quantos anos você tinha nesta época?

 

Devia ter uns 8 ou 9 anos. Não podia ir à praia sozinho porque era longe. Surfava de bodyboard, só que via meu irmão em pé na onda e não aguentei, pedi uma prancha igual a dele. Meu pai arrumou uma com meu primo Ricardo, que morava na Rocinha e vive lá até hoje.

 

Você ia à praia com que frequência?

 

Só de final de semana. Nessa época só queria me divertir, brincar, mas minha mãe não me deixava matar aula. Então só surfava de final de semana. Tinha que estudar a semana inteira.

 

Como conseguiu evoluir tão rápido então?

 

Ficava o final de semana inteiro na praia. Tinha vários campeonatinhos locais no Arpoador, praia do Diabo e Posto 5. Comecei a me dar bem e chegar em casa com sacolas de roupa, troféus. Coisas que um garoto do subúrbio não tinha. Meu pai era bombeiro hidráulico e minha mãe dona de casa, eles não tinham condições de me dar uma roupa de marca nessa época.

 

Me liguei naquilo e pensei: “caramba tô cheio de roupa de marca”. Chegava lá no subúrbio e os neguinhos piravam com as histórias da zona Sul. Com isso eu queria treinar e ficar mais tempo na água, mas não podia. Até que com uns 12 anos ganhei um campeonato local e falei para o meu pai: “pai, quero ser surfista, mas eu tenho que surfar mais, treinar mais”. Me lembro até hoje, ele chegou pra mim e falou: “É isso mesmo que tu quer? Então vamos alugar essas casas aqui no subúrbio e mudar para um apartamento lá na zona Sul para você poder estudar e treinar todo dia”.

 

E como era a rotina na zona Sul?

 

Chegando lá me matriculei em uma escola ao lado da minha casa, na ladeira do Morro do Cantagalo, e conseguia estudar e surfar. Assim comecei a pegar experiência e ganhar os campeonatos de ponta na época, como o carioca amador.

 

Tinha uns 14 anos e não tinha patrocínio ainda, mas contava com o apoio do Favela Surf Clube, projeto que eu faço parte hoje. O Favela me ajudava com as inscrições na época. Como eu era um garoto que tinha vindo do subúrbio do Rio, a galera que mais me identifiquei foi a do morro. Eles foram meus amigos e me ajudaram muito, fui campeão carioca amador, do ASBT (Associação dos Surfistas da Barra da Tijuca) e de todos os circuitos locais ali.

 

Partiu para as competições nacionais depois?

 

Sim, teve um ano que a Feserj (Federação de Surfe do Estado do Rio de Janeiro) arrumou patrocínio da Prefeitura do Rio para levar toda a equipe do estado pra competir o circuito brasileiro amador com tudo pago. Estava sem patrocínio e foi a primeira vez que viajei este circuito. Foi muito sinistro, porque logo na primeira vez que competi já ganhei uma vaga para disputar o mundial amador da ISA (International Surfing Association) lá na África do Sul. Foi a minha primeira viagem internacional.     

 

E como foi lá na África?

 

Foi irado, o evento teve várias palestras (Simão disputou o ISA World Junior de 2002 em Durban). Foi uma experiência muito maneira, porque a África passava por uma série de problemas na época, como a Aids, drogas e outras coisas. Estava junto com uma galera de peso: Mineirinho (Adriano de Souza), Jihad Khodr, Bruno Moreira, Gustavo Fernandes, Paulo Barcellos, Neymara Carvalho, Marcelo Freitas. Foi incrível. Eu era novo e não sabia de nada. Foi um aprendizado muito maneiro e marcante, tanto que me lembro até hoje.

 

E nada de patrocínio ainda?

 

Nessa época eu comecei a despontar. E fechei um patrocínio quando comecei a disputar o mundial. Fiquei em nono na categoria Júnior competindo contra Mineirinho, Jeremy Flores e tantos outros. Tenho a medalha deste campeonato até hoje.

 

E a volta ao Brasil? Pensou em virar Profissional?

 

Sim, chegou uma hora que não aguentava mais ganhar roupa e troféu, precisava ganhar dinheiro. Mas logo depois de voltar da África fui campeão brasileiro amador Júnior. Isso no meu primeiro ano e na mesma geração de Hizunomê Bettero, Mineirinho, Heitor Pereira, Thiago Bianchini, entre outros. Fazia uns dez anos que o estado do Rio não ganhava um título nessa categoria. Os últimos tinham sido Victor Ribas e Raoni Monteiro.

 

Aí sim, depois de ser campeão pensei em virar profissional. Consegui vaga para competir o Mundial Pro Junior da Austrália com Mineirinho, Jihad, Saulo Junior, Bruno Moreira, Gustavo Fernandes e Davi do Carmo. Foi o ano que o Mineirinho foi campeão em North Narrabeen. Eu perdi pra ele nas oitavas.

 

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Simão Romão ao lado do filho Pedro e da esposa Diana. Foto: Arquivo Pessoal.

Surfista é ídolo máximo nas ondas do Arpex. Foto: Aleko Stergiou.

Como foi o evento lá na Austrália?

 

Passei a primeira bateria de três atletas em primeiro e enfrentei o Jamie O’Brien na segunda fase. Ele era o cara da época, a sensação. Fiz uma bateria animal contra ele, foi ali que a galera começou a me conhecer e respeitar. Depois perdi para o Mineiro em uma bateria muito disputada nas oitavas. Todo mundo falou que quem avançasse ali iria disputar o título. E foi isso que aconteceu, ele venceu e acabou sendo campeão mundial.

 

Mas foi irado só de participar, porque eu fui um cara que não tive muita estrutura na vida. Se eu tivesse tido um suporte já teria ido muito mais longe. Só de ter participado de um campeonato desses foi irado.

 

Você quer dizer suporte da família?

 

Pelo contrário, tive muito suporte da família. Não foi bem isso o que eu quis dizer. Faltava organização, por exemplo, em várias viagens tive que dormir na areia, levava barraca comigo e botava do lado do palanque pra poder competir.

 

Então de que suporte você estava falando?

 

Do patrocinador, faltou tipo um Pinga na minha vida (Luiz Henrique Campos, técnico dos surfistas Adriano de Souza e Jadson André). Na real, ele é o único cara do Brasil que faz a parada direito, as coisas certas. Ele pega um atleta novo, cuida, bota no inglês e fala: ”vai só surfar e estudar, o resto eu tomo conta”. Se não for assim fica difícil. Não tinha hotel me esperando, passagem me esperando, era eu que corria atrás de tudo. Tinha que guardar dinheiro daqui, juntar dinheiro dali, dormir não sei aonde. Economizar no hotel para sobrar dinheiro para comer. Tinha patrocínio mas não tinha estrutura.

 

Passou alguma roubada por causa disso?

 

Várias, mas uma é inesquecível. A primeira vez que eu fui pra Europa. Lembro que não falava nada de nenhuma língua. Tinha 17 anos e meu patrocinador me deu 800 dólares para passar um mês. Só esqueceram de avisar eles que o euro valia mais, então fiquei com uns 400 euros no bolso. Tinha que ficar um mês com 400 euros.

 

Falei pro taxista me levar para um hotel barato, só que não havia vaga em lugar nenhum, era período de férias na França e todos os hotéis estavam lotados. Cheguei no centro de Biarritz e não consegui achar nenhum hotel, com 17 anos e sozinho. Tinha uns amigos meus lá, só que não conseguia achar eles. Sentei na capa das pranchas e pensei em dormir na rua. Mas um cara apareceu do nada e me levou pra um hotel muito longe do centro, 5 estrelas e tudo o mais.

 

Gastei todo o meu dinheiro em uma noite lá. No dia seguinte saí andando pela cidade. Encontrei a galera brasileira surfando e esperei eles saírem da água. Acabei cochilando e acordei com Gustavo Fernandes, Danylo Grillo, Bernardo Pigmeu, entre outros, rindo da minha cara. Mas eles estavam na roubada também, um camping nada a ver. Acabei ficando por lá e todo mundo se ajudou. Vivendo e aprendendo (risos).

 

Ficou desapontado com o seu patrocinador?

 

Não é questão de ficar desapontado. Fechei patrocínio com 16 anos e fiquei na mesma marca até os 21. Todo final de ano eu ia na empresa fechar contrato, que era anual, e eles falavam para eu entrar no WCT (hoje World Tour), sair em revistas, ganhar campeonatos, ou seja, dar retorno. Isso tudo eu sei que eu fiz, dei muito retorno pra eles, ganhei campeonatos, saí na Fluir, no Waves e em outros veículos. Aí, quando eu estava prestes a me classificar para o WCT, eles ameaçaram me mandar embora se eu entrasse.

 

O que foi que aconteceu?

 

Não entendi nada. Ganhei a etapa do WQS no Arpoador e fui bem nas Ilhas Canárias. Estava em décimo sexto do ranking (se classificavam os 14 primeiros) de 2008. Só faltavam as etapas da perna havaiana. Estava instigadão, treinando pra caramba. Fiz as pranchas certas e estava arrumando as malas, com passagem comprada já. Um belo dia meu empresário me liga e fala: “Simão, se tu entrar pro WCT vai perder o patrocínio, a empresa vai te mandar embora”.

 

Eu falei: “como assim, o que é isso? Mas isso é o que eles sempre falaram para mim. Sempre botaram pressão para entrar no WCT e agora querem me mandar embora?”. Meu empresário da época veio com um papo de que eles não iriam renovar, pois ia me tornar um atleta muito caro e a marca estava tentando tirar a imagem de uma marca competitiva.

 

Mas eles foram bem claros: “se você entrar no WCT a gente não renova”. Eu desliguei o telefone e minha mulher estava ao meu lado, ouviu tudo. Ela sabe o que passei. Comecei a arrancar todas as roupas da mala e chorar muito. Não queria mais ir para o Hawaii, estava determinado a não ir e não queria mais representar aquela marca. Vou pro Hawaii e vou sair na foto com a marca deles? dar mais retorno pra eles? Estava com a cabeça a mil. Mas a Diana conversou comigo e fez minha cabeça para viajar. Nem treinei lá, não admitia treinar com o escudo da marca que estava me mandando embora e acabei me dando mal nas etapas, ficando de fora do tour.

 

E na volta, eles te deram alguma explicação?

 

Ninguém até hoje me falou o que aconteceu de verdade. Voltei e meu empresário levou a clipagem do meus resultados, como sempre fazia. Eles analisaram e falaram que realmente eu dava retorno, mas iam diminuir meu salário porque eu não entrei no WCT. Foi um inferno astral, eu fiquei muito triste, sem entender nada. Rescindi com eles e até hoje não consegui outro patrocínio. Isso já faz três anos.

 

Por que acha que não consegue patrocínio?

 

Nem sei mais o que eu faço. Já estou sem patrocínio há três anos, e isso me dando bem nos campeonatos. Fiz um terceiro no WQS do Santinho, um quinto no Arpoador, um terceiro em Ubatuba. Fiz vários resultados e estou sem patrocínio. Tenho um apoio da Prefeitura lá do Rio, a Suderj. Eles me apoiam, me dão dinheiro para viajar e é isso que me sustenta junto com as premiações dos campeonatos que eu me dou bem. Esse dinheiro eu invisto em mim, nas minhas próprias viagens. Mas é difícil ficar sem patrocínio, tenho 25 anos e sei que posso conseguir muito mais, aprendi muitas coisas com meus erros neste tempo. Eu fiquei tão decepcionado com algumas pessoas envolvidas com o surf que não sei mais o que fazer.


Decepcionado com alguém especificamente?

 

Não quero falar nomes de marcas ou pessoas. Mas eles tiram conclusões precipitadas com coisas que os outros falam. As pessoas não querem nem dar oportunidade de me conhecer. Eu me dou bem em campeonatos e sem patrocínio, imagina, é difícil. Fico tão triste com isso. Essas pessoas sugam mais do surf do que ajudam.

 

O que mudou no Simão Romão depois do casamento e do nascimento do primeiro filho?

 

Antes eu não estava nem aí pra nada, ficava nos campeonatos largado, ia pra balada, pra night. Depois que eu casei, tive meu filho, fiquei sossegado. Hoje não sou de sair muito, só saio com eles. São as coisas mais importantes que eu tenho. Agradeço a Deus todos os dias por ter me dado o Pedro, foi uma benção. Às vezes eu chego do campeonato tristão e ele me dá um abraço, quer saber o que houve. Melhorei muito, minha cabeça ficou mais tranquila e faço as coisas com mais cautela, mais responsabilidade. Se eu fechasse um patrocínio até pensaria em ter outro filho, mas sem nada fica difícil.


Depois de tudo o que aconteceu, falaria para seu filho ser surfista?

 

Não recomendaria. Fiquei tão triste outro dia, quando saí de um campeonato que perdi, que levei ele no shopping e, em vez de entrar numa loja de surf, entrei numa loja de futebol e comprei uma chuteira. Pra você ver, eu sou surfista e quero que meu filho seja jogador de futebol. Até queria que fosse surfista, comprar prancha e tudo o mais, mas só eu e minha família sabe do que estou passando agora. Não é legal. Um pai quer sempre o melhor para o seu filho e hoje eu sei que o surf não vai ser o melhor caminho para ele. É triste, mas é a realidade.

 

Como é vencer duas vezes uma etapa do circuito mundial no seu quintal de casa?

 

Não é todo local que vence campeonato em casa não. Você pode ver o Raoni (vice-campeão da etapa Prime em Saquarema), torci muito pra ele ganhar, porque a pressão é grande. Não sei nem como eu consegui ganhar duas vezes no Arpoador. Tem um gosto a mais porque eu nunca tive a praia do meu lado, tive que ralar muito pra ter minhas coisas. Com 9 anos tinha que pegar trem, ônibus. Tive que amadurecer cedo.

 

Qual o seu trabalho no Favela Surf Clube?

 

Eu faço o que eu posso. Se eu tivesse um patrocínio já teria ajudado muito mais. Hoje eu banco inscrições, levo eles no campeonato com meu carro. Ninguém sabe disso. Subo o morro, busco eles e deixo no campeonato. Às vezes dou dinheiro para o ônibus e para eles comerem no evento. Estou sempre lá. São 15 crianças e tem uma galera muito boa por trás do Favela Surf Clube. Todos me conhecem e sabem que vim do subúrbio. Procuro sempre ajudar.

 

Outro dia levei eles lá no meu patrocinador de pranchas, o shaper Udo Bastos. Ele deu três pranchas para os moleques. Eu paguei uma e ganhei outras duas novinhas. Enfim, é isso o que eu faço, dou prancha, roupa, cordinha, inscrição, carona e conselhos. Tento passar minha experiência.


Que tipo de conselhos você procura passar pra eles?

 

Falo pra eles aprenderem a correr atrás das coisas, que ninguém vai ajudar, eles é que têm que correr atrás. Também falo pra ficarem longe das drogas, fazer o bem sempre. Já temos vários frutos que conseguimos resgatar lá. Nossa preocupação é formar cidadãos e fazer com que eles tenham uma oportunidade, igual a todos.