América do surf

Remando contra a corrente

Argentino Martin Passeri

Martín Passeri abre o caminho para as futuras gerações de surfistas profissionais argentinos. Foto: Arquivo pessoal.
A vida de Martín Passeri é um claro exemplo do que significa ser um surfista latino-americano. Nascido na Argentina, seu crescimento como atleta foi uma luta contra a corrente, mas acabou mostrando que garra e luta por um bom objetivo levam a um porto seguro.

 

Seu início no esporte aconteceu quando tinha cinco anos de idade, mas apenas depois dos 17 é que começou a surfar com assiduidade. Influenciado pelos vídeos de surf norte-americanos, Passeri ficou conhecido na Argentina por apresentar um surfe moderno, agressivo e forte, mas com o passar do tempo mostrou ser muito mais que isso.

 

Aos 26 anos, Martín pode ser considerado o primeiro surfista profissional de verdade da Argentina. Recebe seu salário mensalmente dos patrocinadores, com o qual leva adiante sua crescente família. Casou-se há três anos e é o responsável pai de uma filha, Zoe Passeri.

 

Em seu currículo constam os títulos nacionais de 1999 e 2001. Foi finalista do Campeonato Pan-Americano de Surf de Mar del Plata. É também o melhor argentino no WQS desde 1997 até 2001, e o primeiro a corrê-lo quase inteiro. Também foi o primeiro a ganhar uma expression session profissional, no Reef Classic 2000, em Mar del Plata. Classificou a equipe da Seleção Argentina de Surf em todos os Campeonatos Nacionais desde 1993 até a presente data.

 

Enfim, Martín é uma fonte de inspiração para qualquer surfista do terceiro mundo. Ele mostra que mesmo morando em uma zona onde a economia não cresce e os políticos são corruptos, pode-se alcançar os sonhos, pode-se chegar onde se deseja estar.

Mas para conseguir isso, é necessário lutar como um leão, assim como Martín. América do Surf apresenta outro dos fenômenos de seu continente.

 

 

Como você começou a surfar?


Eu nasci em Mar del Plata. Quando era pequeno, meu velho me meteu na água, mas logo depois meus pais se divorciaram e eu fui para Buenos Aires com minha mãe. Mas continuei a visitar o velho nas férias e nos feriadões, e era quando surfava. Porém, ficava sofrendo e esperando o próximo momento que iria surfar. Quando conseguia, nunca era o suficiente para entrar em forma, pois passava um dia me acostumando e o outro desfrutando. Portanto, decidi que quando terminasse o colégio iria morar em Mar del Plata. Disse aos velhos que iria estudar Oceanografia, mas fiz as provas e me mandei. Pedi licença ao meu pai para me dedicar ao surf aquele ano. Ele não gostou muito, mas acabou aceitando. Só que no meio do ano ele não me agüentava mais e me fez trabalhar. Eu tentava passar o maior tempo dentro d’água. Competi esse ano e fiquei em quinto no ranking Júnior. Eu não ia muito bem nos campeonatos, mas como sou cabeça dura, isso me motivava a surfar mais e melhor.

 

 

Martin dropa uma morra em Thunders, nas ilhas Mentawaii. Foto: Arquivo pessoal.
Quem te influenciou mais?


Minha primeira grande influência foi meu velho, que mesmo sem saber surfar, me colocou dentro d’água e me contagiou com a magia do mar. Depois, quando comecei a tomar consciência dos surfistas e comecei a admirá-los, os irmãos Galindo (importantes surfistas argentinos) foram e continuam sendo grandes influências, junto com Leo Garcia (um dos melhores surfistas argentinos, se não o melhor). São os que mais me inspiram. Também sinto uma influência positiva por todas as pessoas com as quais me relacionei desde o começo: Angel Antifora (seu primeiro patrocinador de pranchas), Renato Tiribeli, um grande shaper com quem aprendi muito, dentro e fora d’água. Ele foi uma das pessoas, junto com Santiago Aguerre, que mais me apoiaram e me ensinaram logo no início, e são parte muito importante de meu crescimento.

 

Quando é que você se deu conta que iria viver do esporte?


Tudo aconteceu aos poucos. Comecei a correr melhor, melhorando aos poucos. Mas houve um ano que fui para a Califórnia e depois para o Tahiti, onde senti que estava mais sólido. Mas eu sempre digo que o próximo ano será aquele que surfarei melhor… Comecei a conseguir patrocinadores que primeiro me davam roupas que eu depois vendia, e então mostrava ao velho que tinha 300 ou 400 dólares das vendas por mês, o que era como ter um emprego. Eu lhe dizia: “melhor ganhar esta grana fazendo algo que gosto do que com algo que detesto”. Já faz dois anos e meio que comecei a gerir melhor meus contratos e começaram a me pagar. O problema é que se tenho grana, eu a reinvisto no surf.

 

Você hoje vive bem?


Sim, creio que é um privilégio que Deus me deu, do jeito que estão as coisas hoje em dia…

 

Como você define seu estilo?


Eu adoro o surf moderno, aéreos e essas coisas.  Mas parece-me muito mais difícil e admiro mais o clássico, como o que faz Occhilupo. Mas o melhor é o que Slater faz, quando subitamente manda um roundhouse cutback enterrando as bordas com perfeição, seguido de um aéreo incrível. Quanto mais eu surfo, mais vontade tenho de surfar de forma clássica, mas sempre tento misturar tudo.

 

Depois que virou profissional, você se sente menos motivado do que quando surfava só por prazer?


Isso é algo que pode acontecer, e acredito que em algum momento eu possa ter sentido, mas a cada dia tenho mais vontade de surfar e de encontrar-me com toda essa energia do mar. Continuo acordando às 5 horas da manhã, ainda de noite, para encontrar esse momento perfeito do dia. Entro na água até três vezes por dia todos os dias da minha vida.

 

Quais foram as melhores ondas da sua vida?


Foi nas ilhas Mentawaii, em 2001. Estávamos no Indies Trader (barco do The Crossing) e pegamos ondas maravilhosas. Foi quando peguei a melhor onda de minha vida – um enorme tubo depois de um drop atrasado de 8 pés em frente ao coral. Mas toda a sessão foi alucinante.

 

Você se sente preparado para surfar ondas gigantes, onde existe perigo de vida?


Pelo preparo físico e habilidade sim, talvez não tanto mentalmente. Na Indonésia pegamos algo em torno de 10 a 12 pés e adorei. Gosto da adrenalina liberada quando se surfa ondas grandes. Mas você tem que estar preparado para enfrentar um caldo nessas ondas.

 

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O argentino compete no Pan-americano de Fortaleza (CE), em 2002. Foto: Lima Jr.
Você consegue ganhar muito dinheiro surfando?


Depende da forma que você olha. Acredito que poderia ganhar mais grana num emprego normal, mas o que você mais ganha é felicidade. Você é muito mais rico surfando, mesmo chegando apertado no fim do mês, do que economizando muita grana sem ver o mar. O normal está de mãos dadas com o que você acredita. Eu trabalhei em um frigorífico, dirigindo camionetes em uma loja de surf, passeando cachorros, em um depósito de roupas, mas nada disso me satisfazia. Foi assim que procurei uma mudança para minha vida. Acredito que cada um é dono de seu destino…

 

Quanto tempo faz que você usa somente Quiksilver e Reef?


Na verdade faz muito tempo mesmo. Acho que sapatos ou sandálias de outra marca deve fazer quatro ou cinco anos. Somente no meu casamento tive que usar sapatos, porque nos outros casamentos e eventos em que tive que vestir terno, usei sandálias Reef. Sou um doente pelo cumprimento do dever…

 

Quais são as melhores e piores coisas de ser um surfista profissional?


Acho que o melhor é fazer aquilo que a gente mais ama na vida e poder desfrutá-lo dia-a-dia. E não sei se existe algo pior, mas pode ser essa insatisfação, ou melhor, essa ansiedade para que o mar suba de uma vez por todas, especialmente na Argentina.

 

Quais são seus objetivos este ano?


Ser campeão do mundo (rs). Bom, na verdade minha idéia é voltar a radicar-me no Brasil pelo menos durante o inverno e correr a maior quantidade de eventos possíveis. Se possível, vou acompanhar a equipe Junior à África do Sul e ficar para o WQS lá. Também pretendo voltar pouco a pouco ao WQS, como quis fazer em várias oportunidades.

 

Como você encara o dia que sua carreira como profissional acabar?


Sem problemas, eu não nasci surfista. Tracei um caminho e foram se abrindo milhares de portas, por isso sei que se me empenho, vou conseguir as coisas que quero. O que eu mais gostaria seria trabalhar para o surf, porque entendo o que se sofre nestes países para conseguir apoio quando você é jovem e bom. Gostaria de fazer coisas para as crianças, ajudá-los para que seu caminho seja mais fácil do que foi o meu.

 

O que mudou na sua vida depois de casar e ter um filho?


Na realidade segue a mesma coisa. O que admiro na minha mulher é que ela sempre entendeu como é a vida de um surfista. Na realidade me casei para estar melhor, caso contrário não o teria feito. Se você está super apaixonado como eu estava, o que você quer é se casar. A vida de solteiro não te importa. Durante as viagens a gente sente muita saudade, mas você fica mais responsável.

 

Quem é o melhor e a melhor surfista do mundo?


Os que eu mais gosto são Kelly Slater (EUA) e Megan Abubo (Haw).
 
Quem foi o melhor surfista argentino da história?


Meu favorito é Leo Garcia.
 
E o melhor surfista latino-americano?


Na minha opinião é Fábio Gouveia.

 

Quem se destaca na Argentina hoje em dia?


Acho que Maxi Siri é um dos melhores atualmente.

 

Qual título lhe dá mais orgulho?


O Pan-Americano de 99, quando fiquei quarto. Foi o Pan-Americano com melhor nível que participei. Além disso, cheguei à final sem perder nenhuma bateria. Mas é importante que as pessoas tomem consciência de que os latino-americanos são prejudicados. Tenho visto baterias de peruanos, venezuelanos e argentinos onde as notas que nos dão não são muito objetivas.

 

Passeri manda um aéreo chei de estilo, durante a barca do The Crossing na Indonésia. Foto: Arquivo pessoal.
Qual é a melhor onda da Argentina?


Para mim é La Paloma e a esquerda de Necochea.
 
Quais as vantagens e desvantagens de ser um surfista argentino?


A vantagem é que na Argentina tem mais ondas do que se acredita, e com poucas pessoas dentro d’água. A desvantagem é o frio e a inconstância dos swells.

 

Como te afetou a atual crise econômica?


Atrasam um pouco meus pagamentos, te dizem: “a coisa está difícil, agora não podemos fazer nada, as viagens estão mais caras”, etc.

 

De quem é a culpa?


Dos políticos, que roubam e não devolvem nada ao povo.

 

Você acha que o mundo está uma merda ou está mudando para melhor?


Sinto que há uma mudança proeminente, porque estamos chegando ao fundo de uma situação muito crítica e de muita contaminação espiritual. A mudança está sendo paulatina, mas a depuração vai ter que ser brusca.

 

O que você faz para mudá-lo?


Envolver as pessoas em coisas positivas, como o surf, a ioga, a meditação… Tudo isso que a natureza nos dá e que muitas vezes as pessoas não se dão conta que é a maior fonte de sabedoria (obra de Deus), e a temos ao nosso alcance.

 

Cinco palavras que melhor te descrevem:


Feliz, enérgico, decidido (cabeça dura), sonhador e desordenado.
 
O que você gostaria que dissesse sua biografia em 2099?


Talvez que descrevesse da melhor forma possível a força das mudanças que aconteceram e ainda ocorrem em minha vida, para que sirva de inspiração às pessoas que não conseguem ser felizes com coisas simples. Minha vida sempre foi uma grande mudança, e mesmo estando longe do mar, Deus sempre me devolveu de volta à areia.

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