Ressurgência causa água gelada no verão

Imagem de satélite da costa sul e sudeste do Brasil mostra a temperatura da superfície do mar e da terra

No verão, quando os termômetros começam a registrar temperaturas mais altas, a água do mar pode ficar bem gelada. Foto: Site Roxy.com.

No Sul do Brasil, um fenômeno desperta a curiosidade de muita gente ano após ano.

 

No verão, quando os termômetros começam a registrar temperaturas mais altas, a água do mar pode ficar bem gelada.

 

Para a maioria dos navegadores, pescadores e observadores do mar, esse curioso acontecimento depende de parâmetros como direção e intensidade de vento.

 

Na sabedoria ancestral desses sentinelas, o vento nordeste ?traz? a água gelada enquanto o vento sul está relacionado com água quente.

 

Os oceanógrafos chamam o fenômeno de ressurgência (upwelling), e o definem

Entenda as correntes na costa brasileira. Foto: Reprodução.
basicamente como um processo de ascensão de águas profundas mais frias (abaixo de 20º C) e salgadas para a superfície do oceano condicionado por efeitos físicos.

 

Os nutrientes carregados pelas águas profundas promovem o desenvolvimento do plâncton (algas, bactérias, protozoários e outros organismos como minúsculos crustáceos) que constitui a base da cadeia alimentar no oceano, fornecendo alimento a peixes e outros organismos marinhos e contribuindo para o aumento das populações, favorecendo a pesca.

 

Nos mares de regiões tropicais, podem ser identificadas três grandes camadas ou estratos de água superpostos: a camada superior da zona eufótica, onde a luz é abundante, mas os nutrientes são limitantes devido ao consumo pelo fitoplâncton e a baixa taxa de reposição; uma camada intermediária, ou a camada inferior da zona eufótica, na qual a luz passa a ser limitante pela profundidade e uma camada afótica, com grande disponibilidade de nutrientes, mas sem luz para o processo fotossintético.

 

As regiões mais profundas dos oceanos são ricas em nutrientes disponíveis, a ação da luz solar vai diminuindo de acordo com o aumento da profundidade. Em presença de pouca luz, os vegetais marinhos (algas) não podem realizar a fotossíntese, diminuindo o consumo destes nutrientes e ?estocando-os? na coluna d?água.

 

A importância da ressurgência para diversas regiões do planeta pode ser verificada no Peru, que detêm uma das maiores produções de pescado no mundo graças à ação da ressurgência em sua costa. As áreas de ressurgência representam apenas 1% do oceano porém suportam mais de 50% da produção pesqueira mundial.

 

No Brasil a ressurgência na região de Cabo Frio (RJ) e Cabo de Santa Marta (SC), é do tipo costeira, ou seja, causada principalmente por ventos e assim chamada pela proximidade com a costa.

 

Ocorre de maneira menos intensa se comparada ao grande sistema do Peru. Existem outros tipos associados a diferentes efeitos físicos: devido a quebra de plataforma continental; devido a vórtices ciclônicos (ventos gerados por ciclones); devido a efeitos topográficos do fundo do oceano (como montanhas e cordilheiras no fundo); devido a ondas internas e outros tipos menos comuns mas não menos importantes.

 

Os efeitos físicos que causam a ressurgência estão associados à ação de correntes oceânicas que alternam de predominância de acordo com a época do ano. As correntes oceânicas são formadas pelo aquecimento desigual de diferentes pontos da Terra, pela radiação solar e pelos grandes sistemas de vento resultantes. No entanto a direção do movimento da água no oceano não é a mesma do vento.

 

A rotação da Terra origina a força de Coriolis, pelo fato de ela girar de oeste para leste, de modo que um objeto viajando em um curso retilíneo do pólo sul (Antártica) ao equador estará influenciado pela rotação da Terra que gira embaixo dele.

 

 

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Imagem de satélite da costa sul e sudeste do Brasil mostra a temperatura da superfície do mar e da terra. Foto: Reprodução.

O resultado final é que o objeto se desvia para leste em relação ao seu destino pretendido em conseqüência da qual as correntes geradas pelo vento na camada superficial movem-se para a esquerda do vento, no Hemisfério Sul, e para a direita, no Hemisfério Norte.

 

Esse movimento de água, resultado do balanço entre a força da gravidade e a deflecção causada pela força de Coriolis, chama-se corrente Geostrófica e é um dos principais componentes que contribuem para a formação das grandes correntes superficiais oceânicas.

 

A Corrente do Brasil ruma durante o ano todo paralela à costa no sentido sul-sudoeste, e acompanha aproximadamente o contorno da plataforma continental.

Nos meses de primavera e verão a água central do atlântico sul atinge a plataforma continental. Foto: Reprodução.

 

No inverno a Corrente do Brasil se encontra com a Corrente das Malvinas, a convergência ou confluência subtropical, quando parte da água das Malvinas afunda e passa a ocupar o estrato inferior da Corrente do Brasil, formando uma outra massa de água chamada Água Central do Atlântico Sul.

 

Esta ruma em sentido norte contrário à Corrente do Brasil, com características de baixa temperatura, mas com altas concentrações de nutrientes dissolvidos.

 

Nos meses de inverno fica restrita a profundidades maiores, mas no fim da primavera e durante o verão, invade a camada de fundo sobre a plataforma continental.


Os ventos predominantes do quadrante NE-E (Nordeste-Leste) durante o verão, impulsionam o deslocamento de grande quantidade de água das camadas superficiais em direção ao alto-mar em um processo descrito como transporte de Ekman (relacionado a força de Coriolis), propiciando assim a penetração e o afloramento de águas profundas da Água Central do Atlântico Sul na região costeira.

 

O transporte de Ekman sugere que a direção da corrente superficial é de 45º em relação à direção do vento, e que os outros estratos inferiores do oceano obedecem a uma ordem espiral a partir deste ângulo. Na camada de Ekman, o estrato superior impulsionado pelo vento, carrega camadas inferiores.

 

Em cada uma destas camadas, a velocidade vai progressivamente diminuindo pela fricção entre as moléculas de água e, devido ao fenômeno de Coriolis, vai também alterando a sua direção (esquerda no hemifério sul e direita no hemisfério norte).

 

Esta alteração na direção da corrente chega inclusive, em determinada profundidade, a inverter o sentido da superfície. As correntes superficiais movem-se a cerca de 2% da velocidade do vento que as originam.


Em resumo o vento Nordeste soprando paralelo à costa, força a corrente superficial para alto-mar pelo transporte de Ekman, carregando a água quente da Corrente do Brasil para fora permitindo que a água mais profunda da Água Central do Atlântico Sul aflore às águas superficiais da costa.

 

É comum a ocorrência das marés torradas após severos dias de vento nordeste justamente pela ação destas forças e observa-se também um aumento na turbidez da água, deixando-a turva e com pouca visibilidade.

 

O contrário também se verifica quando existe predominância de ventos do quadrante sul. Nesse caso o transporte de Ekman impulsiona a corrente superficial em direção a costa, e por essa ação ocorre o fenômeno inverso de subsidência (downwelling), com aumento das temperaturas superficiais da água. Neste caso, o mar avança bastante e a água fica limpa e com boa visibilidade subaquática.


A sabedoria prática de navegadores e pescadores pode nos ajudar a compreender processos físicos complexos, prevendo com dias de antecedência qualquer alteração significativa no oceano e no tempo. No entanto deve-se aliar os conhecimentos práticos ao embasamento científico para catalisar a evolução do conhecimento.

 

 

Referências bibliográficas

 

1) BRANDINI, F.P.; Lopes, R.M.; Gutseit, K.S.; Spach, H.L. & Sassi, R. 1997. Planctonologia na plata-forma continental do Brasil: diagnose e revisão bibliográfica. MMA, CIRM, FEMAR. 196 p.
2) BRANDINI, F.P. & Moraes, C.L.B. 1986. Composição e distribuição do fitoplâncton em áreas costeiras e oceânica da região sueste do Brasil. Nerítica 1(3): 9-19.

3) CASTRO, B.M. & Miranda, L.B. 1998. Physical oceanography of the western Atlantic Continental Shelf located between 4° N and 34° S. In: Robinson, A.R. & Brink, K.H. (Eds). The Sea. Vol. 11. John Wiley & Sons. Chapter 8: 209-251.

4) SIGNORINI, S.R. Contribuição ao estudo da circulação e do transporte de voluma da corrente do Brasil emtre o cabo de São Tomé e a Bacia de Guanabara. São Paulo, B. Inst. oceanogr., 1976, n.5, p. 157-330.

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7) DIRETORIA DE HIDROGRAFIA E NAVEGAÇÃO. Navegação costeira, estimada e em águas restritas. Niterói, Rio de Janeiro. cap. 10. 1997.

 

8) Cursos.unisanta.br/oceanografia/correntes_marinhas.htm

 

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