O final da década de 1980 marcou uma era muito especial para o surf brasileiro. Foi neste período que nossos heróis Fabinho Gouveia, Flávio “Teco” Padaratz e Amauri “Piu” Pereira se lançaram, de forma pioneira e de corpo e alma, no circuito mundial.
Foi ali que eles começaram a fazer o planeta entender que em nosso país o esporte estava em franca ascensão técnica, estrutural e econômica e que era uma questão de tempo para nos transformarmos em uma grande potência.
No começo dos anos 90, o projeto, cujos méritos devem ser creditados também a Alfio Lagnado (Hang Loose), patrocinador de Fabinho e Teco, já nos dava os primeiros frutos históricos, em forma de resultados jamais imaginados pela nação surfística tupiniquim.
Em pouco tempo, Fabinho já era o primeiro brasileiro a vencer uma etapa do mundial em seu país (o Hang Loose Pro Contest do Guarujá, em 1990) e no exterior (o Arena Surf Master, em 91, na França) e carregava o status de top 16 da ASP, conquistado em 1993, com uma inédita 13ª colocação no ranking mundial
Em abril de 1994, o danado do “Paraíba” também quebrara mais um tabu. Só que para mim. Era a primeira vez que este jornalista via um top 16 do circuito mundial surfar do seu lado.
Foi durante uma etapa do Nordestino Amador, em Maracaípe (PE), em um free surf. Já o havia visto de perto em uma competição em Salvador, mas não como um top internacional. Desta vez, ele relaxava em casa, após retornar da perna australiana de abertura do WCT.
Lembro daquela cena imponente em que ele, usando uma prancha branca Xanadu e trajando bermuda de neoprene laranja e lycra amarela, trocava de borda e realizava cut backs em uma direita. Na casa dos 25 anos de idade, “Fia” estava no seu auge. Surf refinado, fluido, veloz e inspiração de sobra. Lembro que o crowd parava para vê-lo surfar aquelas ondinhas perfeitas e fortes, na maré cheia de “Maraca”.
Mas, apesar de todos as qualidades técnicas e do show que proporcionava, o que mais me impressionou no “cabra” naquele dia foi a forma simples e tranquila de lidar com as pessoas. Eu estava ao lado do surfista baiano Bruce Kamonk, na água, e este trocava idéia com o Fabuloso sobre a Xanadu que ele usava. O ídolo não se refutou em descer da prancha e mostrar todos os detalhes das curvas e prestar e trocar informações sobre shape com o então menino Kamonk.
De lá pra cá passaram-se alguns bons anos, mas foi com a mesma tranquilidade, criatividade, simplicidade, elegância e muito bom humor, que aos 40 anos de idade o maior surfista brasileiro de todos os tempos se despediu oficialmente do surf competição. Ele o fez no mês de novembro, através de um vídeo exibido no site Waves.
Além de falar do sentimento de dever cumprido e relembrar momentos importantes da sua trajetória, através da apresentação da coleção de lycras de competição, o vídeo exibe sessões filmadas por ângulos inusitados e performance com uma relíquia da prancha Custom, feita pelo shaper Rogério Bastos para o mundial amador em Porto Rico, em 1988.
Como atesta o documentário Fábio Fabuloso (de Pepe César, Antônio Ricardo e Ricardo Bocão), Gouveia não é apenas o maior surfista brasileiro da história e um dos mais influentes do circuito mundial em todos os tempos. É um ser humano ímpar, iluminado e fabuloso.
Confesso até que me causa inconformismo ouvir Galvão Bueno tratar o jogador de futebol Luiz Fabiano com este último adjetivo. Poxa, por mais que ele faça gols e seja considerado um craque de bola (coisa que, na minha opinião, ele não é), o jogador não tem um décimo das qualidades que fizeram de Gouveia merecedor do “título” de Fabuloso. Bom, mas aí já é outra discussão.
“Fia” é uma pessoa de espírito nobre, extremamente humana, que teve a oportunidade de conhecer um bom pedaço de mundo e todo tipo de gente para ratificar o que sua origem familiar e sua personalidade já tinham imensa convicção, desde lá de João Pessoa e das divertidas sessões de surf na Bahia Formosa (RN): viver é sua maior arte. Uma arte extremamente simples e divertida, que para executá-la tem que ter, acima de tudo, respeito com o tempo, com a natureza das coisas e com as particularidades e as diferenças dos seres humanos.
O “tampa de binga”, que até já se embestou a jogar basquete (viu que “chinfra”) e que poderia ser médico, caso atendesse o desejo da mãe, conquistou fama, dinheiro e respeito fazendo as coisas que mais gosta: viajando, surfando, fazendo e criando menino, se divertindo e “butando” apelido e “arreando” os amigos. Tudo isso compartilhado com Elka, sua namorada de adolescência, mulher e “comparsa” de todas as aventuras.
Fábio Gouveia fecha um ciclo de mais de 20 anos de competição com resultados maravilhosos e muitas histórias para contar. O “omi” que influenciou os surfistas nordestinos a deixarem de “bestagem” e assumirem o sotaque e as suas características regionais e fez os brazucas terem orgulho de carregarem a bandeira verde e amarela no meio dos gringos dará continuidade a uma série de coisas que já vem fazendo.
E haja coisas. As viagens de free surf, as filmagens, as fotografias, os inventos tecnológicos, os textos para revistas e sites especializados e, claro, a família, agora terão mais dedicação de Fabinho. Isso sem falar em muitos outros projetos que deve estar martelando na mente inquieta do “cabra”. Boa sorte Gouveia, o Brasil só tem a te agradecer.
Fonte SurfBahia