Leitura de Onda

Revolta na caserna

Adriano de Souza, Teahupoo, Tahiti

 

Adriano de Souza, um “militar” em ascensão na hierarquia do surf mundial. Foto: Aleko Stergiou.

Adriano de Souza, o maior surfista do Brasil, não esconde sua afeição pela disciplina militar. Tem um irmão nas Forças Armadas, e disse certa vez que seguiria sem medo o caminho do quartel se não fosse um talentoso surfista. Tal qual um soldado enfileirado na tropa, manteve um respeito reverencial pelas altas patentes do esporte, em especial pelo general com maior número de estrelas no ombro, Kelly Slater.

Para um dia chegar ao comando, precisaria de disciplina e paciência. Durante o período na caserna, trabalhou duro. Para deleite dos observadores da guerra, aprendeu rapidamente a atirar em ondas de todos os calibres. Sua evolução em campos de batalha como Teahupoo saltariam aos olhos até de um general Eisenhower, o homem do Dia “D” na Normandia.    

Volta e meia, declara que será campeão mundial, só não sabe dizer quando. É como um oficial talentoso, que aguarda pacientemente a vez de assumir o posto mais alto na grande escada da hierarquia militar. Ele sabe que, seguindo a velha fórmula do trabalho duro, a hora vai chegar. Não tem motivo para duvidar do sonho: afinal, carregou sua mochila de combate com talento, comportamento exemplar e paciência para aprender com os mais experientes.

Talvez por conta do admirável respeito aos mais velhos ele não tenha expressado insatisfação ano passado, ao perder uma batalha em casa para o general careca com nove estrelas no ombro. Talvez por isso tenha assimilado bem outras duas derrotas para o mesmo adversário em baterias disputadíssimas com somas superiores a 17. Talvez por isso tenha aceitado sem traumas perder nove vezes seguidas para o melhor surfista da história do esporte.

Outro dia, em seu Twitter, escreveu sobre futebol. E nos deu mais pistas sobre o seu respeito à hierarquia, além do amor ao Coringão: “Os meninos da Vila aprenderam a lição de casa com os mais velhos. É a lição da vida: tudo se aprende com os mais velhos. 4×2. Vai Corinthians”.

Adriano esperou para vencer, a seu modo. A primeira vitória contra o uniforme mais estrelado do esporte veio num WQS na Califórnia e, a segunda, no WT da Espanha. Duas vezes é demais. Perder numa semifinal de WT para um oficial novato mexeu com os brios de Slater, que bradou contra os juízes, atribuindo a derrota ao fato de haver dois brasileiros julgando aquela semifinal. Como se em outras tantas vitórias, ele não tivesse sido julgado por dois americanos.

Slater vai reclamar sempre que perder, já que não combinaram com ele que derrotas simplesmente acontecem. O experiente general americano não quer saber de ser derrotado para recrutas, soldados ou oficiais menos estrelados enquanto estiver na guerra pelo seu décimo título. Crise no quartel: os superiores não aceitam as regras do jogo.

É exatamente este o momento da revolta na caserna, como manda o manual do rebelde. Chega um soldado raso, indolente e, sem acreditar nessa história louca de hierarquia, derruba o poderoso general. Jadson André fez exatamente isso na batalha da praia da Vila. As estrelas douradas reluzentes no ombro do americano só instigaram o garoto abusado.

Talvez seja a hora do Mineiro, nosso único oficial com alta patente realmente reconhecida no quartel da ASP, trilhar o mesmo caminho. Como um militar que desde cedo mostra valor no quartel, ele conquistou todas as estrelas que estavam ao seu alcance: foi campeão Pro-Júnior, campeão do WQS e, antes dos 20 anos, entrou no WT. Agora, para ganhar a última medalha no peito, terá que atropelar os generais. Avante, campeão.

 

Tulio Brandão é repórter de O Globo, colunista do site Waves e da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe

 

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