#Roberto Perdigão é diretor executivo da ABRASP desde a fundação da entidade em 86. Ele também ocupa o cargo de diretor regional da ASP desde 92 e vem promovendo mudanças no sentido de dotar o Circuito Brasileiro de atrativos tanto para os competidores quanto para o público. Nessa entrevista exclusiva concedida via e-mail, Perdigão explica as mudanças efetuadas nesse ano e aponta o que pode melhorar para os próximos anos.
Gostaria que você comentasse as mudanças efetivadas pela ABRASP para a temporada 99.
As novidades introduzidas no ABRASP Tour deste ano não foram além da necessidade mais urgente de fortalecer o surf profissional brasileiro em suas bases, gerando um maior número de competições e, consequentemente, mantendo o mercado de trabalho ativo. Com isso, agimos diretamente para que os surfistas tenham uma maior oferta em premiações em dinheiro e para que possam manter um faturamento mensal em níveis satisfatórios. Suas participações nas 27 etapas programadas para este ano também servirão para que eles possam dar um maior retorno aos seus patrocinadores, mesmo competindo apenas no Brasil. Outro aspecto importante para 99 será a diminuição do impacto que os eventos do WQS vão causar na formação do ranking brasileiro. No WQS, o regulamento obriga a utilização do ranking da ASP para a definição dos cabeças-de-chave de cada competição e isso vinha dificultando a vida dos surfistas brasileiros que não tinham recursos para competir fora do país e, portanto, não estavam bem colocados no ranking mundial. Com poucos pontos no WQS, aqueles surfistas que tinham uma boa posição no ranking da ABRASP sentiam-se relegados a um segundo plano quando as principais competições do WQS aconteciam aqui no Brasil, justamente as que na maioria das vezes decidiam o título nacional.
Percebemos que isso estava fazendo com que alguns perdessem o estímulo em seguir a carreira, pois não conseguiam a valorização necessária junto ao mercado e aos patrocinadores. Com o novo formato do Circuito Brasileiro, a ABRASP espera, a partir de agora, encontrar uma solução para corrigir esta discrepância que vinha ocorrendo.
Ainda é difícil comercializar etapas do Circuito Brasileiro?
Estamos gerenciando a ABRASP desde 86 e nesses quase 13 anos de Circuito Brasileiro conseguimos vencer a maior parte das nossas batalhas, gerando mais benefícios para os atletas e para o mercado do surf, do que contabilizando fracassos. Só acho que existe atualmente um abismo profundo entre a participação da indústria do surf e os reais objetivos do esporte, que devem ser urgentemente reavaliados pelos empresários. O papel da ABRASP tem sido o de viabilizar o surf com atividade profissional respeitada e valorizada e, nesse processo, as competições têm sido fundamentais para atrair o interesse da mídia e, principalmente, para fortalecer a imagem dos ídolos do esporte – os verdadeiros referenciais de consumo do mercado. Se conseguimos atingir este atual patamar sem uma participação mais efetiva das marcas, imagine onde estaríamos se houvesse uma ação conjunta entre o esporte/atletas, a imprensa especializada e a indústria do surf. Acredito até que a ABIS (Associação Brasileira da Indústria do Surf) nesse ponto é bastante ausente. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Sima – Surf Industry Manufactures Association – depois de passar um longo tempo alheia aos rumos do esporte, repensou a sua estratégia e está mais do que nunca direcionando esforços para estimular o crescimento do surf de competição e a valorização da imagem dos ídolos norte-americanos. E é isso que faz a máquina andar e faz com que determinadas marcas vendam mais do que outras. Por que é que a Quiksilver, a Billabong e a Rip Curl são as maiores marcas do mundo? É porque elas estão na praia, patrocinando eventos, ao lado do surfista e é essa a imagem que fica para os consumidores. Isso é que é fazer um marketing eficiente e com reflexos imediatos no varejo. Acredito que antes de anunciar em revistas especializadas e expor em feiras de surf, as marcas têm que seguir o caminho de investir no desenvolvimento do esporte para conseguirem um conceito no mercado da surfwear. Para as marcas que ainda não tem esta identidade, é necessário mostrar a sua cara na praia – em eventos e atletas – para uma saída mais viável e eficiente a curto prazo. É inadmissível que em um mercado tão grande como o nosso, apenas o Alfio Lagnado com a Hang Loose e a Reef Brazil, e o Adriano e o Jakson Adisaka com a HD e a Rip Curl sejam os únicos empresários a investir no esporte de uma forma mais direta e efetiva.
A ABRASP pensa em conseguir um patrocinador principal para o Circuito Brasileiro?
Se formos seguir o exemplo de outras modalidades, necessitamos agora é de um patrocinador global para o Circuito Brasileiro, mas ainda não encontramos a fórmula ideal para não gerar conflitos entre as entidades, promotores de eventos e patrocinadores. Como atualmente o Circuito Brasileiro está fortemente alicerçado nos circuitos estaduais, a possibilidade de conflito de interesses dentro do universo das empresas potencialmente patrocinadoras se acentua. Então, preferimos deixar que cada entidade tenha liberdade para negociar com quem lhe interessar. Não queremos ser ditadores de uma política unilateral e em todos esses anos, aprendemos a respeitar e a valorizar esta importante parceria. Afinal, como toda entidade esportiva, a ABRASP serve especificamente para normatizar e organizar o aspecto técnico do esporte: calendários, rankings, atendimento à imprensa, atendimento aos atletas, etc. Fomos mais além e nos últimos dois anos, negociamos os Direitos de Transmissão do Circuito ABRASP com a ESPN Brasil. Os eventos (marcas) e os atletas (e seus patrocinadores) ganharam uma maior projeção nacional na televisão. Com isso, a ABRASP capitalizou uma verba vital para as suas operações diárias e, pela primeira vez, os surfistas tiveram uma bolsa extra de prêmios em dinheiro. No ano passado, os três primeiros colocados dividiram R$ 20 mil. O campeão, Fábio Gouveia, ganhou R$ 12 mil; o vice, Cristiano Spirro, levou R$ 5 mil e Armando Daltro recebeu R$ 3 mil pelo terceiro lugar no ranking. Estamos tentando aumentar o prêmio para este ano e creio que no dia em que tivermos um suporte mais efetivo da ABIS e de outras empresas do segmento surf é que poderemos realmente deslanchar na realização de todos os projetos da entidade.
#O Circuito Brasileiro então agora é mais atrativo para os atletas?
Esta resposta depende exclusivamente de uma maior participação da indústria brasileira de artigos de surf e da própria ABIS na viabilização dos compromissos da ABRASP, que são também os objetivos do esporte – literalmente falando. Com certeza o Brasil vem proporcionando o melhor circuito dentro do WQS e este ano, vem também com um bom reforço para o Brasileiro. Isso significa que onde houver etapas da ABRASP, lá estarão os melhores surfistas do Brasil. E isso atrai a mídia e incentiva o mercado em níveis local e regional, gerando um movimento multiplicador que vem se repetindo desde 93, quando os estaduais passaram a valer pelo ranking brasileiro.
Como você analisa a questão do julgamento em campeonatos?
O surf é um esporte onde a avaliação da performance do surfista é extremamente subjetiva, apesar de seguir critérios preestabelecidos. Inclusive é por isso que as baterias são julgadas por quatro ou até mesmo cinco juízes. Na verdade, problemas de avaliação existem em qualquer esporte e em qualquer disputa. A reclamação dos atletas é às vezes pertinente e em outras ocasiões não. O que temos feito para minimizar este problema é a criação e a disseminação de clínicas de julgamento pelo Brasil afora e a utilização dos melhores árbitros disponíveis no Brasil e no mundo em nossas competições. Juizes do Hawaii, Austrália, Estados Unidos e da África do Sul vêm freqüentemente trabalhar conosco. É um investimento que vale a pena, na medida em que garante a lisura do resultado e mantém a credibilidade do esporte. Além disso, a nossa escola de árbitros é considerada uma das melhores do mundo pela própria ASP, o que nos deixa bastante à vontade para falar desse assunto.
Você não acha importante realizar campeonatos em locais onde é tradição haver ondas grandes?
Sempre desejamos realizar os eventos nos melhores locais e com as melhores ondas possíveis. Já tivemos grandes competições em Saquarema, Maresias, Itamambuca, Silveira, Imbituba e até mesmo em Noronha. A mídia é garantida e o evento fica revestido de uma aura muito especial. Quem ganha com isso são os surfistas e o patrocinador, que tem a oportunidade de associar a sua marca a toda essa atmosfera positiva gerada por um evento com altas ondas. Atualmente, a maioria das competições vêm acontecendo em locais com ondas de baixa qualidade. Isso, além de diminuir o retorno na mídia – pois torna-se extremamente monótono acompanhar as disputas – cria uma clima de insatisfação que reflete nos atletas, que se sentem usados e desvalorizados. Nada melhor do que grandes disputas em grandes ondas. Ubatuba, Maresias, Saquarema, Arpoador, Prainha, Silveira, Imbituba, Stella Maris, Baía Formosa, Paracuru e Noronha continuam aguardando por um empresário de visão. O surfistas profissionais já não agüentam mais a Barra da Tijuca e nem as ondas fracas do Nordeste. Precisamos ir atrás das ondas boas para aumentar o interesse da mídia, dos atletas e do público em geral nas etapas do brasileiro.
O que falta para os brasileiros saírem-se melhor nos eventos lá fora?
Os brasileiros estão bem e temos quase o mesmo número que os americanos
(8) e os havaianos (8) na elite dos Top 44. Nossos atletas são verdadeiros guerreiros, que dão o sangue pelo País e pelos seus patrocinadores. As pessoas não imaginam o sacrifício que é viajar pelo mundo sozinho, com pouca estrutura, e ter todo um País te cobrando resultados – além da mídia e dos patrocinadores, é claro. Estamos desenvolvendo um projeto para a contratação de um profissional para acompanhá-los nas etapas do WCT, dando o suporte necessário em todo o aspecto logístico, como reservas de bilhetes aéreos, acomodação, transporte local, assessoria técnica, assessoria de imprensa nos eventos, etc. Esperamos que alguma empresa se interesse por ele. É uma pena que aqui no Brasil poucos patrocinadores dêem o devido valor ao trabalho de base e à criação de uma estrutura que possibilite aos nosso surfistas obterem melhores resultados. Não basta só o patrocínio, o salário, o dinheiro para as despesas, mas sim procurar criar uma estrutura profissional que possibilite ao atleta se concentrar apenas nas competições e com isso, melhorar seu desempenho e consequentemente, os seus resultados.
#E o que falta para termos um campeão mundial do WCT?
Lembro-me do Hang Loose Pro na Joaquina, em 86. O Sérgio Noronha foi o único brasileiro nas quartas-de-final. A partir daí, veio o Circuito Brasileiro e os nossos atletas começaram a se preparar para enfrentar o ASP Tour. Aí vão mais de 13 anos. Hoje, já temos um papel importante no cenário internacional e graças a todos esses anos de Circuito Brasileiro pudemos desenvolver gerações de atletas de alto gabarito e que vêm conquistando títulos dos mais importantes por este mundo afora. Não temos ainda um campeão mundial do WCT, mas gradativamente vamos chegando lá. Os três títulos mundiais no WQS com o Teco Padaratz (92), com o Victor Ribas (97) e com o Fábio Gouveia (98) mostram que estamos à caminho do nosso objetivo maior. Para isso, a integração e uma participação mais efetiva da imprensa especializada e da indústria do surf com a ABRASP e as entidades estaduais se torna imprescindível.